A cessão de crédito e a cessão de débito são institutos normatizados dentro do ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no direito civil, que tratam da transmissão das obrigações a terceiros, cujas regras são reguladas no Título II do Código Civil de 2002. Ao longo do presente estudo, serão analisados os aspectos relacionados ao surgimento da cessão de crédito e da cessão de débito, que remonta às épocas anteriores ao jusnaturalismo, bem como sua posterior normatização no direito civil brasileiro a partir do século XX, com a especificação de suas finalidades, requisitos, natureza jurídica, espécies, efeitos propriamente ditos e, ainda, num aspecto comparativo, as diferenças entre os institutos em análise com as formas de pagamento das obrigações. Este trabalho visa principalmente trazer ao estudo da ciência jurídica os aspectos mais básicos da cessão de crédito e cessão de débito, como forma de fomentar e estimular o leitor a, posteriormente, realizar um estudo aprofundado dos institutos, a fim de obter conhecimento e transmiti-lo às próximas gerações de estudiosos do direito.

 

2. Conceito de cessão de crédito e surgimento do instituto dentro da história jurídica mundial

A cessão de crédito é um negócio jurídico, oneroso ou gratuito, em que o sujeito ativo da relação obrigacional transfere a sua titularidade a um terceiro, com ou sem anuência do devedor. O presente instrumento de transmissão do crédito é marcado pela bilateralidade da sua firmação, de modo que o credor, chamado de cedente, confere a um terceiro, denominado cessionário, o crédito da relação obrigacional que o devedor, cedido, deverá, obviamente, adimplir.

Nas palavras de Maria Helena Diniz (2006, p.310),

A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário), independentemente do consenso do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional, com todos os acessórios e garantias, salvo disposições em contrário, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional.

A possibilidade de transferência do crédito decorre de seu caráter essencialmente patrimonial, podendo ser livremente negociado. No entanto, tal faculdade de negociação nem sempre foi conferida ao credor. No direito romano, havia uma ideia absoluta de relação jurídica pessoal quanto às obrigações firmadas. Não era possível, de modo algum, um terceiro intervir na relação obrigacional celebrada entre credor e devedor para assumir a titularidade da dívida mediante a transmissão do crédito. Com a constante mutação da sociedade e com a evolução do direito, assumiu-se a possibilidade de, eventualmente, o credor poder transferir a titularidade da obrigação a um terceiro, desde que atendidos os requisitos que doravante serão mencionados.

A transmissibilidade do crédito foi objeto de constantes discussões ao longo da história mundial. Para a escola dos glosadores, o crédito fazia parte do próprio ser, como se estivesse impregnado nos ossos do corpo do ser humano. Comparava-se a relação entre lepra e o corpo humano quando se discutia sobre a propriedade do crédito. A transmissibilidade do crédito, nesta época, comparava-se à retirada de uma parte da carne do corpo do ser humano.

Com isso, verifica-se que o crédito, durante longos períodos, foi considerado como inerente ao ser humano, impossível de ser transmitido a terceiros, porquanto estava, segundo a doutrina, aderido ao seu próprio corpo.

Para a doutrina jusnaturalista, diferentemente, a legitimidade para celebração da cessão de crédito decorre da afirmação de que o crédito da relação obrigacional constitui o patrimônio do credor, podendo ser livremente negociado. Conforme explana Menezes Leitão (p.129),

A doutrina jusnaturalista trouxe uma concepção diferente da cessão de créditos, na medida em que, ao representar a obrigação como uma alienação da liberdade do devedor em benefício do credor, veio simultaneamente qualificar o direito de crédito como um direito de domínio sobre uma acção de outrem. Esta concepção levou ao reconhecimento de que o direito de crédito constituiria, à semelhança da propriedade sobre as coisas corpóreas, um elemento do patrimônio do credor, que poderia ser assim transmissível como qualquer outra componente patrimonial.

Com efeito, o instituto da cessão de crédito ganhou legitimidade dentro do ordenamento jurídico quando efetivamente foi lhe dado caráter estritamente patrimonial, negociável com terceiros. O crédito deixou de ser um elemento pessoal do ser humano para constituir o patrimônio do credor, que passou a poder transmiti-lo a terceiros. Cria-se uma questão apenas relativa à titularidade de crédito, e não há mais predominância do pensamento de que o crédito estaria impregnado nos ossos do corpo humano.

