RESUMO

O tema abordado no presente estudo tem por finalidade analisar o polêmico instituto “Coisa Julgada Inconstitucional”. Pretende-se discorrer sobre a matéria a partir da definição de coisa julgada nas suas duas modalidades, seus limites, e finalmente a sua relativização ou desconsideração, expressão empregada em doutrina, trazendo neste sentido, opiniões abalizadas de diferentes doutrinadores sobre o instituto, sem a pretensão de esgotar o assunto, pois isto não seria alcançado por meio de um artigo jurídico, mas apenas possibilitar a discussão de tão importante tema jurídico de uma forma simples e objetiva.

CONCEITO DE COISA JULGADA E SUAS MODALIDADES

Estabelece a Lei de Introdução ao Código Civil:

Artigo 6° (...)

§ 3° Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

 

 No Código de Processo Civil, o artigo 467 disciplina a Coisa Julgada definindo-a :

“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

 

 

A partir desses conceitos, constata-se que a coisa julgada pode ser compreendida como sendo a imutabilidade do comando emergente de uma sentença ou acórdão, após o esgotamento de todos os recursos.

Nesta linha de definição torna-se importante seja demonstrada a diversidade existente entre coisa julgada material e formal.

EDUARDO TALAMINI esclarece que:

“Coisa Julgada formal e Coisa Julgada Material são duas expressões de um mesmo e único fenômeno. Em ambos os casos, verifica-se a imutabilidade do comando contido na sentença. A diversidade reside no teor do comando: a coisa formal consiste na imutabilidade de um comando que se limita a pôr fim ao processo; a coisa julgada material consiste na imutabilidade do comando que confere tutela a alguma das partes, isto é, que dispõe substancialmente sobre algo que vai além da simples relação processual.”[2]

GIZELE MAZZONI WELSCH nos traz conceituação de coisa julgada formal dada por Eduardo Coutre nos seguintes termos:

“...uma situação criada no processo no sentido de não poder mais ser interposto qualquer recurso da decisão proferida. Mesmo assim, após o trânsito em julgado, havendo modificação do estado das coisas, é possível se ir a juízo com um novo procedimento para resolver a controvérsia posta.”[3]

   

Gelson Amaro de Souza e Gelson Amaro de Souza Filho também abordam o tema discorrendo sobre a Coisa Julgada formal e material. Para os autores estas ocorrem:

“Quando a sentença ou acórdão extinguir o processo sem julgamento de mérito( art. 267 do CPC), tem-se a coisa julgada simplesmente formal; quando a sentença ou acórdão julgar o mérito( art. 269 do CPC), passada a fase recursal, instala-se a coisa julgada material.

 A coisa julgada material, como o próprio nome indica, é aquela que provem de sentença que julga a matéria objeto da lide, ou seja, o mérito. Somente quando se julga o mérito é que se tem a coisa julgada material. Essa espécie explica o fenômeno poucas vezes compreendido, visto que apenas a matéria que foi efetivamente julgada é que será atingida pela coisa julgada. Não serão atingidos pela coisa julgada, os motivos ou fundamentos, bem como a verdade dos fatos ainda que importantes para desfecho da questão (art. 469 do CPC). Eles serão apenas conhecidos, mas não julgados.”[4]

 

 

Diante disso se percebe, que o cerne da diferença entre os dois institutos reside nos limites dos efeitos de um e outro, ou seja, na coisa julgada formal limitados ao processo, na coisa julgada material para além processo, acrescentando-se ainda que na coisa julgada formal não se tem a apreciação do mérito da demanda ao contrário do quanto ocorre com a coisa julgada material.

Estabelecidas essas considerações acerca da diferenciação entre coisa julgada formal e material, importante analisarmos os seus limites no plano objetivo e subjetivo.

 

 

               LIMITES OBJETIVOS

 

 

A temática nos remete ao artigo 468 do Código de Processo Civil, segundo o qual, a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e  das questões decididas. Isto significa dizer que o que foi objeto de decisão judicial tão somente será alcançado pela autoridade da coisa julgada, não se olvidando que, os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença, mormente apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo, não fazem coisa julgada nos termos do artigo 469 do referido diploma legal[5].

 

LIMITES SUBJETIVOS

 

A exemplo do quanto ocorre com os limites objetivos, o Código de Processo Civil também trata dos limites subjetivos da res judicata.

Estabelece o referido diploma:

 

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

 

 

 Portanto, no que se refere aos limites subjetivos, como regra geral, a coisa julgada opera-se inter partes e somente excepcionalmente poderá os efeitos da coisa julgada atingir terceiros, ou seja, na hipótese prevista pela própria lei.

