1 - INTRODUÇÃO

 

Em diversas passagens do Código Penal Brasileiro, o legislador optou em sua atividade legiferante em utilizar várias hipóteses para aumentar a pena do indivíduo transgressor da norma jurídica, em especial destaco o concurso de pessoas e o emprego de arma no deslinde da empreitada criminosa. Entretanto, deixou de observar que assim procedendo estaria ferindo um princípio basilar do Direito Penal, o famigerado bis in idem.

Logo, como o operador jurídico deverá proceder quando depara-se com uma situação análoga em que os tipos penais incriminadores trazem em seu bojo elementares que poderão ser apreciadas duas ou mais vezes. Cabe, então, à Doutrina e à Jurisprudência resolver tal problemática tão corriqueira nas atividades ligadas ao estatuto repressivo.

Inicialmente, convém esclarecermos o que vem a ser o bis in idem, que segundo o magistério do professor Guilherme de Souza Nucci seria o preceito que ninguém deverá ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato.

Impende gizar que não há consenso acerca da aplicabilidade ou não das mesmas circunstâncias integrantes do tipo penal.

 

2 – A NÃO APLICABILIDADE DO BIS IN IDEM NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL

Tomarei como exemplo o caso dos agentes que praticaram a empreitada criminosa insculpidas nos artigos 157, §2º, II, (roubo praticado com o emprego de arma) e 288, parágrafo único (quadrilha ou bando armado), in verbis:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

[…]

§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:

I – Se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II – Se há o concurso de duas ou mais pessoas;

[…] (negritei)

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. (negritei)

Tais crimes tem suas penas aumentadas por conta de disposição legal e por conterem a elementar emprego de arma/armado. Entretanto, nos caso em testilha, a pena dos indivíduos seria elevada por causa especial de aumento de pena por conta do mesmo motivo.

Também poderá ser utilizado o pensamento em tela nas questões referentes no caso da ocorrência de roubo com a majorante por conta do concurso de pessoas em concurso de crimes com o crime de quadrilha ou bando, ou seja, haveria um agravamento substancial da pena por conta das mesmas circunstâncias.

A doutrina não é unânime em relação a estas hipóteses, há doutrinadores que pensam no sentido de não haver a figura do bis in idem, pois no caso em comento o Diploma Criminal tratou dos crimes em momentos distintos, ou seja, em trata-se de proteção de bens jurídicos diversos, quais seja, o patrimônio e a paz pública, e, ainda, visando a autonomia e independência dos delitos em testilha. Neste sentido, Rogério Greco, em sua obra, a fim de explicitar o pensamento de tal corrente doutrinária, traz à tona o pensamento de Weber Martins Batista, o qual versando sobre a qualificadora no concurso de agentes para o crime de roubo e o crime de quadrilha ou bando, aduz:

“A associação de quatro ou mais pessoas para a prática de crimes, indeterminadamente, não é imprescindível, não é meio necessário à prática de roubo em concurso de agentes.

A razão da incriminação daquele crime e o motivo de agravamento da pena deste último derivam de razões diferentes. Num caso, busca-se proteger o sentimento de tranquilidade e segurança das pessoas, bem jurídico que é atingido mesmo quando não se chega a ser praticado nenhum dos delitos que eram a razão da associação. No outro, no roubo qualificado pelo concurso de agentes, a punição mais severa visa a evitar maior facilidade do cometimento do crime, o que ocorre quando são dois o mais executores. Sendo assim, porque diversa a vontade do Estado, ao definir os fatos puníveis, e diferentes os bens jurídicos protegidos pelas pessoas atingidas, não há como falar, na hipótese, em progressão criminosa ou em crime progressivo, em ante-fato ou pós-fato impuníveis”. BATISTA, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal, p. 265-266.

No sentido inverso ao acima exposto está o pensamento de Rogério Greco, o qual preleciona que não há como nas situações em destaque não visualizarmos a presença do combatido bis in idem, pois a elementar está sendo valorada/levada em consideração por duas vezes, logo, não há, segundo o renomado autor mineiro, como visualizarmos a figura do concurso de crimes entre as elementares que aumentam a pena dos crimes de roubo e de quadrilha ou bando.

3 – A POSIÇÃO ADOTADA PELA JURISPRUDÊNCIA

A jusrisprudência, por sua vez, também não é pacífica sobre o tema enfocado, em seus julgados, ora acolhe ora não admite a figura do concurso dos crimes acima expostos.