2.1. Cessão de crédito no direito brasileiro

No direito brasileiro, a cessão de crédito está prevista desde o Código Civil de 1916, de modo que a doutrina e jurisprudência reconheceram de plano a sua existência e aplicabilidade. Do mesmo modo, até o presente momento não foram travadas grandes discussões acerca do instituto da cessão de crédito, havendo uma singularidade de acepção por autores e pelo Poder Judiciário.

Com o advento do Código Civil Brasileiro de 2002, a cessão de crédito encontra forte no art. 286 do mencionado dispositivo, que dispõe que:

O credor pode ceder o seu crédito, se a isto não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

Apontadas as teorias acerca da transmissibilidade do crédito, bem como a existência e localização do instituto da cessão de crédito dentro do ordenamento jurídico brasileiro, deve-se indicar quais são os requisitos de validade que devem ser obedecidos pelo credor e terceiro, no momento da celebração do negócio jurídico.

2.2. Requisitos de validade

Os requisitos para validade da cessão de crédito estão previstos no art. 104 do Código Civil de 2002, já que o referido instituto constitui-se de negócio jurídico, valendo a regra geral de requisitos de validade constantes no dispositivo infraconstitucional. Os requisitos de validade são agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei. Quanto à capacidade, deve-se observar que é necessário aferir que a capacidade deve não somente residir na possibilidade de prática de atos jurídicos, mas também na capacidade de prática de atos de alienação. No que diz respeito ao objeto lícito, possível, determinado ou determinável, o art. 286 do Código Civil disciplina que qualquer crédito poderá ser cedido, desde que não se opuser à natureza da obrigação, à lei, ou à convenção com o devedor. Ou seja, havendo celebração de convenção com devedor, com estipulação pela não transmissibilidade da titularidade do crédito, não poderá ser invocado o instrumento da cessão do crédito para atribuir a terceiro o polo ativo da relação obrigacional. Pela natureza da obrigação, não poderão ser objeto da cessão de crédito aquelas prestações cuja natureza seja essencialmente assistencial, como o crédito alimentício. Como o recebimento de alimentos é marcado pelo caráter de direito personalíssimo do credor, impossível é a aplicação da cessão de créditos para atribuir a terceiro o recebimento dos alimentos. Às vezes, a lei também veda a cessão de crédito para determinadas relações obrigacionais. É o que ocorre com a indenização decorrente de acidente de trabalho, que veda a imposição de cessão de créditos para que a titularidade da obrigação seja transmitida a terceiro, na forma do art. 97 do Decreto-lei n.º 7.036/44. Por fim, quando a imposição de cessão de créditos afetar, de qualquer forma, os bons costumes e a moral dos negócios jurídicos, também não será permitida a sua invocação.

Quanto à solenidade da celebração de cessão de crédito, em regra, não há uma forma solene de convenção do instituto que visa transmitir a titularidade do polo ativo da obrigação. Contudo, quando se requerer que sejam gerados efeitos a terceiros, devem os celebrantes atender a alguns requisitos solenes de celebração. Para atingir terceiros, a cessão de crédito deve ser firmada em instrumento público, com posterior registro perante o Registro de Títulos e Documentos, ou mediante instrumento particular obediente às exigências previstas no art. 654, §1º, do Código Civil, quais sejam: indicação do local onde o instrumento público foi passado, qualificação do outorgante e do outorgado, indicação da data e do objetivo da outorga, com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

Quando a cessão de créditos for destinada a operar efeitos somente ao cedente e ao cessionário (credor e terceiro, respectivamente), não é necessário qualquer registro perante órgão público, bem como é dispensável o atendimento a uma forma solene.

2.3. Espécies

Deve-se também trazer à baila as diferentes espécies de cessão de crédito. Atualmente, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, admite-se a cessão de crédito convencional, cessão legal e a cessão de crédito judicial. A cessão convencional é aquela decorrente de celebração consensual entre as partes, notadamente o credor e o terceiro. A cessão legal é aquela que decorre especificamente da lei, que obrigatoriamente determina a substituição da pessoa do credor por um terceiro cessionário. A cessão de crédito judicial advém do juízo, quando já há demanda de crédito perante o Poder Judiciário.

