O direito ao esquecimento é aquele inerente ao ser humano de não permitir que determinado fato, ainda que seja verídico, ocorrido em dado momento de sua vida, seja exposto ao público, causando-lhe transtornos ou sofrimento. É também conhecido como o direito de ser deixado em paz ou de estar só.

                        O direito sub examine possui raiz constitucional e legal, haja vista que constitui uma vertente da dignidade da pessoa humana, do direito à vida privada, à intimidade, honra e imagem, consagrados na Carta da República de 1988 (artigos 1º, inciso III e art. 5º, inciso X) e no Código Civil Brasileiro (art. 21).

                        A celeuma relacionada à matéria envolve a colisão entre os atributos concernentes à personalidade e o direito de expressão ? informação. Deve-se avaliar até que ponto a liberdade de imprensa pode penetrar na vida privada de alguém, essencialmente no que diz respeitos a fatos do passado.

                        Nessa esteira, a título de exemplo, determinada pessoa que era famosa (esportista, político, artista) em algum período de sua vida pode desejar ser esquecida, voltar a ser um anônimo e não mais ser incomodado com reportagens, entrevistas ou outra forma de exposição pública. Isso aconteceu com a ex-atriz Ana Paula Arósio que, mesmo tendo feito sucesso na televisão há alguns anos, escolheu voltar ao anonimato.

                        No âmbito da jurisprudência estrangeira, o emblemático Caso Lebach, julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão, examinou a questão. Em 1969, houve uma chacina de quatro soldados alemães. Duas pessoas foram condenadas à prisão perpétua e um terceiro partícipe a seis anos de reclusão. Poucos dias antes de este cumprir sua pena e sair do cárcere, um canal de televisão produziu um documentário retratando o crime, mediante a dramatização por atores contratados e apresentação de fotos reais e nomes de todos os envolvidos. Em virtude disso, o partícipe pleiteou uma tutela liminar para impedir a exibição do programa.

                        Quando o processo chegou ao Tribunal Constitucional Alemão, a Corte entendeu que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo indefinido, da pessoa do criminoso e de sua vida privada, especialmente se esse fato for um obstáculo à sua ressocialização. Diante disso, impediu que o canal exibisse o documentário.

                        No nosso país, o Enunciado nº. 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil pelo Conselho da Justiça Federal - CJF, assim dispõe acerca do tema:

                        “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. O referido conselho apresentou a seguinte justificativa ao enunciado: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

                        O Superior Tribunal de Justiça - STJ enfrentou a questão em dois recentes julgados, senão vejamos:

