RESUMO:

 

O presente artigo tem como sustentáculo a fomentação crítica acerca do entendimento dos Tribunais brasileiros no tocante à (in) possibilidade da pessoa jurídica sofrer ou não danos morais. Para isso, precisamos trazer à baila algumas jurisprudências e outros entendimentos doutrinários para uma melhor hermenêutica no que diz respeito a estas controvérsias no âmbito da violação dos direitos da personalidade. Neste enfoque, pergunta-se, o que seria o dano moral?

Face a essa indagação, pautada em uma interpretação não muito afundo, poder-se-ia responder que o dano moral seria nada mais que uma violação à honra, à integridade física, à liberdade, entre outros direitos à pessoa humana. Indaga-se, nesta celeuma, entretanto, se tão somente a pessoa física (natural) poderia ser vítima de uma violação desses direitos, ditos da personalidade. Neste trabalho, nos filiamos a exegese que vislumbra a possibilidade da pessoa jurídica ser vítima em um evento exclusivamente de dano não pecuniário; ou seja, de natureza extrapatrimonial, o próprio dano moral.

Para endossar tal entendimento, é imperioso nos lembrar que ao fixar que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", a Constituição, no inciso X do artigo 5º, não se refere apenas pessoas físicas. O entendimento foi afirmado, pela primeira vez, pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão da 2ª Turma, a partir de voto do ministro Néri da Silveira. A decisão negou provimento ao recurso extremo do Banco do Brasil, que fora condenado a reparar financeiramente a empresa Metalgamica Produtos Gráficos Ltda. Esta, por um ato errado do BB, tivera sua honra e idoneidade financeira atingidas. O TJRS parece ter sido o pioneiro a admitir – no início sem unanimidade – que a pessoa jurídica poderia, em tese, ser vítima de dano moral. Em setembro de 1999, o STJ editou a súmula de nº 227 assim redigida: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral." (Proc. nº 244.072-SP)

Palavras-Chaves: Dano Moral. Pessoa Jurídica. Entendimento Jurisprudencial.

ABSTRACT: This article is the mainstay fostering critical about understanding the Brazilian courts regarding the (in) ability of the legal entity or not suffer damages. For this we need to bring up some other jurisprudence and doctrinal understandings to better hermeneutic with regard to these controversies within the violation of personal rights. In this approach, the question is, what would be the moral damage?

Given this assertion, based on an interpretation not sink too, would be able to answer that moral damages would be nothing more than a violation of the honor, integrity, freedom, among other human rights. One wonders, in this uproar, however, if only to individuals (natural) could be the victim of a violation of those rights, said personality. In this work, we join the exegesis that sees the possibility of a legal entity to be a victim in an event exclusively for non-pecuniary damage; ie, off-balance sheet nature of the own damage.

To endorse this understanding, it is imperative to remember that when determining who are "inviolable intimacy, private life, honor and image of persons, assured the right to compensation for property or moral damages resulting from the violation," the Constitution, in section X of Article 5, refers not only individuals. The understanding was stated for the first time, the Supreme Court, in a decision of the 2nd Class, from voting Minister Neri da Silveira. The decision dismissed the end of the Bank of Brazil, who was condemned to repair the company financially Metalgamica Graphic Products Ltda. This, by an act of wrong BB, had his honor and reputation financial hit. The TJRS seems to have been the pioneer to admit - at first without unanimous - that the corporation could, in theory, be a victim of damage. In September 1999, the Supreme Court issued a summary of No. 227, which states: "A person may suffer legal damage." (Proc. No. SP-244072)

Key-Words: Moral Damage. Corporations. Understanding Jurisprudence.

Sumário: 1. Introdução; 1.1 A definição do dano moral: uma problemática axiológica, doutrinária e jurisprudencial; 2. O entendimento jurisprudencial e suas controvérsias; 3. A honra objetiva versus a subjetiva: escopo analítico sobre suas diferenças; 4. Consequências jurídicas de um dano moral tendo como vítima a pessoa jurídica; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

1.1 A DEFINIÇÃO DO DANO MORAL – UMA PROBLEMÁTICA AXIOLÓGICA, DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

Pode-se definir dano moral como lesão de um bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a integridade física e psicológica, causando a vítima transtornos e tormentas capazes de gerar abalos em sua esfera íntima e proporcionar situações vexaminosas perante a outrem.

De acordo com o entendimento jurisprudencial, corroborado por nossa atual Carta Magna, o instituto do dano moral estende-se a todos os bens personalíssimos. Inclusive, por tal razão, o Direito Lusitano o denomina de dano imaterial, dada à inviabilidade de uma precisa avaliação pecuniária. Por isso, o dano moral pode apenas ser compensado com a imposição de obrigação pecuniária ao causador do dano, de natureza muito mais satisfativa do que indenizatória.

