O Corolário da Prevenção na estruturação da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Apontamentos Inaugurais

Tauã Lima Verdan

Resumo: É denotável que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos. Ao lado disso, não é possível olvidar que os fenômenos poluidores geralmente extrapolam a fronteira de uma nação, afetando outros territórios, sendo possível, como claro exemplo, as consequências danosas advindas do efeito estufa. Debruça-se, desta maneira, o presente em analisar a proeminência do princípio da prevenção na Política Nacional de Resíduos Sólidos, em razão dos aspectos encerrados no corolário em comento e sua inspiração para aplicação da legislação em destaque.

Palavras-chaves: Meio Ambiente. Princípio da Prevenção. Resíduos Sólidos. Política Nacional.

Sumário: 1 A Construção do Direito Ambiental: A Mutabilidade como Aspecto Renovador da Ciência Jurídica; 2 Análise do Meio Ambiente a partir de uma feição conceitual; 3 A Política Nacional de Resíduos Sólidos; 4 O Corolário da Prevenção na estruturação da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Apontamentos Inaugurais

1 A Construção do Direito Ambiental: A Mutabilidade como Aspecto Renovador da Ciência Jurídica Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Nestes termos, o Direito não mais ostenta a feição engessada da interpretação dos elementos que estruturam suas balizas.  Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios apresentados pela população, suplantados em uma nova sistemática. Com escora em tais premissas, cuida desfraldar, com bastante pertinência, como estandarte de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico -Ubi societas, ibi jus-, ou seja, -Onde está a sociedade, está o Direito-, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém” . Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas cravadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não estejam maculados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza” . Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica apoia-se, justamente, na constante e cogente mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados, moldando-se às nuances e particularidades caracterizadoras da situação concreta. Ainda neste substrato de exposição, é possível realçar, com grossos traços, que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma sedimentada independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação” . Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, compreende-se que o ponto nodal da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica.  Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas” . Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.  Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade ·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”  .   2 Análise do Meio Ambiente a partir de uma feição conceitual Ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 , que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” . Nesta senda, ainda, Fiorillo , ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029, salientou, com bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal .

É verificável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Constituição Cidadã, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225 amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente” . Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988  está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras [...] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade .

    O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.     Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.     Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).     Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a invocação desse preceito, quando materializada situação de conflito entre valores constitucionais e proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

3 A Política Nacional de Resíduos Sólidos Em sede de comentários introdutórios, é sabido que o volume de resíduos sólidos  e rejeitos  produzidos pelos grandes e médios centros urbanos é dotado de relevância e significância, sendo considerado, inclusive, como um dos fatores responsáveis pela intensificação da poluição ambiental. “Com todo efeito, o consumo cresce a cada dia, as embalagens descartáveis predominam nas prateleiras dos supermercados, e os costumes mudaram com o passar dos anos” , sem olvidar das instalações das indústrias nos grandes centros urbanos, sem que subsista qualquer política limitante, culminando isso tudo em uma maior quantidade de resíduos sólidos a serem geridos pelo Poder Público, em especial pelos Municípios. Salta aos olhos, deste modo, que “a progressiva geração de resíduos com alta potencialidade de risco ao meio ambiente, em decorrência do acentuado processo de urbanização, exige a intervenção do Poder Público nos diversos setores da sociedade” , com o escopo de promover a transformação do meio e criar novas formas urbanas. No que pertine à problemática que orbita em torno dos resíduos sólidos, é possível assinalar que a deposição de lixo se revela como a dotada de maior proeminência, eis que acarreta inúmeros prejuízos sanitários, econômicos, ambientais e sociais. Todavia, apesar dos aspectos negativos existentes, em razão de sua fácil implantação, dotada de baixos custos, tem sido largamente empregada. É patente, neste cenário, que a situação é maciçamente agravada em decorrência da série de problemas de saúde pública advindos da precária destinação que tem sido dada aos resíduos sólidos, além dos desastres ambientais produzidos, tanto ao meio urbano como o rural, sucedidos pelos resíduos sólidos simplesmente lançados nos rios, córregos e terrenos baldios. Ao lado disso, é plenamente possível evidenciar que a situação se agrava em decorrência da conversão dos “lixões”, principalmente nos grandes e centros urbanos, em ambiente no qual uma massa populacional, inclusive crianças e adolescente, desassistida por políticas públicas dotadas de eficácia, afixa residência em seu entorno e passa a laborar, retirando sustento e sujeitos a toda sorte de contaminação e exposição a um ambiente insalubre. Neste sentido, carecido se faz colacionar as ponderações apresentadas por Copola:

