SUMÁRIO: Introdução; 1. Elementos administrativos da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84; 2. A natureza jurídica da execução penal; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

 

RESUMO: O presente artigo científico tem como tema principal a caracterização da natureza administrativa da execução penal, buscando analisar o entendimento doutrinário acerca de tal tema, além de se desenvolver uma análise da Lei de Execução Penal (Lei. 7.210/84) nesse sentido, caracterizando, nesse viés, a problemática. Seu objetivo principal é demonstrar ao leitor alguns aspectos que segundo as autoras deveriam ser destacados em relação ao tema, procurando-se entender quais são os elementos administrativos contidos na Lei de Execução Penal, a consequente aplicabilidade do Direito Administrativo à tal legislação especial e as considerações doutrinárias acerca da natureza jurídica da Execução Penal. Para tanto, o artigo foi dividido em três partes: elementos administrativos da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84; a aplicabilidade do Direito Administrativo na Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84; e a natureza jurídica da Execução Penal. É inegável a importância deste estudo, sendo que a Execução Penal sempre merece discussão ante a pouca importância que lhe é dada, tanto pela sociedade quanto pelo meio jurídico, pois trata de direitos e deveres de sujeitos marginalizados pela sociedade. Para a elaboração do artigo foi utilizado método indutivo, com as técnicas do referente, das categorias, do fichamento e da revisão bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Execução Penal. Direito Administrativo. Lei 7.210/84

INTRODUÇÃO O presente artigo científico tem como tema principal a caracterização da natureza administrativa da execução penal, buscando analisar o entendimento doutrinário acerca de tal tema, além de se desenvolver uma análise da Lei de Execução Penal (Lei. 7.210/84). Seu objetivo geral é caracterizar a natureza administrativa da Execução Penal através dos elementos administrativos nela contidos. Os objetivos específicos são destacar os elementos administrativos contidos na Lei de Execução Penal e a consequente aplicabilidade do Direito Administrativo à parte desta e compreender o entendimento doutrinário acerca da natureza jurídica da Execução Penal. Deste modo, iniciando-se o estudo deste artigo procurar-se-á trazer alguns conceitos e explicações importantes ao entendimento do tema, essencialmente quanto à conceituação doutrinária de Direito Administrativo, sendo que após tal estudo procurar-se-á apontar de maneira objetiva quais os principais elementos administrativos contidos na Lei de Execução Penal. Na segunda parte, a partir do apontamento dos elementos administrativos no item um, far-se-á a caracterização e conceituação básica de aspectos básicos do Direito Administrativo, como por exemplo ato administrativo, função administrativa, órgão público e agente público, finalizando-se com a possibilidade de aplicação dos Princípios da Administração Pública aos elementos administrativos encontrados na Lei. Por fim, na terceira parte se demonstrará qual o entendimento doutrinário a respeito da natureza jurídica da execução penal, procurando-se observar se ela se encaixa como administrativa, jurisdicional ou mista. Para a elaboração do artigo foi utilizado método indutivo, com as técnicas do referente, das categorias, do fichamento e da revisão bibliográfica.