Apesar de forte tendência jurisprudencial no sentido da possibilidade da pessoa jurídica ter legitimidade para o pleito de danos morais, antes do Código Civil de 2002, havia uma discussão se tal corrente era a que deveria prevalecer ou não, principalmente na doutrina, tendo em vista o debate de fundo dessa matéria que é justamente se pessoas jurídicas são titulares ou não de direitos da personalidade.

Entretanto, além da negação da possibilidade de direitos da personalidade às pessoas jurídicas, outra tese sustentava a negação do direito ao pedido de danos morais, que, em suma, entendia pela caracterização do dano moral como reparação da dor, sofrimento, dor física, angústia, lamentação, ou seja, uma concepção extremamente subjetiva e ligada à fase, antiga, em que o dano moral era identificado como pretium doloris - o que não pode ser mais aceito. São dessa fase assertivas como a que a pessoa jurídica não pode pleitear danos morais porque não tem coração, conforme os Mazeaud , ou como dizia Wilson Melo da Silva, impossível também esse pedido pela pessoa jurídica porque “não é essa um ser orgânico, vivo, dotado de um sistema nervoso, de uma sensibilidade, e, como tal apenas poderia subsistir como simples craição ou ficção de direito” e “não se angustiam, não sofrem” .

2. O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL E SUAS CONTROVÉRSIAS

“Indenização - Danos morais - Pessoa jurídica - Protesto indevido de título - Decretada a procedência da ação - Inteligência do art. 5.º, X, da CF”. TAMG, RT728/355

“Indenização - Dano moral - Protesto indevido de título de crédito - Possibilidade da pessoa jurídica ser moralmente lesionada - Desnecessidade da comprovação de prejuízo patrimonial - Admissibilidade da reparação do dano exclusivamente moral - Inteligência do art. 5.º, V e X, da CF”. .º TAC-SP, RT 725/241.

“Responsabilidade Civil - Indenização - Dano moral - Pessoa Jurídica - Admissibilidade - Titular de honra objetiva - Direito de resguardar a sua credibilidade e respeitabilidade sempre que seu bom nome reputação ou imagem forem atingidos no meio comercial por algum ato ilícito - Inteligência do art. 5.º, X, da CF”. TJRJ, RT 725/336

“Indenização - Dano moral - Pedido formulado por pessoa jurídica - Admissibilidade - Protesto de Título após a dívida quitada - Abalo de seu conceito no mercado - Verba devida - Inteligência do art. 5.º, X, da CF”. TAMG, RT 716/270

Assim sendo, a codificação dos direitos da personalidade no novo Código Civil deve ser vista, essencialmente, por três elementos a seguir: (i) reflete tendência de positivação com vistas à efetiva proteção, (ii) alcança a pessoa jurídica, no que for compatível, e (iii) não afasta a proteção dada pelos direitos fundamentais, ao revés, conjugam-se na aplicação unívoca de proteção do bem jurídico em tela.

Nesse sentido, são compatíveis todos aqueles direitos intrínsecos e essenciais à existência da pessoa jurídica, protegendo-se desde o momento de seu registro – nascimento da pessoa jurídica, até o seu encerramento, protegendo-se, ainda, certos direitos mesmo após tal encerramento. Dentre outros, esse era também o entendimento de Bittar, já citado neste trabalho. Sobre essa última assertiva, da mesma forma que, por exemplo, a honra de pessoa já falecida poderá ser alvo de proteção a ser requerida pelos parentes – “cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente da linha reta, ou da colateral até o quarto grau”, nos termos do artigo 12, § único, do novo Código, com o encerramento da pessoa jurídica, por esse raciocínio de compatibilidade do artigo 52 – dando direitos da personalidade às pessoas jurídicas, em tese, será admissível a proteção da honra da pessoa jurídica “morta”, já com suas atividades encerradas, por seus antigos sócios, e até herdeiros, na mesma ordem fixada no artigo 12, vez que notoriamente podem sofrer conseqüências patrimoniais e extrapatrimoniais, tendo em vista a participação em antiga pessoa jurídica. Acrescentamos, ainda, que não há disposição no novo Código que vede tal interpretação, aliando-se que toda e qualquer interpretação deve ser fixada aqui no sentido de promover a inovação trazida, dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, bem como por ser a honra direito fundamental protegido constitucionalmente.

3. A HONRA OBJETIVA VERSUS A SUBJETIVA: ESCOPO ANALITICO SOBRE SUAS DIFERENÇAS

Boa parte da doutrina não entende possível que a pessoa jurídica possa sofrer dano moral tendo em vista que, apesar de ser dotada de personalidade jurídica, esta não condiz com os direitos inerentes à pessoa humana. Tendo, entrementes, apenas direitos patrimoniais.