Com estas breves noções sobre a coisa julgada, passa-se ao estudo do tema proposto nesta pesquisa, mediante a abordagem das polêmicas que  o circundam.

RELATIVIZAÇÃO  DA COISA JULGADA

 

    Podemos afirmar que não apenas no mundo jurídico, mas, também, em toda a sociedade existe uma enorme preocupação com a chamada segurança jurídica das decisões judiciais.

 A segurança jurídica, sem dúvida, constitui-se em elemento essencial no Estado Democrático de Direito.

     Bem por isso, que o texto Constitucional estabelece:

Artigo 5°, XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

 

Eis aí princípios de certeza e segurança jurídica, consagrados no texto constitucional.

Gisele Mazzoni Welsch salienta:

        “Baseando-se neste princípio, a pretexto de garantir a segurança e a certeza nas relações jurídicas, os ordenamentos em geral, e como exemplo o ordenamento jurídico de nosso País, não admitem a livre revogação ou alteração do que restou decidido com força de coisa julgada”. [6]

 

 

               No entanto, ao proclamar que nenhum direito é absoluto, devendo em certas circunstâncias ser ponderado com outros valores e princípios , acrescenta a autora:

“Tal questionamento visa demonstrar que nenhum dos dois traduz um valor absoluto, pois devem conviver com valores outros, também de estatura constitucional, de primeira importância no ordenamento, entre eles o Principio da Constitucionalidade e o da Justiça das decisões judiciais.”[7]

 

    Perfilhamos este entendimento doutrinário. A nosso ver princípios asseguradores de certeza e segurança jurídica ora mencionados não garantem que a Justiça de fato tenha sido alcançada em concreto, sendo este o ponto mais importante que se questiona. De fato, o cidadão que busca o Poder Judiciário, certamente espera uma decisão judicial justa. Certo é que, nem sempre, a sentença ou acórdão se revestem desse adjetivo.

    Evidente que a coisa julgada traz segurança, certeza de definitivo, um alento para a parte que tem a convicção de que não mais será questionado judicialmente sobre aquele fato que não se tornará ad perpetuam, ficando inclusive afastada a possibilidade de propositura de nova ação sobre o mesmo fato, fundamento e com as mesmas partes, obviamente tratando-se de coisa julgada material.

 Fato grave em tudo isto, dá-se quando a sentença ou acórdão se revelam injustos ou contra princípios outros inseridos no próprio texto da Constituição Federal.

    Isto porque, não se pode olvidar que a qualquer momento possa alguém ao buscar a voz do Estado-juiz, ser vítima de gritante injustiça , à medida que erros podem ser cometidos por qualquer pessoa; órgãos judiciais não estão imunes a eles.

Evidente que o Legislador Constituinte ao criar a figura abstrata do Estado, quis um Estado forte, decidindo as questões que lhes são demandadas pela sociedade de forma eficaz, notadamente aqueles atos praticados pelo órgão incumbido constitucionalmente de julgar, como é o caso do Poder Judiciário, exigindo não somente certeza de suas decisões, mais que isto, segurança jurídica, sem contudo, significar aceitação de decisões que ofendam  princípios catalogados no texto constitucional notadamente   da moralidade e ilegalidade.

Neste ponto, a autora acima mencionada, traz entendimento do Eminente Ministro José Delgado nestes termos:

“O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos.

A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando com força maior de cunho imperativo, reinando de modo absoluto sobre qualquer outro princípio, até mesmo sobre o da coisa julgada. A moralidade é essência do direito. A sua violação, quer pelo Estado, quer pelo cidadão, não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste por mais perfeito que se apresente no campo formal, se for expresso de modo contrário à moralidade.”[8]

    Por essa razão, não obstante a rigidez da Coisa julgada, qualidade exclusiva das decisões judiciais, fato é que, existe um forte entendimento doutrinário, no sentido de sua relativização.

GEORGES ABBOUD, um crítico da Relativização da Coisa Julgada, em breve escorço sobre o tema nos traz célebre citação de Marx e Engel, que pelo seu importante significado achamos oportuno mencionar neste trabalho:

“...tudo o que é sólido e estável se volatiza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas”[9]

 

 

Não obstante a frase tenha sido trazida por um crítico da Relativização, fato é que ela bem se aplica ao tema em discussão.

 

Importantes também as observações feitas por André Luiz Santa Cruz Ramos:

“Percebe-se entre os defensores da relativização da coisa julgada – em alguns especificamente, como Dinamarco – uma preocupação marcante com o que chamam de princípio da justiça das decisões. Este autor faz uma advertência: o processo civil moderno deve ser ao mesmo tempo célere e justo. Deve, pois, equilibrar tais valores, criando mecanismos que assegurem um julgamento conforme o Direito. Finalizando, o jurista propõe (a) que a garantia da coisa julgada não pode ir além dos efeitos a serem imunizados, e (b) que ela deve ser ponderada frente às demais garantias constitucionais e aos instrumentos jurídicos voltados à produção de resultados justos. O estudo moderno da coisa julgada, portanto, exigiria, segundo ele, uma visão equilibrada do instituto, inerente ao binômio justiça-segurança.