STJ REsp 1334097 / RJ RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO. 1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. 3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações. 4. Um dos danos colaterais da "modernidade líquida" tem sido a progressiva eliminação da "divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do -privado- e do -público- no que se refere à vida humana", de modo que, na atual sociedade da hiperinformação, parecem evidentes os "riscos terminais à privacidade e à autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados [e também o inverso], e sua gradual mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado à diversão ligeira" (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados. 5. Há um estreito e indissolúvel vínculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de Direito que pretenda se autoafirmar como Democrático. Uma imprensa livre galvaniza contínua e diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, é projeto para sempre inacabado e que nunca atingirá um ápice de otimização a partir do qual nada se terá a agregar. Esse processo interminável, do qual não se pode descurar - nem o povo, nem as instituições democráticas -, encontra na imprensa livre um vital combustível para sua sobrevivência, e bem por isso que a mínima cogitação em torno de alguma limitação da imprensa traz naturalmente consigo reminiscências de um passado sombrio de descontinuidade democrática. 6. Não obstante o cenário de perseguição e tolhimento pelo qual passou a imprensa brasileira em décadas pretéritas, e a par de sua inegável virtude histórica, a mídia do século XXI deve fincar a legitimação de sua liberdade em valores atuais, próprios e decorrentes diretamente da importância e nobreza da atividade. Os antigos fantasmas da liberdade de imprensa, embora deles não se possa esquecer jamais, atualmente, não autorizam a atuação informativa desprendida de regras e princípios a todos impostos. 7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores. 8. Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 1988, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de censura ter sido inserida no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica no momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a dignidade da pessoa humana como - mais que um direito - um fundamento da República, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos. Exegese dos arts. 11, 20 e 21 do Código Civil de 2002. Aplicação da filosofia kantiana, base da teoria da dignidade da pessoa humana, segundo a qual o ser humano tem um valor em si que supera o das "coisas humanas". 9. Não há dúvida de que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os mais variados acontecimentos e personagens capazes de revelar, para o futuro, os traços políticos, sociais ou culturais de determinada época. Todavia, a historicidade da notícia jornalística, em se tratando de jornalismo policial, há de ser vista com cautela. Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos; mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do "bandido" vs. "cidadão de bem". 10. É que a historicidade de determinados crimes por vezes é edificada à custa de vários desvios de legalidade, por isso não deve constituir óbice em si intransponível ao reconhecimento de direitos como o vindicado nos presentes autos. Na verdade, a permissão ampla e irrestrita a que um crime e as pessoas nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo - a pretexto da historicidade do fato - pode significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado. Por isso, nesses casos, o reconhecimento do "direito ao esquecimento" pode significar um corretivo - tardio, mas possível - das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia. 11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante, é imperioso também ressaltar que o interesse público - além de ser conceito de significação fluida - não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada. 12. Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é imperiosa a aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com base não só na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do direito positivo infraconstitucional. A assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentes de direito comparado. 13. Nesse passo, o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por institutos bem conhecidos de todos: prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada, prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure em cadastros restritivos de crédito, reabilitação penal e o direito ao sigilo quanto à folha de antecedentes daqueles que já cumpriram pena (art. 93 do Código Penal, art. 748 do Código de Processo Penal e art. 202 da Lei de Execuções Penais). Doutrina e precedentes. 14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos. 15. Ao crime, por si só, subjaz um natural interesse público, caso contrário nem seria crime, e eventuais violações de direito resolver-se-iam nos domínios da responsabilidade civil. E esse interesse público, que é, em alguma medida, satisfeito pela publicidade do processo penal, finca raízes essencialmente na fiscalização social da resposta estatal que será dada ao fato. Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas consumadas irreversivelmente. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil da informação seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias humanas. 16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. 17. Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos - historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável. 18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado - com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito. 19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender adesconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado. No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida "vergonha" nacional à parte. 20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante. 21. Recurso especial não provido.       REsp 1335153 / RJ RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas. 3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -, direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram. 4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido. 5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi. 6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos. 7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-se na seara da ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de dano, com nexo causal, para chegar-se, finalmente, ao dever de indenizar. No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um "direito ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. 8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. 9. Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ. As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais, segundo a moldura fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem da falecida, com os contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a via da indenização. 10. Recurso especial não provido.      

                         A primeira decisão foi proferida em processo ajuizado por um dos acusados - posteriormente absolvido por unanimidade pelo Tribunal do Júri - do caso “Chacina da Candelária” em face da TV Globo. A emissora exibiu, no programa “Linha Direta”, a história do aludido caso, citou o nome do autor da ação e divulgou que ele havia sido absolvido.

                        Apesar disso, a 4ª Turma do STJ admitiu o direito à indenização. Segundo o Tribunal, o ordenamento jurídico brasileiro é farto de previsões em que se reconhece o direito ao esquecimento de fatos passados, como se vê na prescrição. Ademais, o artigo 202 da Lei de Execuções Penais dispõe de maneira protetiva que, após a extinção da pena, não deve constar na folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou auxiliares de Justiça, qualquer notícia referente à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

            O intitulado Tribunal da Cidadania entendeu que, apesar de o crime apresentar grande importância histórica, a apresentação do nome e da imagem de uma pessoa que fora absolvida não era indispensável para que os fatos fossem retratados de forma fidedigna.