2.4. A cessão de crédito é negócio jurídico de natureza abstrata?

Outro fator importante também não deve deixar de ser esquecido: é a cessão de crédito marcada pela abstratividade? Como termo abstratividade, podemos entender pela não vinculação de um determinado negócio jurídico às falhas e imperfeições de outro negócio que deu base para a efetivação do primeiro. Em melhores palavras, seria a cessão de crédito um negócio jurídico nulo quando o negócio que lhe deu base for considerado nulo pela inobservância de requisitos básicos? Na opinião de Pontes de Miranda,

Trata-se de negócio jurídico abstrato, porém não contrato de direito das coisas (juri-real, dinglicher Verträg). É válida e eficaz a cessão, ainda que a causa não exista, seja ilícita, ou não se realize. Se houve cessão, sem causa, e o cessionário se enriqueceu injustificadamente, pode o cedente pedir a repetição: o crédito volta; mas, enquanto não passa em julgado a sentença, o crédito pertence ao cessionário. A cessão de crédito é negócio jurídico abstrato. Porque a cessão é abstrata, em si, não pode ser nula por ilicitude de objeto. Se o negócio jurídico subjacente é nulo, cabe a repetição. (...) O negócio jurídico de cessão é bilateral, abstrato, acôrdo de transmissão, que independe do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente (cessão de crédito para servir de garantia a negócio jurídico de outrem, ou do próprio cedente). O efeito translativo, a imediata transferência do crédito ao cessionário, é independente do fim que se colimou, cedendo-se o crédito. Vale, e é eficaz, a transferência, ainda que se venha a decretar a nulidade, ou a anulação ou a ineficácia do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente.

Em suma, para Pontes de Miranda, a cessão de crédito é marcada pela abstratividade, de modo que, caso o negócio jurídico que lhe deu causa seja considerado nulo por quaisquer motivos, não deverá ser a cessão anulada em face das irregularidades constatadas no negócio jurídico subjacente.

2.5. Inconfundibilidade da cessão de crédito com a novação e com o pagamento em sub-rogação

A cessão de crédito não se confunde com o pagamento em sub-rogação. No pagamento com sub-rogação, o terceiro que paga a dívida do devedor assume a titularidade do polo ativo da relação obrigacional, de modo que o devedor deverá prestar o pagamento da dívida ao credor sub-rogado, e não mais ao credor primitivo. Os direitos e garantias se mantêm no pagamento com sub-rogação, havendo uma simples transformação dos sujeitos que estão envolvidos na obrigação. Ao novo credor não é permitido usufruir das ações e direitos que pertencem ao credor primitivo, ficando restrito somente à exata quantia dispensada para solver a dívida. Na sub-rogação, o cedente não assume a responsabilidade pelo crédito. Na cessão de crédito, diferentemente, há caráter de pretensão de lucro. Havendo troca do polo ativo da relação obrigacional, o novo credor assume o crédito em sua totalidade, podendo exercer atos que venham a dar lucro em função do crédito. Além disso, na cessão de crédito o cedente fica responsabilizado pelo crédito cedido. Do mesmo modo, a cessão de crédito não se confunde com a novação. Nesta, há extinção de uma dívida antiga para produção de uma nova, ao contrário da cessão de crédito, que mantém a mesma relação obrigacional, com mudança do seu polo ativo. Ainda, na novação há extinção dos acessórios e garantias decorridos da relação obrigacional, porquanto se extingue a obrigação primitiva e cria-se uma nova relação, em que pode haver mudança do objeto (novação objetiva) ou dos sujeitos (novação subjetiva).

2.6. Da notificação ao devedor quanto à celebração da cessão de crédito

A notificação do devedor quanto à firmatura de cessão de crédito é essencial para garantir o regular e efetivo pagamento da prestação obrigacional sem que haja litígios em decorrência de um eventual pagamento prestado à pessoa que não mais integra o polo ativo da obrigação. É diante dessa importância que o art. 290 do Código Civil argui que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.”. Ou seja, inexistindo a efetiva notificação do devedor quanto à celebração de cessão de crédito, tal instrumento não terá validade, porquanto poderão ser gerados diversos conflitos quanto ao pagamento a ser prestado, especificamente com relação a quem se paga.

O legislador ordinário previu que vários conflitos seriam gerados em face do não exercício de notificação por parte dos celebrantes de cessão de crédito ao devedor, de modo que estabeleceu no art. 292 quais serão as consequências de um eventual pagamento realizado pelo devedor não notificado da cessão. Diz o enunciado que, quando o devedor prestar o pagamento da dívida ao credor primário sem ter conhecimento da celebração de cessão de crédito, ficará desobrigado, não sendo necessário um novo pagamento. Do mesmo modo, caso existam várias cessões de crédito e o devedor, notificado da mudança de polos ativos, vem a prestar pagamento a qualquer um dos cessionários que apresenta o título de cessão, ficará igualmente desincumbido da relação obrigacional.