1. ELEMENTOS ADMINISTRATIVOS DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI 7.2010/84 A primeira conceituação necessária e lógica para o presente artigo científico seria a de “Direito Administrativo”, porém sabe-se o quão trabalhoso e complexo é a conceituação e definição de qualquer conjunto de conhecimentos, ainda mais um tão abrangente como Direito Administrativo. Edmir Netto de Araújo5 ainda comenta que “[...] já é trabalhoso e bem complicado definir certo objeto, quanto mais definir-se uma disciplina que trata de objetos”. Nesse viés procurar-se-á traçar comentários a partir de alguns doutrinadores de Direito Administrativo, com vistas a tentar elucidar da maneira mais simples tal conceituação. Pelos dizeres de Marçal Justen Filho6 o Direito Administrativo pode ser definido como “[...] conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.” Por tal conceito já se pode extrair que as normas de Direito Administrativo acabam por englobar o regime de direito público, desenrolando toda uma sistemática que o diferencia das atividades que visam a satisfação de interesses privados e individuais, de modo que tal regime jurídico é imposto a tal ramo do direito justamente com o objetivo de reduzir o risco de não serem atendidas as necessidades públicas. Celso Antônio Bandeira de Melo7 é mais simplório ao conceituá-lo comentando que “[...] o direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a exercem.” Ademais, conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro8 o Direito Administrativo pode ser definido como “[...] o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública.” Por fim importante comentar que é o Direito Administrativo o responsável por reger as relações jurídicas advindas da ação da Administração, determinando as prerrogativas e as obrigações à ela impostas. Feitas as considerações iniciais acerca do Direito Administrativo, convém destacar alguns pontos acerca da Lei de Execução Penal e seus elementos administrativos. A Lei n. 7.210, nomeada como a Lei de Execução Penal, foi promulgada em 11 de julho de 1984, durante a ditadura militar, após o Presidente da República João Figueiredo encaminhar o projeto ao Congresso Nacional. A supracitada lei reformou substancialmente a Parte Geral do Código Penal, objetivando efetivar as disposições da sentença criminal, transformando a pretensão punitiva do Estado em pretensão executória. Visa ainda, a reinserção social do condenado de forma mais completa e humana, oferecendo meios capazes de permitir o retorno do condenado à sociedade em condições favoráveis a sua integração. Nesse sentido, retira-se dos ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabete9, o qual afirma que a Lei de Execução Penal surgiu para “[...] proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, instrumentalizada por meio da oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança possam participar construtivamente da comunhão social.” Desta feita, verifica-se que o principal objetivo da referida lei era humanizar um sistema carcerário que se encontrava destruído ao fim do período da ditadura militar, para fins de tornar real o objetivo ressocializador da pena. A partir de uma análise sistemática da Lei de Execuções Penais, observa-se a existência de alguns elementos administrativos, como se verificará no decorrer do presente artigo científico. Na ótica de que a execução penal envolve atividade administrativa, se extrai o posicionamento de Ada Pellegrini Grinover10, para quem “[...] a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais.” Restando clara a existência desses elementos administrativos na execução penal, podem ser retirados alguns exemplos da Lei 7.210/84. Inicialmente, verifica-se que a Lei de Execução Penal estabelece direitos ao condenado, entre esses, está o direito de assistência, que objetiva evitar tratamento discriminatório e resguardar a dignidade da pessoa humana, a fim de prevenir o cometimento de novos delitos e a reincidência. O direito de assistência consiste na assistência material, abrangendo