             Noutro vértice, em relação ao Recurso Especial nº 1.335.153-RJ, a 4ª Turma do STJ negou direito à indenização aos familiares de Aida Curi, em razão da veiculação da história no programa “Linha Direta”, embora tenha sido coerente com o raciocínio apresentado no primeiro julgado. Aida Curi foi sexualmente abusada e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história do delito, por possuir fama no noticiário policial, foi apresentada pela TV Globo, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais, o que, de acordo com seus familiares, resgatou a lembrança do crime e o sofrimento que o permeia. O Tribunal superior aduziu, in casu, consoante manifestação do Relator Luis Felipe Salomão, que o crime não poderia ser dissociado do nome da vítima. Não era possível que a Globo mostrasse tal história omitindo o nome da vítima, como acontece com os crimes envolvendo Doroty Stang e Vladimir Herzog.

             Denota-se que os julgamentos apresentaram uma linha de raciocínio lógica nos casos em voga. Utilizando como parâmetro o caso Lebach, o Tribunal registrou que se não há mais interesse público na divulgação de um fato criminoso por força do transcurso temporal, o autor do crime e a vítima tem direito ao esquecimento. Entretanto, caso a divulgação dos acontecimentos pretéritos envolva um interesse público, como ocorre com os crimes históricos, vítima e autor do crime podem ter os nomes expostos se forem indissociáveis da infração penal. Na hipótese de não haver a necessidade de que o nome da vítima ou do autor do crime seja apresentado, o fato histórico pode ser contado, mas o nome e imagem dos envolvidos devem ser preservados.

            Segundo o Ministro Relator dos dois recursos acima citados, Luis Felipe Salomão, deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação da informação. Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade da notícia. É o caso, por exemplo, de crimes genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável. Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado.

                        O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, visando conciliar o direito ao esquecimento com o direito à informação, assevera:

“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374).

 

 

                               Apesar de ainda pouco difundido na doutrina e na jurisprudência, o tema vem ganhando cada vez mais espaço hodiernamente. De um lado está o direito ao esquecimento calcado em regras constitucionais, essencialmente no núcleo axiológico da dignidade da pessoa humana. Na outra face, encontra-se a liberdade de expressão e de imprensa, materializadas pela divulgação de informações, que, atualmente se dá de maneira frenética e ampla, haja vista o fenômeno da globalização e o enorme avanço da tecnologia.

                        O Enunciado 531 do CJF nos auxilia a compreender a dimensão do assunto. Mister realçar parte da justificativa de seu comando, por ser dotada de razoabilidade. Nesse sentido, insta salientar que o exercício do direito ao esquecimento não confere a ninguém a liberdade de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

                        Importa frisar, ainda, o papel do Ministério Público frente ao direito e liberdades em destaque. O Parquet, por ser considerado nos dias de hoje um verdadeiro agente de transformação social, atuará nas demandas que envolvem direito de personalidade e liberdade de expressão ? informação como guardião do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais.

                        Diante dos aspectos teóricos e práticos delineados e da premissa de que não há direito absoluto, quando do aparecimento do conflito de normas constitucionalmente estabelecidas, como acontece com os direitos sob apreciação, o caminho apropriado tendente a compatibilizar preceitos em colisão é justamente aquele que passa pela ponderação de interesses e pelo princípio da proporcionalidade, objetivando, no caso concreto, a solução que melhor atenda à justiça social e ao bem comum.

Referências Bibliográficas

LOPES, Marcelo Frullani. Direito ao esquecimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3656, 5 jul. 2013. Disponível em: < http:?? jus.com.br ? artigos ? 24865 >. Acesso em: 29 mar. 2014.

NORAT, Ygor Villas. O direito ao esquecimento. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 01 mar. 2014. Disponível em: www.conteudojuridico.com.br ? ?artigos&ver=2.47218&seo=1>. Acesso em: 29 mar. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1334097? RJ. Min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em: 28-05-13. Disponível em: www.stj.jus.br ? SCON ? jurisprudencia ? toc.jsp?

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 1335153? RJ. Min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em: 28-05-13. Disponível em: www.stj.jus.br ? SCON ? jurisprudencia ? toc.jsp?

                       

                                                

                       

 

 

Elaborado em março/2014

 

Como citar o texto:

PAIVA, Bruno César Ribeiro de..O Direito ao Esquecimento frente à Liberdade de Expressão e de Informação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1153. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/2979/o-direito-ao-esquecimento-frente-liberdade-expressao-informacao. Acesso em 31 mar. 2014.

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