Os lixões constituem a forma mais antiga, precária, perniciosa, e abominável de disposição de resíduos sólidos, porque são instituídos sem qualquer estudo, preocupação ou precaução. Os lixões são capazes de atingir o lençol freático, e os cursos d’água. Além disso, são causadores de poluição do solo e da água sob a superfície, e de destruição da vegetação. Causam, ainda, mau cheiro e apodrecimento, atraindo, com isso, moscas, baratas e ratos, entre outros animais peçonhentos; e são responsáveis pela desvalorização de imóveis que os circundam. E pior: os lixões são causadores de doenças como a cólera, infecções e verminoses .

À luz de tais ponderações, notadamente o cenário caótico existente no território nacional, no que concerne à destinação dos resíduos sólidos, cuida analisar as primeiras balizas fincadas pelo Ordenamento Pátrio no que concerne aos resíduos sólidos. Neste passo, em consonância com as disposições apresentadas pela Resolução CONAMA N° 5, de 05 de Agosto de 1993 , é possível destacar que os resíduos sólidos e semissólidos compreendiam, em sua abrangência conceitual, os lodos decorrentes de sistemas de tratamento de água e aqueles produzidos em equipamentos e instalações de controle de poluição. Da mesma maneira, pela dicção apresentada pela resolução supramencionada, específicos líquidos estavam encampados pela definição resíduos, desde que apresentassem particularidades que tornasse inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d’água, ou, ainda, reclamassem soluções técnica e economicamente inviáveis, em face da melhor tecnologia disponível. “Com isso, verificávamos que a denominação resíduo sólido incluía as descargas de materiais sólidos provenientes das operações industriais, comerciais, agrícolas e da comunidade” , como bem aponta Copola. Ora, é possível evidenciar que a acepção primária de resíduos sólidos compreendia qualquer lixo, lodo, refugo, lamas e borras provenientes de atividades humanas de origem doméstica, profissional, agrícola, industrial, nuclear ou de serviço, os quais eram depositados sob a nomenclatura indeterminada e imprecisa de “lixo”. Todavia, patente era a lacuna existente na legislação ambiental brasileira, no que concerne a gestão e tratamento dos resíduos sólidos, robustecido, de maneira ainda mais proeminente, diante da ausência de um compêndio normativo em sentido estrito . Com o advento da Lei N° 12.305, de 02 de Agosto de 2010 , que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências, é possível verificar que estabeleceu um sucedâneo de princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes para a gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos, tal como afixou as responsabilidades dos geradores, do Poder Público e dos consumidores e, ainda, os instrumentos econômicos aplicáveis.  É verificável, também, que o diploma legislativo supramencionado consagra, em seus dispositivos, um longo processo de evolução e amadurecimento dos feixes dogmáticos irradiados pelos princípios sensíveis e abalizadores do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quais sejam: o da prevenção e precaução, do poluidor-pagador, da ecoeficiência, da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, do reconhecimento do resíduo como bem econômico e dotado de valor social, do direito à informação e ao controle social, dentre outros. Em mesmo sentido, é possível colacionar que:

A aprovação da Lei nº 12.305/10 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), após vinte e um anos de discussões no Congresso marcou o início de uma articulação envolvendo os três entes federados, o setor produtivo e a sociedade civil na busca de soluções para os resíduos sólidos; a Política Nacional estabelece princípios, objetivos, diretrizes, metas e ações, além de instrumentos como o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que aborda os diversos tipos de resíduos gerados, alternativas de gestão e gerenciamento, e metas para diferentes cenários com seus programas, projetos e ações .