necessidades básicas como alimentação, vestuário e instalações higiênicas; assistência jurídica, educacional, social e religiosa, além da assistência à saúde. Ocorre que, o direito de assistência ao preso é dever do Estado, como preceitua o artigo 10 da Lei de Execução Penal11, e como é sabido, o Estado é carente e não dispõe de condições adequadas para fornecer assistência de qualidade mesmo à sociedade geral, ignorando quase sempre as necessidades do condenado ou internado. Nesse sentido, Renato Marcão12 dispõe que “[...] o Estado só cumpre o que não pode evitar. Proporciona a alimentação ao preso e ao internado, nem sempre de forma adequada. Os demais direitos assegurados e que envolvem a assistência material, como regra, não são respeitados.” Tendo como norte o acima exposto, além do constante no art. 10 da Lei 7.210/84, é nítido que a assistência ao preso e a preservação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana dentro dos estabelecimentos prisionais é dever estatal, não havendo possibilidade do Poder Judiciário se envolver nesse setor. Ainda sobre os direitos e deveres dos condenados ou internados, extrai-se do parágrafo único do art. 4113 da Lei de Execuções Penais outra competência administrativa: a possibilidade de suspensão de alguns direitos (tempo de trabalho, visitas e correspondências de familiares) pelo diretor do ergástulo. Compete ainda à autoridade administrativa, o diretor do estabelecimento prisional, a aplicação de sanções disciplinares em caso de cometimento de faltas leves e médias pelo condenado, sem necessidade de aviso ao Juízo da execução, como leciona Renato Marcão14, “A punição pelo cometimento de faltas leves e médias se resolve nos limites da administração carcerária, pois não há imposição legal alguma no sentido de que as sanções aplicadas, nesses casos, sejam comunicadas ao juiz da execução para qualquer providência.” No concernente às atividades administrativas competentes ao diretor do ergástulo, registra-se também a possibilidade de permitir aos condenados saídas do estabelecimento, mediante escolta, em caso de necessidade de tratamento médico ou falecimento de companheira, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Cumpre salientar, que essas autorizações independem de autorização do juiz da execução, apenas devendo a autoridade administrativa informar o Juízo da saída e do retorno do condenado. Exaradas algumas atividades administrativas, verifica-se a existência de órgãos administrativos que regem a execução penal (art. 6115, da LEP), quais sejam, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, integrado por membros designados pelo Ministério da Justiça; o Conselho Penitenciário, integrado por membros nomeados pelo Governador do Estado; e os Departamentos Penitenciários, que são subordinados ao Ministério da Justiça. Impende salientar a importância dos referidos órgãos administrativos no curso da execução penal, uma vez que compete aos mesmos estabelecer regras sobre a arquitetura e construção dos estabelecimentos penais, inspecionar e fiscalizar periodicamente as penitenciárias e presídios, além de caber ao Conselho Penitenciário emitir parecer sobre livramento condicional, indulto e comutação de pena. Registra-se, ainda, que é de competência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinar o limite máximo de capacidade do estabelecimento prisional, consoante parágrafo único do art. 85 da Lei 7.210/84. Destarte, resta clara e imprescindível a presença do Estado na execução da pena, visto que todos os atos cometidos na execução penal vinculam-se à Administração estatal, tanto através dos órgãos administrativos quanto pela autoridade administrativa, ou seja, o diretor do estabelecimento prisional. Nesse sentido, diante de todos esses elementos veementemente administrativos da Lei de Execução Penal diversos elementos do próprio Direito Administrativo deverão ser aplicados, como por exemplo conceitos básicos de função administrativa, ato administrativos, princípios da Administração Pública, direito e deveres.