No sentido do não acolhimento encontramos o seguinte julgado:

Não pode haver concurso entre quadrilha e roubo, ambos qualificados por concurso de pessoas ou emprego de armas, pois redundaria em dupla qualificação pelo mesmo fato (STF, RTJ 120/1056, 144/185, HC 62.563, DJU 30.8.85, p. 14346; HC 62.564, DJU 28.6.85, p. 10678).

Em sentido oposto, coadunando-se ao pensamento de Weber Martins, decidiu os Tribunais da seguinte maneira:

Pode haver concurso entre roubo qualificado pelo concurso de agantes e quadrilha, por serem tipos penais autônomos e com objetividades jurídicas diversas (TJSP, RTJSP 117/480).

Não há o que se falar em bis in idem na condenação por crime de quadrilha armada e roubo qualificado pelo uso de armas e concursos de pessoas, tendo em vista a autonomia e independência dos delitos ( STJ, 5ª T., Resp 819.773/TO, j. 17.8.2006, vu 0 DJU 11.9.2009, p. 343).

Nesta mesma toada, decidiu o STJ, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONTINUIDADE DELITIVA. CONCURSO MATERIAL. QUADRILHA ARMADA E ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA.

I - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato de libidinagem que não se ajusta aos classificados de praeludia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução.

II - A ofensa a bens personalíssimos, contra vítimas diferentes, desde que os crimes sejam da mesma espécie, pode ensejar o crime continuado na forma preconizada no parágrafo único do art. 71 do Código Penal. Os requisitos devem ser examinados pelo Órgão Julgador (de estupro para estupro e atentado violento ao pudor para atentado violento ao pudor).

III - Na há que se falar em bis in idem na condenação por quadrilha ou bando armada e roubo majorado pelo emprego de arma, porquanto além de delitos autônomos e distintos, no primeiro o emprego da arma está calcada no perigo abstrato e, no segundo no perigo concreto (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Habeas corpus parcialmente concedido. (STJ, 5ªT., HC 35220 RS, Rel. Min. Felix Fisher, julgado em 5.10.2004 DJ 8.11.2004)

Tratando-se de ramo do direito que tem como objeto principal o direito de ir e vir do indivíduo, estampado pelo Direito Constitucional da Liberdade que é intrínseco a cada indivíduo, não podemos olvidar que quando colocamos em contraste o direito individual retromencionado e o jus puniendi pertencente ao Estado e em se tratando-se de antíteses doutrinárias e jurisprudenciais, deveremos aplicar a regra mais favorável à pessoa que estará sujeita ao poder de punição estatal.

Com efeito, devemos, ainda, considerar que os fundamentos do pena (repressão, prevenção e ressocialização do agente criminoso), hodiernamente, ou podemos ousar em dizer que nunca fizeram bem ao indivíduo que é levado ao cárcere por tempo demasiado. Logo, deveremos aplicar o in dubio pro reo, pois deveremos aplicar o entendimento que prejudique da menor maneira o sujeito ativo da empresa criminosa, destarte, estaremos agindo de maneira mais humana e poderemos alcançar mais facilmente os fins da aplicação da pena ao indivíduo.

4 – CONCLUSÃO

De mais a mais, verifica-se que não há consenso acerca da possibilidade ou não de haver as figuras do concurso de crimes entre roubo e quadrilha qualificados pelas mesmas circunstâncias, assim não há a pacificação acerca do tema se há ou não bis in idem nos casos supracitados.

No meu sentir, devemos estar coadunado com a parte da doutrina, que tem como adepto o nobre jurista mineiro Rogério Greco, e da jurisprudência que afasta a possibilidade do concurso, pois, desta feita, se estará espancando a possibilidade do aparecimento da figura indesejável da dupla punição pelo mesmo fato/circunstância.

Ante o exposto, percebe-se que agindo desta maneira estaríamos utilizando o Estatuto Repressivo de forma mais justa, a fim de que o agente não seja prejudicado por conta de interpretações muitas vezes feitas de forma equivocada.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III, 8ª Ed.Niterói, RJ: Impetus, 2011.

BATISTA, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Saraiva, 2010.

 

Data de elaboração: abril/2012

 

Como citar o texto:

SANTOS, Giovanny de Oliveira..Não aplicabilidade do bis in idem no âmbito do direito penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 991. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2529/nao-aplicabilidade-bis-in-idem-ambito-direito-penal. Acesso em 21 jun. 2012.

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