Em sentido contrário, outra parte da doutrina, a qual nos filiamos, entende plausível a possibilidade da pessoa jurídica sofrer danos morais, em decorrência da violação de sua honra objetiva, a qual passaremos a explanar neste tópico. Assim, para endossar nosso entendimento, comparamos, em analogia pelo direito penal, os crimes contra a honra. Por exemplo, o crime de calúnia e difamação são crimes que atingem a honra objetiva, enquanto que a injúria atinge a honra subjetiva.

A ofensa moral como ataque à honra subjetiva manifesta-se intrinsecamente na vítima, considerando-se como padecimentos internos, enfim, é o menoscabo com repercussão no âmago do ofendido, o prejuízo absorvido pela própria alma humana, como dor, angústia, tristeza, sofrimento, insônia etc., efeitos de dano moral juridicamente passíveis de reparação. Já a honra objetiva é a consideração social, são os valores de dignidade. É o apreço moral da pessoa perante seu meio civil de convivência. Esse predicado – honra objetiva – também pode ser maculado pelo agravo moral. Nessa hipótese, haverá repercussão extrínseca do dano moral suportado pela vítima, ou seja, o prejuízo lealdar-se-á externamente ao ofendido, afrontando-lhe a moral enquanto figura considera na órbita social. E é justamente nesse ponto que queremos chegar.

Neste ensejo, por via lógica, já descartamos a possibilidade de pessoa jurídica ter honra subjetiva, tendo como fulcro que um ente abstrato jamais poderia pensar a respeito de si mesmo. Por outro lado, as pessoas jurídicas têm a honra objetiva, que seria o que as pessoas pensariam ao seu respeito, e de fato, isso acarreta consequências jurídicas que não podem ser olvidadas no plano jurídico-processual. De maneira oportuna, analisaremos agora a consequências jurídicas de um eventual dano moral em face de uma pessoa jurídica.

4. CONSEQUÊNCIAS JURÌDICAS DE UM DANO MORAL TENDO COMO VÍTIMA A PESSOA JURÍDICA

As pessoas jurídicas, assim como as pessoas naturais, também gozam de proteção dos direitos da personalidade, como por exemplo, a imagem. Utilizando-se, inclusive, como fonte profissional (sociedade de advogado, por exemplo, ou até mesmo uma escola). Neste raciocínio, pode-se imaginar uma casuísta onde uma escola privada tem divulgado o seu nome em um jornal, ratificando que parcela de seus professores abusam sexualmente de seus alunos (sendo a assertiva infundada, e sem nenhum argumento epistemológico). Imagine, ainda, que a maioria dos pais tenham retirados seus filhos dessa escola por esse mesmo motivo.

De acordo com o nosso ordenamento jurídico, haveria, neste caso supracitado, o direito de resposta, que não obsta, ainda, o direito de indenização por eventuais danos (materiais/morais).

Pergunta-se: alguma indenização traria de volta a imagem dessa escola? A resposta é óbvia. Claro que não. De fato, teríamos um dano moral proveniente de uma informação pautada em argumentos falaciosos; o que o direito repudia. Tudo que a escola queria era trazer seu nome de volta ao mercado, com ênfase na sua prestação de serviço, como antigamente, de forma exímia. O que não condiz com a realidade. Então, nos parece que estaríamos frente a um dano moral, tendo como vítima uma pessoa jurídica. Porém, é preciso ressaltar que esse entendimento não é pacífico na doutrina; tampouco na jurisprudência.

 

Conclusão

Por conseguinte, é de se reforçar, que por todo o exposto em linhas pretéritas, endossado em diversas decisões, é plenamente cabível a ação visando reparação de danos causados aos direitos da personalidade da pessoa jurídica, como a honra e imagem, principalmente com a vigência do Código Civil de 2002, podendo a empresa pedir indenização por todos os danos causados, materiais e morais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

• Código Civil, 2002.

• Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

• Henri e Léon Mazeaud, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile, delictuelle et contractuelle, 4a. ed., Paris, 1948, vol. I, n. 295.

• Wilson Melo da Silva, O dano moral e sua reparação, 3a. ed., Rio de Janeiro, Forense,

 

Data de elaboração: setembro/2012

 

Como citar o texto:

CARVALHO, Victor Hugo Linhares de..Uma nova visão do dano moral frente ao entendimento dos Tribunais em relação à pessoa jurídica: uma breve análise aos direitos da personalidade e as controvérsias no âmbito de sua violação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1022. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/2631/uma-nova-visao-dano-moral-frente-ao-entendimento-tribunais-relacao-pessoa-juridica-breve-analise-aos-direitos-personalidade-as-controversias-ambito-violacao. Acesso em 22 out. 2012.

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