Denota-se, nesta esteira, que a lei federal em comento afixa normas gerais, cuja incidência alcança todo o território nacional, sem esgotar, porém, a possibilidade de haver legislação estadual suplementar que compreendas as nuances e particularidades características de específica região.  O campo de abrangência da Lei N° 12.305, de 02 de Agosto de 2010 , que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências, é dotado de amplitude, porquanto envolver não apenas o Poder Público, mas também diversos setores produtivos, incluindo todos os atores que integram a cadeia produtiva, quais sejam: fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, culminando no consumidor. “A Lei 12.305/2010 não se aplica aos resíduos radioativos, mas se aplica aos resíduos de mineração e outros resíduos, diferentemente da União Europeia, Alemanha e Espanha, pois estes possuem leis específicas para esses resíduos” , sendo necessário salientar que o Brasil ainda não dispõe de legislação para tratar acerca da matéria. Como bem destaca Fiorillo, em seu magistério, “a gestão dos resíduos sólidos bem como dos rejeitos passa a ter subsistema próprio que necessariamente deve ser interpretado em face do direito ao saneamento ambiental como garanti de bem-estar assegurados aos habitantes” . Com efeito, a contemporânea sistemática adotada para a gestão dos resíduos sólidos reclama muito mais que a simples implantação de um eficiente sistema de coleta, tratamento e disposição do lixo, sendo imprescindível a concessão de atenção aos padrões estabelecidos na cadeia de produção e consumo. Mister faz-se estruturar o desenvolvimento de uma consciência que objetive a redução da geração de periculosidade dos resíduos e, concomitantemente, o aumento do seu aproveitamento. Neste passo, evidencia-se, dentre os objetivos apresentados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos a promoção de medidas de aspecto operacional, consistente na gestão integrada de resíduos sólidos, a articulação entre as diferentes esferas do Poder Público, e destas com o setor empresarial, com o escopo de promover a cooperação técnica e financeira para o desenvolvimento da gestão integrada de resíduos sólidos. Em uma faceta social, é possível destacar que o diploma legislativo supramencionado busca a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.

4 O Corolário da Prevenção na estruturação da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Apontamentos Inaugurais Em sede de comentários introdutórios, ao volver um olhar analítico para o tema colocado em debate, forçoso é reconhecer que a busca pela preservação do meio ambiente, notadamente a sua faceta de elemento estruturante da dignidade da pessoa humana, expressamente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 , apresenta-se como integrante do rol dos direitos de terceira dimensão, denominados direitos de solidariedade ou fraternidade. Com destaque, os direitos encampados pela denominação supramencionada encontra como alicerce de sustentação o ideário de fraternidade e tem como exemplos o direito à saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do consumidor, além de outros direitos considerados como difusos. “Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo”  ou de um Ente Estatal especificamente. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com efeito, está-se diante de valores transindividuais, eis que os direitos abarcados pela dimensão em comento não estão restritos a determinados indivíduos; ao reverso, incidem sobre a coletividade. Ao lado disso, os direitos de terceira dimensão são considerados como difusos, porquanto não têm titular individual, sendo que o liame entre os seus vários titulares decorre de mera circunstância factual. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível .

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer restrições a grupos específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a coletividade enquanto unidade, não se atendendo a característicos diferenciadores ou mesmo particularidades segregadoras. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que “os direitos de terceira geração possuem natureza essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a coletividade como um todo” . Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil determinação. Nesta esteira de exposição, os direitos em comento estão vinculados a valores de fraternidade ou solidariedade, sendo traduzidos de um ideal intergeracional, que liga as gerações presentes às futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas. Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a abrangência às gerações futuras, razão pela qual, a valorização destes é de extrema relevância. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta” . A respeito do assunto, com bastante pertinência, Motta e Barchet , em seu magistério, ensinam que os direitos de terceira dimensão surgiram como “soluções” à degradação das liberdades, à deterioração dos direitos fundamentais em virtude do uso prejudicial das modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica vigente entre as diferentes nações. Verifica-se, deste modo, que a preservação do meio ambiente substancializa um bem de aspecto onipresente, logo, uma agressão àquele em determinada localidade tem o condão de trazer reflexos negativos a todo o cenário mundial. À luz dos argumentos assinalados, Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que evitar a concretização de danos ambientais é melhor do que contorná-las, após sua materialização. Neste aspecto, é possível realçar, com grossos traços e cores quentes, que “o princípio da prevenção é orientador do Direito Ambiental, enfatizando-se a prioridade que deve ser dada às medidas que previnam (e não simplesmente reparem) a degradação ambiental” . Com efeito, o escopo final do princípio da prevenção é evitar que o dano possa chegar a produzir-se, sendo, em razão disso, imprescindível a adoção de medida preventivas. Ora, sobreleva destacar que o princípio da prevenção se apresenta como preceito fundamental, porquanto os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis, bem como suas consequências são danosas para a multiplicidade de espécies, animais e vegetais, que são afetadas. Ora, diante da impotência do ordenamento pátrio, incapaz de restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, necessário se faz adotar o corolário da prevenção do dano ao meio ambiente enquanto bastião do direito ambiental, conferindo concreção ao seu objetivo fundamental. O sustentáculo em explanação consiste na prioridade que se deve dar a medidas que evitem o dano ao ambiente, reduzindo e, quando possível, eliminando as suas causas. Nesta trilha, é possível adotar o que Ramos frisa, “prevenção é termo polissêmico, mas cuja principal significação traz ínsita a ideia de antecipar-se, chegar antes, de ação que impede a ocorrência de um mal, de tomar medidas antecipadas contra algo ou alguém” . Ademais, insta evidenciar que o cânone em comento encontra sedimento de estruturação na Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Declaração do Rio/92, que em seu princípio quinze estabelece que:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental .

Verifica-se, deste modo, que o postulado da prevenção passou a gozar de relevante proeminência no ordenamento pátrio, sendo alçado, em decorrência de seu núcleo sensível, à condição de megaprincípio do direito ambiental. Tal fato é observável, inclusive, na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 , notadamente quando afixa que é dever do Poder Público e da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. “A prevenção e a preservação devem ser concretizadas por meio de uma consciência ecológica, a qual deve ser desenvolvida através de uma política de educação ambiental” , como bem explicita Fiorillo em seu magistério. Com efeito, não é possível olvidar que o robustecimento de uma consciência ecológica se apresenta como instrumento que propicia o sucesso no combate preventivo do dano ambiental. Com o escopo de fortalecer as ponderações aventadas até o momento, cuida trazer à colação o entendimento jurisprudencial que destaca o relevo do cânone em comento:

Ementa: Direito público não especificado. Ação civil pública. Município de Salvador do Sul. Preservação do meio ambiente. Exploração de agricultura próxima à nascente de água. Área de preservação permanente. Desrespeito à legislação ambiental. Limite para utilização do solo em relação aos recursos hídricos. Princípio da prevenção. Procedência mantida. [...] Princípio da prevenção aplicado ao caso, com previsão de pena de multa diária para a hipótese de descumprimento e apresentação de projeto de recuperação ambiental. Ademais, a diferenciação entre os conceitos de nascente e fonte pretendida pelo autor não tem o condão de alterar o seu dever de proteção ao meio ambiente, exceto em relação à distância de exploração de agricultura da nascente de água, sabendo-se que há limitação para utilização do solo e dos recursos hídricos que são escassos, mormente quando se utiliza agrotóxicos para a prática de agricultura e que na hipótese, esta "água" é o único recurso hídrico da propriedade vizinha e que os seus moradores já tiveram problemas de saúde, consoante a descrição contida no relatório informativo que instruiu a inicial da ação civil pública. [...] . 3. A proteção ao ambiente natural tem relevo nas Cartas Políticas e Sociais da República e do Estado, como se vê dos seus artigos 225 e 251, respectivamente. A Responsabilidade que tem natureza objetiva. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual (art. 225, § 3º, da CF-88). Sentença de procedência mantida. Apelação improvida. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Terceira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70027797950/ Relator: Desembargador Nelson Antônio Monteiro Pacheco/ Julgado em 17.05.2012).

Ementa: Agravo de instrumento. Direito público. Meio ambiente. Descarte de pilhas e baterias inutilizadas. Logística inversa. Panasonic do Brasil. Município de Dois Irmãos. [...] O princípio da prevenção, nascido na Conferência de Estocolmo, de 1972, visa a orientar as medidas políticas adotadas em matéria ambiental, de forma a evitar a prática de atos lesivos que venham a causar danos ao meio ambiente. Prioriza a atenção que deve ser dada às medidas que evitem qualquer início de agressão ao ambiente para, assim, evitar ou eliminar qualquer agente causador do dano ecológico. Onde haja qualquer risco de dano irreversível ou sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos. Por esse princípio, basta a simples potencialidade de dano, para a verificação da responsabilidade civil na forma objetiva. No caso em apreço, por menor que seja a concentração de cádmio em cada uma das pilhas recolhidas pelo Município (e há perícia apontando que a concentração deste metal é bastante significativa), há que se levar em consideração que estamos falando de quase três toneladas de pilhas, o que eleva, e muito, a presença do referido metal, de sorte que a danosidade é manifesta. Recurso desprovido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70039799507/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 27.04.2011).