Vale transcrever julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que elucidou a importância da notificação do devedor na cessão de crédito, bem como suscitou a desnecessidade de novo pagamento caso o devedor, não notificado da cessão, venha a prestar pagamento ao credor primitivo:

Sucede que o devedor/apelante, emitente das notas promissórias em tela, não foi notificado da reportada cessão de crédito, tanto que não interveio no contrato em que a mesma foi pactuada, fato que, por via conseqüencial, não pode ter repercussão no tocante a ele (recorrente).

Faz-se plenamente aplicável o estipulado no art. 292 do Código Civil, verbis:

Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo [...]

Também tem incidência o consignado no art. 290 do mesmo Codex:

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. [...]

Não se poderia imputar ao apelante o exercício de poderes de adivinhação para pagar as notas promissórias diretamente ao cessionário, se da cessão notificado não foi.

Portanto, sem a imprescindível notificação acerca da cessão do crédito emoldurado, não há como o cessionário apelado exigir do apelante o cumprimento da obrigação, agora em seu favor. [...]

Assim, diante do explicitado, conclui-se que é perfeitamente válido o pagamento das notas promissórias juntadas à fl. 08, mediante depósito bancário em favor de Silvestre Frigeri, credor primitivo da obrigação.

A apelação cível foi notadamente provida, já que os julgadores tomaram como base da análise do caso os artigos 290 e 292 do Código Civil, que elucidam a necessidade de notificar o devedor quando da celebração de cessão de crédito, uma vez que, caso contrário, vindo o devedor a solver a dívida ao credor primitivo, a relação obrigacional se extingue.

Importante trazer à baila parte do julgado da Apelação Cível n.º 2000.71.00.025662-0, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região do Estado do Rio Grande do Sul:

[...] Com efeito, a prova documental indica que, ao contrário do que alegam os autores, tinha ciência da existência da cessão de créditos à CEF. Foram notificados da cessão de crédito, conforme prova a cópia do AR da fl. 84 e carta enviada pela empresa Gestão e Cobrança LTDA. (fls. 86/87). (...) Assim, os créditos foram regularmente cedidos pelo Banco Meridional S/A à CEF, obrigando o devedor a cumprir com suas obrigações ao novo credor. Regular a cessão de créditos e existindo débitos, não há ilegalidade nos registros em cadastros de devedores.

Indiscutivelmente, a finalidade da notificação é precaver o devedor de prestar o pagamento da dívida à pessoa errada, quando destina a prestação ao credor primitivo, que não mais integra o polo ativo da relação obrigacional. A notificação pode ser exercida igualmente por parte do cedente ou do cessionário. Entretanto, analisando os termos em um âmbito lógico, ao cessionário seria mais proveitoso proceder à notificação do devedor quando da celebração de cessão de crédito, porquanto um eventual pagamento da prestação obrigacional destinado ao credor primitivo traria prejuízos ao cessionário, já que, não sendo notificado o devedor, o pagamento é válido, na forma do art. 292 do Código Civil. Com maestria, Arnoldo Wald ensina que a notificação não é requisito para a celebração da cessão de crédito, mas é prática indispensável para que seja dada a correta destinação da prestação a ser paga:

Na cessão de crédito não se exige o consentimento do devedor, mas contra este somente passa a valer depois de ter sido o mesmo notificado (art. 1.069 do CC). Embora a notificação do devedor não seja indispensável para a realização da cessão, importa ela em impedir que o devedor venha a fazer o pagamento ao cedente. Após a notificação, se o devedor fizer o pagamento do débito ao cedente terá pago mal e assim pagará uma segunda vez ao cessionário, por ser evidente a sua má fé.

Ainda, afirma que a notificação é ato indispensável para a segurança do credor cessionário, que se verá em prejuízo caso o devedor, sem ser notificado da celebração de cessão de crédito, venha a prestar pagamento ao credor primitivo. Entretanto, o autor faz uma ressalva: sendo notificado da cessão de crédito, caso o devedor venha a resolver a dívida da relação obrigacional ao credor primitivo, terá que dispensar novo pagamento, já que “quem paga mal paga duas vezes”.

2.7. Efeitos propriamente ditos

A cessão de crédito traz vários efeitos dentro da relação obrigacional. Primeiramente, traz mudança do polo ativo da obrigação, de modo que o credor cessionário assume a titularidade da dívida, devendo o devedor prestá-la ao novo credor. Em um segundo momento, a cessão de crédito traz o efeito de imutabilidade da relação obrigacional, considerando que a sua celebração não causa a extinção da dívida para a consolidação de uma nova, diferentemente do que ocorre com a novação, em que há a extinção de uma dívida antiga, desde que atendidos os requisitos básicos, para a criação de uma nova, inclusive com a exclusão dos acessórios dela decorrentes, desde que nada ao contrário seja firmado.