2. A APLICABILIDADE DO DIREITO ADMINISTRATIVO NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – LEI 7.210/84 Primeiramente destaca-se o entendimento de “função administrativa”, sendo que esta vem a esclarecer que realmente a Lei de Execução Penal é revestida de diversos elementos administrativos, pois diversos atos e responsabilidades podem ser caracterizados como funções administrativas. Pelos dizeres de Marçal Justen Filho16, “A função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional.” Tal conceituação possui clara aplicação à Lei aqui estudada, sendo que esta possui como principal objetivo a garantia e promoção de direito fundamentais ao preso, buscando satisfazer desta maneira interesses essenciais à sociedade, sendo que tudo isso é efetivado por uma organização estável e permanente estabelecida pela própria Lei conforme supra citado. Ademais, segundo o mesmo autor, isso tudo vem a coadunar com um dos objetivos básicos do Direito Administrativo, qual seja a realização de direitos fundamentais a partir da dignidade humana.17 Outrossim, estabelece-se no  mesmo caminho o entendimento de serviço público, que mais uma vez vem caracterizar os elementos administrativos da Lei de Execução Penal. Segundo Edmir Netto de Araújo18, serviço público pode ser definido como “[...] toda atividade exercida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, para a realização direta ou indireta de suas finalidades e das necessidades ou comodidades da coletividade, ou mesmo conveniências do Estado, tudo conforme definido pelo ordenamento jurídico, sob regime peculiar, total ou parcialmente público, por ele imposto.” Ainda tem-se que além de estarem presentes funções administrativas e caracterizados os serviços públicos a que estabelecem a Lei ora estudada conforme o exposto acima, verifica-se a existência de atos administrativos, praticados principalmente pelo diretor do ergástulo e pelo diversos órgãos administrativos que regem a execução penal, no exercícios das suas funções, como agentes competentes que são. Nesse viés comenta Edmir Netto de Araújo19 que Ato administrativo pode ser definido como “[...] a declaração de vontade do Estado, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse público, com ela objetivados, determinados ou admitidos pelo ordenamento jurídico, em matéria administrativa.” Hely Lopes Meirelles20 ainda salienta que pelo conceito acima exposto tem-se o ato administrativo unilateral, sendo aquele decorrente da vontade única da Administração, porém existem os atos administrativos bilaterais, constituídos pelos contratos administrativos, os quais não são objetos do presente estudo. Nesse sentido o autor conceitua ato administrativo unilateral como “[...] toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.”21 Um pouco mais dispendioso, porém essencial é a conceituação de agente público e órgão público, pois ambos também se encontram como elementos essenciais na Lei de Execução Penal nas figuras já tratadas, além de estarem ligados ao conceito de ato administrativo acima exposto. Para a caracterização do agente público importante é uma pequena explanação quanto à terminologia legal empregada tanto na Constituição quanto nas leis infraconstitucionais. Com o advento da Constituição Federal de 1988 foi-se empregado com mais ênfase a categoria “servidor público”, pois foi esta a expressão tratada pela Carta Magna para designar as pessoas que prestam serviços públicos à Administração Pública direta e indireta com vínculo empregatício. Nesse sentido a Constituição Federal usa tal expressão ora em sentido amplo “[...] para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício [...]”22, ora em sentido mais estrito, excluindo as que pessoas que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado. Por esse caminho os doutrinadores acabaram por criar uma nova categoria com vistas a designar as pessoas físicas que exercem função pública, empregando a expressão “agente público”, que segundo Maria Sylvio Zanella Di Pietro23, “[...] é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta.” Ainda, diante das considerações trazidas pela Constituição Federal de 1988 e pela Emenda Constitucional 18/98, os doutrinadores administrativos estabelecem quatro categorias de agentes públicos: agentes políticos; servidores públicos; militares; e particulares em colaboração com o Poder Público, cujo aprofundamento não será feito no presente ensaio científico por ser tema extenso e não muito específico ao tema aqui tratado. Quanto a conceituação de órgão público esta é mais simples, sendo que não divergência terminológica, as únicas divergências que existem já são pacificadas pela doutrina, que seriam as três teorias que surgiram para explicar a relação do Estado, pessoa jurídica, com seus agentes, as teorias são as seguintes: teoria do mandato, teoria da representação e teoria do órgão. A especificação de cada uma delas não será aqui realizada sendo que também não versa sobre o tema principal do presente artigo, o único comentário que se faz necessário é o de que no sistema jurídico brasileiro a teoria aceita é a do órgão, e nesse sentido, a partir dela, pode-se definir órgão público “[...] como uma unidade