É de bom alvitre ainda realçar que, no Direito Positivo Brasileiro, o cânon em comento é cunhado, primeiramente, na Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, que, em seu dispositivo 2º, preconiza que “a Política Nacional do Meio-Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” . Cuida ainda assinalar que a palavra preservação é indicativo claro e inconteste de ser a índole preventiva uma das finalidades desse diploma. Insta trazer à baila o entendimento apresentado pelo Desembargador Arno Werlang, ao relatoriar a Apelação Cível Nº 598080984, notadamente quando explicita que “em direito ambiental vige o princípio da prevenção, que deve atuar como balizador de qualquer política moderna do meio ambiente. As medidas que evitam o nascimento de atentados ao meio ambiente devem ser priorizadas” . Ao lado disso, patente se faz destacar que, conquanto o cenário brasileiro não apresente uma consciência ecológica maciça, a presença de um sucedâneo de instrumentos é relevante na realização do princípio da preservação. “Para tanto, observamos instrumentos como o estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA), o manejo ecológico, o tombamento, as liminares, as sanções administrativas etc” . Ora, é maciço o entendimento de que as medidas liminares nas ações ambientais, principalmente as que têm por escopo a interrupção de gravosos danos ao meio ambiente (inclusive o meio ambiente urbano), muitas vezes irrecuperáveis, constituem-se como importante veículo de concretização das normas que visam a estabelecer um meio ambiente saudável e equilibrado, representando, deste modo, a efetivação do princípio da prevenção . Nesta senda, ainda, cumpre sublinhar que a efetiva prevenção do dano deve ser exercida pelo Ente Estatal, no que concerne à punição correta do poluidor, porquanto, apenas dessa forma, ela passa a ser um insumo negativo contra a perpetração de agressões ao meio ambiente. Mister se faz anotar, também, que incentivos fiscais conferidos às atividades  que atuem em parceria com o meio ambiente, tal como maiores benefícios às que utilizem tecnologias limpas também se apresentam como instrumentos a serem explorados na concreção do corolário em apreciação. A fim de ilustrar o expendido, cuida trazer o robusto entendimento apresentado pelo Ministro Mauro Campbell Marques, ao relatoriar o Recurso Especial 1.153.500/DF, em especial quando evidencia que:

Ementa: Ambiental. Agrotóxicos produzidos no exterior e importados para comercialização no Brasil. Transferência de titularidade de registro. Necessidade de novo registro. 1. Somente as modificações no estatuto ou contrato social das empresas registrantes poderão ser submetidas ao apostilamento, de modo que a transferência de titularidade de registro também deve sujeitar-se ao prévio registro.2. O poder de polícia deve ser garantido por meio de medidas eficazes, não por meio de mero apostilamento do produto - que inviabiliza a prévia avaliação pelos setores competentes do lançamento no mercado de quantidade considerável de agrotóxicos - até para melhor atender o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, o qual se guia pelos princípios da prevenção e da precaução. 3. Recurso especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.153.500/DF/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 07.12.2010/ Publicado no DJe em 03.02.2011)

Convém pontuar que uma legislação mais severa que imponha multas e sanções mais pesadas atua como instrumento de efetivação da prevenção, sendo carecido que se considere como variantes o poder econômico do poluidor, de maneira que não subsista uma desnaturação do corolário, por meio de um simples cálculo aritmético. Com destaque, salta aos olhos que as penalidades deverão estar sensíveis aos benefícios percebidos com a atividade degradante, bem como com o lucro obtido em decorrência da agressão, de maneira que essa atividade, uma vez penalizada, não compense economicamente sua reiteração. Necessário se faz ponderar que não se objetiva inviabilizar a atividade econômica, mas apenas excluir do mercado o poluidor que ainda não constatou que os recursos ambientais são dotados de escassez, bem como que não são pertencentes a uma ou poucas pessoas e que seu emprega encontra-se limitado no emprego do próximo, já que o bem ambiental é bem de uso comum do povo. Quadra explicitar que a atividade econômica não pode ser exercida em desacordo com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção do meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente, com realce, não pode ser embaraçada por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de âmago essencialmente econômico, ainda mais quando a atividade econômica, em razão da disciplina constitucional, estiver subordinada a um sucedâneo de corolários, notadamente àquele que privilegia a defesa do meio ambiente, o qual abarca o conceito amplo e abrangente de noções atreladas ao meio ambiente em suas múltiplas manifestações, quais sejam: o meio ambiente natural, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial e meio ambiente do trabalho (ou laboral). O princípio da prevenção recebe sustentação, ainda, na ótica do Poder Judiciário e da Administração Pública. Desta feita, a aplicação da jurisdição coletiva, que contempla mecanismos de tutela mais consonantes com os direitos difusos, com o escopo de impedir a continuidade do evento danoso, tal como a possibilidade do aforamento das ações que objetivem uma atuação preventiva, obstando o início de uma degradação, por meio do emprego de liminares e da tutela antecipada, a aplicação do real efetivo acesso à justiça e o corolário da igualdade real, cominando tratamento paritário entre os litigantes, são instrumentos empregados com vistas a assegurar o meio ambiente e a qualidade de vida. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento que contempla tais ponderações:

Ementa: Ação declaratória c/c repetição de indébito. COPASA. Tarifa de esgoto. Falta de estação de tratamento e esgotamento sanitário (ETE). Esgoto despejado in natura no rio que corre pela cidade. Cobrança indevida. Inexistência, contudo, de violação ao art. 42, parágrafo único, do CDC. Não cabimento de devolução em dobro da tarifa indevidamente cobrada pela concessionária. Dano moral não caracterizado. I - A cobrança da denominada taxa de esgoto, para legitimar-se, deve preencher, a toda evidência, um ciclo de serviços, desde a captação até o escoamento da matéria colhida, tudo posto à disposição do contribuinte. II - A prestação incompleta dos serviços que compõem o esgotamento sanitário não autoriza o pagamento da tarifa exigida, havendo que se decotar da exação a parcela correspondente à omissão da companhia de saneamento, em consonância, inclusive, com o princípio de justiça social e com o princípio da prevenção. Serviço prestado de forma incompleta é serviço não prestado. Infelizmente o cidadão brasileiro vem sendo submetido a tais "flexibilizações" que se eternizam no tempo e nunca têm um desfecho razoável. O fato constitui um verdadeiro absurdo jurídico. Pode até ter alguma justificativa de ordem puramente econômica, mas o jurídico vai além da economia, inclusive porque busca o justo. III - A aceitar-se este raciocínio, o Judiciário estará, na verdade, outorgando um "bill in albis" para a COPASA poluir indefinidamente os rios (onde a COPASA descarta o esgoto de Minas Gerais? Nos rios.) Esta lógica do absurdo atenta contra o próprio princípio da prevenção tal como consagrado na Constituição Federal e segundo o qual a atual geração tem compromisso com as gerações futuras. Nós não somos "donos" do meio ambiente. Nós somos meros "comodatários" e temos que devolver um meio ambiente sadio aos nossos netos, pelo menos da mesma maneira que o recebemos de nossos avós. IV - A devolução em dobro tem sempre como pressuposto a má fé da cobrança. Como há discussão judicial acerca da possibilidade ou não da exigência feita (havendo julgamentos em favor da COPASA) não está presente nestes casos a má-fé autorizadora da repetição em dobro. V - Não ocorre dano moral, pois meros aborrecimentos e insatisfações, por serem fatos corriqueiros da vida em sociedade, não geram a obrigação de reparar, inclusive por não serem capazes de afetar o estado psicológico do ofendido. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0194.12.001816-4/001/ Relator: Desembargador Oliveira Firmo/ Julgado em 26.03.2013/ Publicado no DJe em 05.04.2013).

Como bem destaca Fiorillo, “sob o prisma da Administração, encontramos a aplicabilidade do princípio da prevenção por intermédios das licenças, das sanções administrativas, da fiscalização e das autorizações” , dentre outros múltiplos atos do Poder Público, determinantes da sua função ambiental no que pertine à tutela do meio ambiente. Verifica-se, assim, que os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. Deste modo, em observância à densidade assumida pelo princípio da prevenção, é plenamente verificável que a Política Nacional de Resíduos Sólidos está alicerçada sobre a aplicação do corolário supramencionado, sobremaneira na condição de axioma de inspiração para a conformação de instrumentos que visem evitar o comprometimento do meio ambiente, em razão da busca pelo desenvolvimento econômico. No mais, não se pode perder de vista que a mens legis da Política Nacional de Resíduos Sólidos apresenta objetivo de sanar o passivo histórico de lixões e lançamento de dejetos em céu aberto, edificando, em substituição, uma visão contemporânea, alinhada com os feixes advindos do princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Referência: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.

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Elaborado em dezembro/2013

 

Como citar o texto:

RANGEL, Tauã Lima Verdan..O Corolário da Prevenção na estruturação da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Apontamentos Inaugurais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1129. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/2908/o-corolario-prevencao-estruturacao-politica-nacional-residuos-solidos-apontamentos-inaugurais. Acesso em 24 dez. 2013.

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