Além disso, quanto aos destinatários dos efeitos da cessão de crédito, deve-se referir que a celebração do negócio jurídico trará efeitos a terceiros somente quando for firmada em instrumento público ou em instrumento particular que atenda às exigências previstas no Código Civil, especificamente no art. 654, §1º, do Código Civil.

3. Cessão de débito: conceito e normatização no direito civil brasileiro

A cessão de débito, no Código Civil de 1916, não estava disposta expressamente. Contudo, em razão do reconhecimento do princípio da liberdade contratual das partes, admitia-se que os contratantes firmassem determinados acordos não disciplinados pela lei, incluindo a cessão de débito.

Maria Helena Diniz (2004, p.447), ao definir o conceito de cessão de débito, afirma que:

A cessão de débito ou assunção de dívida é um negócio jurídico bilateral, pelo qual o devedor, com anuência expressa do credor, transfere a um terceiro os encargos obrigacionais, de modo que este assume sua posição na relação obrigacional, substituindo-o, responsabilizando-se pela dívida, que subsiste com todos os seus acessórios. O débito originário permanecerá, portanto, inalterado.

Em suma, ocorre quando há a transferência dos encargos da relação obrigacional a um terceiro, que não fazia parte da obrigação. O instituto é pouco utilizado dentro do direito brasileiro, já que existem outros meios mais eficazes de transferência das dívidas pelo devedor primário a terceiro. A cessão de débito, em seu conceito, é diversa da cessão de crédito pelo fato de que nesta há a mudança da titularidade da relação obrigacional, enquanto naquela há troca da pessoa do devedor, de quem deve prestar a obrigação.

3.1. Necessidade de anuência pelo credor

Em se falando de anuência da cessão, também se verificam diferenças entre os institutos da cessão de crédito com a cessão de débito. Enquanto naquela é desnecessária a anuência do devedor para a sua celebração, porquanto não há relevância na mudança da pessoa do credor, nesta a anuência do credor é essencial, já que a mudança da pessoa do devedor pode causar insegurança ao credor. Imaginemos que fosse possível a celebração de cessão de débito sem anuência do credor: caso o devedor primitivo seja uma pessoa de bom caráter e, através da cessão, venha a atribuir os encargos da relação obrigacional a terceiro completamente irresponsável e não diligente, obviamente tal ato traria prejuízos à pessoa do credor, que possivelmente não veria a obrigação ser cumprida. Diante disso, para evitar eventuais prejuízos e insegurança à pessoa do credor, o art. 299 do Código Civil prevê o instrumento da cessão de débito, afirmando que é estritamente necessária a sua anuência, nos seguintes termos:

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. (grifo nosso)

Importa também referir que o parágrafo único do art. 299 do Código Civil preceitua que o silêncio do credor quanto à anuência da cessão de crédito importante em recusa. Vê-se, na presente afirmação, uma exceção à regra do art. 111 do Código Civil, que trata dos negócios jurídicos. Este artigo afirma que “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa.”. A regra é que o silêncio importa a anuência de determinado negócio jurídico. Entretanto, o próprio enunciado traz consigo exceção à regra, da mesma forma como trata o art. 299 quando da análise da assunção de dívida: exige-se a declaração expressa da anuência por parte do credor para que seja admitida a celebração de cessão de débito.

Convém afirmar que cabe também ao credor demonstrar oposição à consolidação da cessão de débito, não conferindo anuência à sua celebração. Mesmo que o pretendente da cessão de crédito possua maiores condições financeiras de prestar o pagamento da obrigação, o credor não é obrigado a aceitá-lo, já que patrimônio não significa caráter. Atualmente se vê com muita frequência a prática de golpes por sujeitos que possuem patrimônio incalculável, de modo que, sentindo-se ameaçado pelo risco de não ver o adimplemento da obrigação, pode o credor se opor à cessão de débito.

3.2. Requisitos de validade

Por oportuno, deve-se referir quais são os requisitos de validade da cessão de débito. Segundo Maria Helena Diniz (2005, p.452), deve a obrigação transferida ser efetivamente existente e válida; substituição do polo passivo da mesma relação obrigacional pelo terceiro que foi instituído como novo devedor; concordância expressa do credor em anuir com a celebração da cessão de débito; a observância dos demais requisitos referentes à matéria de negócios jurídicos.