que congrega atribuições pelos agentes públicos que o integram com o objetivo de expressar a vontade do Estado.”24 De modo complementar ainda pode-se citar Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo25, os quais conceituam órgãos públicos como “[...] unidades integrantes da estrutura de uma mesma pessoa jurídica nas quais são agrupadas competências a serem exercidas por meio de agentes públicos.” Pelo exposto até o momento consegue observar ainda mais os elementos administrativos da Lei de Execução Penal de modo a possibilitar a aplicação do Direito Administrativo à tal normativa. Nesse sentido, tendo em vista a lei trazer a caracterização de agentes público e órgãos públicos, os quais exercem atos e funções administrativas, tem-se a aplicabilidade do próprio Direito Administrativo à estes casos, englobando-se nesse contexto, de forma bastante primordial e necessária os Princípio Basilares da Administração, os quais deverão ser estritamente observados quando da atuação dos agentes e órgãos públicos estabelecidos pela Lei. Por um estudo aprofundado do Direito Administrativo pode-se observara existência de diversos Princípios Administrativos, sendo que cada doutrinador ainda trabalha com alguns mais específicos, desse modo, com vistas a estabelecer um critério mais objetivo à presente pesquisa, delimitar-se-á os princípios a serem aqui especificados em cinco, sendo estes os básicos e mais elementares contido no artigo 37, caput, da Constituição Federal, Hely Lopes Meirelles26 ainda os trata como sendo os princípios básicos da administração, e são eles: Princípio da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Pelo Princípio da Legalidade tem-se que “[...] o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.”27 Nesse sentido tem-se que a eficácia da atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei, sendo que na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal, sendo nesse viés que surge a máxima de que “[...] na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”28, ao contrário do que ocorre na Administração Particular. Entretanto importante salientar que tal princípio não deve ser observado de maneira solitária, ele deve ser obedecido conjuntamente com os demais princípios, em especial o da moralidade. Por tal Princípio, o da Moralidade, que deverá coadunar entendimento com o da Legalidade, tem-se, a partir de considerações de Direito e moral, que “[...] o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também a lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto [...]”.29 Salienta-se que a moral administrativa liga-se à idéia de probidade e boa-fé, e Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo30 ainda salientam que “Para atuar observando a moral administrativa não basta ao agente cumprir formalmente a lei na frieza de sua letra. É necessário que se atenda à letra e ao espírito da lei, que ao legal junte-se ao ético.” Tem-se ainda o Princípio da Impessoalidade, que conforme Hely Lopes Meirelles31 “[...] nada mais é do que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.” De tal princípio extrai-se primordialmente que a finalidade principal da Administração Pública será a de que todo ato administrativo terá como objetivo o interesse público. Ademais, o Princípio da Publicidade determina que todo ato administrativo terá como requisito de eficácia e moralidade a publicidade, entendida como “[...] a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos.”32 Porém importante aqui salientar que tal princípio abrange toda a atuação estatal e não apenas a divulgação oficial de seus atos, mas a divulgação da conduta interna de seus agentes. Por fim considera-se o Princípio da Eficiência, que no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello33 é apenas uma faceta de um princípio mais amplo tratado pelo Direito Italiano, qual seja o princípio da boa administração. Tal princípio foi inserido pela Emenda Constitucional 19/98 e vem a propor que a Administração Pública de certa maneira se aproxime da administração de empresas do setor privado. Esse modelo de Administração Pública, emq eu se privilegia a aferição de resultados, com ampliação de autonomia dos entes administrativos e redução dos controles de atividades-meio, identifica-se com a noção central de administração gerencial, e tem como postulado central exatamente o princípio da eficiência.34 Desse modo tem-se que o objetivo de tal princípio é “[...] assegurar que os serviços públicos sejam prestados com adequação às necessidades da sociedade que os custeia. A eficiência, aliás, integra o conceito legal de serviço público adequado. (Lei 8.987/1995, art. 6º, § 1º).”35 Assim sendo, pelo exposto até o presente, tem-se que se considerar que a Lei de Execução Penal apresenta sim diversos elementos administrativos em seu trato, sendo que em decorrência da presença desses elementos institutos básicos do Direito Administrativo ser-lhes-ão aplicados, como se procurou expressar nos comentários acima expostos. Tudo isso coaduna ainda mais com o entendimento de que a Lei de Execução Penal possui sim natureza jurídica administrativa em parte de sua composição, sendo isto melhor tratado no item que se segue à exposição.

3. A NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PENAL É tema recorrente de discussão acerca da natureza jurídica da execução penal. Nesses debates doutrinários, verifica-se o estabelecimento de duas posições opostas, uma defendendo a natureza administrativa da execução e outra à jurisdicional. Entre essas correntes, ainda denota-se uma terceira vertente conciliatória, denominada de mista. Para os adeptos da teoria administrativa, a atividade jurisdicional findaria com a sentença penal condenatória. A partir deste marco, desenvolver-se-ia uma espécie de relação de poder, de modo que o sentenciado ficaria subordinado ao interesse da administração. Dessa sorte, a execução atingiria a esfera jurídica do sentenciado, independente da vontade deste, o criador desta tese foi Saleilles.36 Bem como ensina Gamil Foppel37, tal tese não merece ser acolhida, porquanto, desconsiderar a existência de jurisdição até mesmo nos incidentes é restringir sensivelmente o âmbito da execução penal. Em contrapartida, para os adeptos da corrente jurisdicional, a execução penal passou a ser eminentemente judicial. É que, por meio dela, os órgãos judiciários adquirem integral competência para acompanhar o processo de execução, não mais relegado ao Poder Executivo, havendo, inclusive, previsão de recurso próprio (agravo) ao juiz competente a solução de questões incidentes à execução.38 Não se ignora, contudo, que a atividade da execução penal é também administrativa, podendo citar-se, nesse sentido, que cabe ao diretor do estabelecimento, por exemplo, a manutenção do prédio, a aquisição de roupas, comida etc, como previstas na Lei 7210/84, além do de todo o exposto no item anterior, não devendo, dessa maneira, prosperar tal vertente. Salo de Carvalho39, em poucas palavras, define cada vertente: “Nos sistemas administrativos, o preso é objeto da execução e as eventuais atenuações da quantidade ou qualidade da pena são entendidas como benefícios – liberalidades do Estado no exercício do jus puniendi. Nos jurisdicionais, o preso é sujeito de uma relação jurídica em face do Estado, sendo, portanto, titular de direitos e obrigações. [...] O entendimento puramente administrativo acabava por se chocar com a imperiosa necessidade de intervenção judicial nos chamados incidentes da execução, o que teria gerado “dogmaticamente uma concepção híbrida, qual seja, de que a natureza da execução penal seria tanto administrativa como jurisdicional” Nesse sentido, a corrente mista, reconhece a concomitância de aspectos administrativos e jurisdicionais no sistema executivo. Contudo, diferentemente do que propõe aquela, a mista não sugere a inexistência de um processo de execução, mas antes sustenta que esta funda ruas raízes em três setores distintos: a) relativos a vinculação da sanção com direito subjetivo estatal de castigar, a execução entra no direito penal substancial, b) no pertinente à vinculação com título executivo, entra no direito processo penal; por fim c) quanto à atividade executiva verdadeira e própria, entra no direito administrativo, ressalvando a possibilidade de episódicas fases jurisdicionais correspondentes40. Por este caminho bem define Guilherme de Souza Nucci41, quanto a natureza jurídica mista: “O entroncamento entre a atividade judicial e a administrativa ocorre porque o Judiciário é o órgão encarregado de proferir os comandos pertinentes à execução da pena, embora o efetivo cumprimento se dê em estabelecimentos administrativos, custeados e sob a responsabilidade do Executivo, é certo que o juiz é o corregedor do presídio, mas a sua atividade fiscalizadora não supre o aspecto de autonomia administrativa plena de que gozam os estabelecimentos penais no país, bem como os hospitais de custodia e tratamentos.” Desta forma, embora na divisão dos Poderes, seja atribuída a cada um (Executivo, Legislativo e Judiciário) uma função principal, eles também exercem, atipicamente, as funções de outro, desde que estejam melhor aparelhados para tanto e não firam o núcleo essencial daquelas funções. No caso da execução penal, tem-se o Poder Executivo contribuindo para o exercício da função Jurisdicional, o que é admissível diante da melhor estrutura para manter os estabelecimentos penais e, alem disso, porque este exercício não fere o núcleo essencial da jurisdição, que é a declaração definida do Direito numa situação. Tendo em vista todo o considerado neste ensaio científico pode-se dizer que a doutrina majoritária tende a aceitar que a natureza jurídica da Execução Penal Brasileira funda-se numa natureza mista, onde dentro da Lei especial que trata da Execução, Lei 7.210/84, pode-se observar tanto natureza jurisdicional quanto natureza administrativa, sendo que em diversos momentos elas se misturam de modo a garantir um melhor desenvolvimento da Execução Penal. Outrossim, clara é a consideração de que estão presentes elementos administrativos na Lei de Execução Penal, fazendo com que esta possua em parte da sua formação natureza administrativa, a pesar de que a melhor classificação para a sua natureza jurídica é a de mista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com o estudo elaborado na presente pesquisa, considera-se que: A Lei de Execução Penal, Lei 7.210 de 1984 possui em sua essência diversos elementos administrativos, não podendo ser caracterizada, quanto a sua natureza jurídica, unicamente como jurisdicional, pois a própria lei estabelece diversos elementos próprios do Direito Administrativo, como funções e atos administrativos, além de órgãos e agentes públicos. Nesse sentido possível é a aplicação do Direito Administrativo à esta no concernente aos elementos administrativos nela contidos, principalmente quanto a necessidade da observância dos Princípios básicos da Administração Pública nos atos praticados pelos agentes e órgãos públicos. Ademais, segundo o entendimento da doutrina majoritária estabelece-se que realmente a natureza jurídica da Execução Penal no Brasil não é apenas jurisdicional, mas mista, pois em diversos momentos esta se mistura com uma natureza administrativa, de modo a garantir um melhor desenvolvimento da Execução Penal e alcançar o objetivo primordial desta, qual seja humanizar um sistema carcerário que se encontrava destruído ao fim do período da ditadura militar, para fins de tornar real o objetivo ressocializador da pena.