3.3. Espécies

A cessão de débito, também denominada de assunção de dívida, pode ocorrer por dois meios: expromissão e por delegação. A cessão por expromissão ocorre quando o credor da relação obrigacional busca o terceiro para assumir o polo passivo da obrigação. Na cessão por delegação, o devedor primitivo busca o terceiro para que se constitua no polo passivo da obrigação. Na primeira, a anuência do credor se dá pela própria firmatura da cessão de débito, já que o credor é quem busca o terceiro para assumir a dívida. Na cessão de débito por delegação, diferentemente, deve haver anuência expressa por parte do credor, em cumprimento ao art. 299 do Código Civil, uma vez que o credor não é parte integrante da cessão, mas ele possui interesse em ter conhecimento acerca de quem é o sujeito que resolverá a dívida. Portanto, exige-se a anuência.

Márcio Luiz Delgado Régis (2002, p.245) ainda afirma que as duas modalidades de cessão de débito podem surtir efeitos liberatórios ou cumulativos. Os efeitos liberatórios se dão quando a celebração de cessão de débito faz com que o devedor primitivo não mais componha o polo passivo da relação obrigacional, liberando-se da obrigação. Os efeitos cumulativos, ao contrário, fazem com que cessionário e cedido permaneçam no polo passivo da relação, formando-se uma típica forma de obrigação solidária.

3.4. Efeitos da cessão de débito

Importante referir quais são os principais efeitos da consolidação da cessão de débito. O efeito principal é a mudança do polo passivo da relação obrigacional firmada entre credor e devedor, de modo que o cessionário passará a assumir a dívida, devendo igualmente adimpli-la. A presente consequência difere-se em parte da cessão de crédito, já que nesta há mudança da pessoa que constitui o polo ativo da obrigação. Na cessão de débito, efeitos secundários também são verificados. Primeiramente, deve-se mencionar a presença da imutabilidade da relação obrigacional, que ocorre também na cessão de crédito, já que é princípio de todo o sistema em análise. Quando firmada a cessão de débito, a relação obrigacional permanece sendo a mesma. Não há criação de uma nova obrigação com devedor diverso, como ocorre na novação subjetiva passiva. Ainda, igualmente como ocorre na cessão de crédito, os acessórios decorrentes da firmatura do primeiro negócio jurídico subsistem perante a celebração de cessão de débito, porquanto, conforme já referido, não há extinção da dívida para criação de outra, mas apenas um reajuste do sujeito que compõe o polo passivo da relação obrigacional, qual seja, o devedor.

4. Conclusões

Os institutos analisados ao longo deste trabalho são de suma importância para que a ordem jurídica seja efetivamente mantida. Conforme já referido, as cessões de crédito e de débito visam substituir as pessoas do credor e devedor, respectivamente. Estes instrumentos são eficazes para evitar uma demasiada criação de novas e desnecessárias relações jurídicas dentro do corpo social, já que somente substituem aqueles que participam da relação obrigacional por outros notadamente interessados. A ordem jurídica brasileira já vem sendo conturbada há muito tempo. Deve o legislador ordinário criar novos instrumentos jurídicos que visam facilitar a celebração e a transmissão das obrigações a terceiros notadamente interessados, porquanto as suas consequências trazem maior praticidade ao devido adimplemento das relações obrigacionais.

 

 

 

Referências

BICALHO, Luis Felipe. A cessão de crédito na relação solidária ativa. Clubjus, Brasília-DF: 21 fev. 2011. Disponível em:

< http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.34147>. Acessado em: 14 jun. 2011.

BITTAR, A.; GONZAGA, M. A. R. L.; CURCIO, R.; MAGALHÃES, S. R. A. Transmissão das Obrigações: cessão de crédito, cessão de débito, cessão de contrato. Disponível em: . Acessado em: 13 jun. 2011.

MENEZES, Rafael de. Direito das Obrigações – aula 19. 2008. Disponível em:

. Acessado em: 14 jun. 2011.

RODRIGUES, Silvio. Direito das obrigações – parte geral, v. 2. 2002.

 

Data de elaboração: junho/2011

 

Como citar o texto:

DOBLER, Gustavo..Breve análise acerca dos institutos da cessão de crédito e cessão de débito. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/2301/breve-analise-acerca-institutos-cessao-credito-cessao-debito. Acesso em 25 ago. 2011.

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