NOTAS   Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Estagiária do Ministério Público de Santa Catarina. 2 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). 3 Advogado Especialista em Ciências Criminais, advogado criminalista e professor no Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. 4 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Estagiária em escritório de advocacia. 5 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 54. 6 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 01. 7 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 37. 8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 48. 9 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 33. 10 GRINOVER, Ada Pellegrini. Natureza jurídica da execução penal. p. 7. apud NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 917. 11 Art.10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. 12 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 54. 13 Art. 41. [...] Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. 14 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. p. 70. 15 Art. 61. São órgãos da execução penal: I- o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II- o Juízo da Execução; III- o Ministério Público; IV- o Conselho Penitenciário; V- os Departamentos Penitenciários; VI- o Patronato; VII- o Conselho da Comunidade; VIII- a Defensoria Pública. 16 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 37. 17 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. p. 3. 18 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 128. 19 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. p. 475. 20 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p.133. 21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 133. 22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 580. 23 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 581. 24 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 575. 25 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 120. 26 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 82-88. 27 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 82. 28 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 82-83. 29 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 84. 30 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. p. 196. 31 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 85. 32 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 86. 33 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. p. 122. 34 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. p. 203. 35 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. p. 204. 36 BRITO, Aléxis de Couto. Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 20. 37 FOPPEL, Gamil. A Jurisdicionalização do Processo de Execução Penal. Disponível em: Acesso em: 30.06.2012. 38 BRITO, Aléxis de Couto. Execução Penal. p. 28. 39 CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. 40  Cf. LEONE, Giovanni. Tratado de derecho procesal penal. Trab. Santiago Sentis Melado. Buenos Aires, 1961. p. 472. 41 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 988.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 18. ed. São Paulo: Método, 2010. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL, Lei 7.210 de 11 de julho de 1984. Congresso Nacional, 1984. BRITO, Aléxis de Couto. Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. Cf. LEONE, Giovanni. Tratado de derecho procesal penal. Trab. Santiago Sentis Melado. Buenos Aires, 1961. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. FOPPEL, Gamil. A Jurisdicionalização do Processo de Execução Penal. Disponível em: Acesso em: 30.06.2012. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1997. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. _______________________. Manual de processo penal e execução penal. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

 

 

Elaborado em julho/2012

 

Como citar o texto:

GARCIA, Heloise Siqueira, et al..A natureza administrativa da execução penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1129. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2909/a-natureza-administrativa-execucao-penal. Acesso em 24 dez. 2013.

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