 

 

Acrescenta:

 

“O objetivo do presente estudo é demonstrar que o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é portanto, a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (CF, art. 5°, XXXV)”[10]

 

 

No contexto estabelecido pela norma constitucional trazida a comento, não resta dúvida quanto à impossibilidade de acolhimento de decisões contrarias aos princípios nela implicitamente inseridos.

Por essa razão, os defensores da relativização da coisa julgada, dentre os quais nos incluímos, defendem a tese da prolação de sentenças justas, sentenças que se revistam de predicados autorizadores de se afirmar que a Justiça foi feita. Se a sentença está em desacordo com princípios como legalidade,  moralidade dentre outros, a nosso ver, não deve prevalecer, devendo por consequência ser impugnada de pronto.

Aliás, neste sentido, adverte Humberto Theodoro Júnior apud Paulo Otero e José Alberto dos Reis:

 

“A coisa julgada neste contexto não está imune à impugnação, podendo vir a ser desconstituída, no direito brasileiro, através da ação rescisória, uma vez configurada qualquer das hipóteses previstas no artigo 485 do CPC. São casos em que o legislador considerou que os vícios de que se reveste a decisão transitada em julgado são tão graves que justificam abrir-se mão da segurança em benefício da garantia de justiça e de respeito aos valores maiores consagrados na ordem jurídica.

 

A idéia que norteia a admissibilidade da ação rescisória é a de que não se pode considerar como espelho da segurança e certeza almejados pelo Direito uma decisão que contém séria injustiça. A segurança como valor inerente à coisa julgada e, por conseguinte, o princípio de intangibilidade são dotados de relatividade, mesmo porque absoluto é apenas o DIREITO JUSTO. Vale transcrever a lição de JORGE MIRANDA, a respeito do direito português:

“O princípio da intangibilidade do caso julgado não é um princípio absoluto, devendo ser conjugado com outros e podendo sofrer restrições. Ele tem de ser apercebido no contexto global”[11]

                                                      

Inconcebível pois, que casos julgados nestas condições prevaleçam com fundamento nos princípios da certeza e segurança jurídica em detrimento do Direito Justo como disse o autor, cujo entendimento é acompanhado pelo Eminente Ministro José Delgado:

“A sentença não pode expressar comando acima das regras postas na Constituição, nem macular os comandos da Natureza por exemplo, determinando que alguém seja filho de outrem, quando a ciência demonstra que não é. Será que a sentença, mesmo transitada em julgado, tem valor maior que regra científica? É dado ao juiz  esse ‘poder’ absoluto de contrariar a própria ciência? A Resposta, com certeza, é de cunho negativo. A sentença não pode modificar laços familiares que foram fixados pela natureza”[12]

´

            Como se vê, segundo o preclaro Ministro Delgado, diante de “grave injustiça”, a coisa julgada deve ser relativizada para que a verdadeira justiça possa ser buscada.

COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

               De forma simples pode-se dizer que coisa julgada inconstitucional é a que se apresenta  em desconformidade com  a Constituição Federal.

 Humberto Theodoro Junior ensina que:

“No Estado Democrático de Direito, e como uma consequência das idéias de limitação do Poder político do Estado e do primado da lei enquanto expressão da vontade geral trazidas pela Revolução Francesa, tem sido sempre uma preocupação constante a de garantir a Supremacia da Constituição, como único meio de assegurar aos cidadãos a certeza da tutela da segurança e da justiça como valores máximos da organização da sociedade.

Desde que passou a ser prestigiada a idéia de primado hierárquico-normativo da Constituição, com afirmação do princípio da constitucionalidade, busca-se assegurar que não só os atos do Poder Público, como todo o ordenamento jurídico esteja conforme a sua Lei Fundamental.”[13]

Nessa mesma linha de entendimento Gelson Amaro de Souza e Gelson Amaro de Souza Filho doutrinam:

“Para se saber o que é coisa julgada inconstitucional, necessário se faz que se saiba o que é coisa julgada, e depois, o que é essa coisa julgada inconstitucional. (...) a palavra “inconstitucional” vem iniciada com a negativa “in”, demonstrando ou representando algo que não está de acordo ou conforme a Constituição ou aquilo que não é constitucional.”[14]

 

De todo modo, o que importa saber é se a sentença é ou não inconstitucional , admitindo possa ser revista. Isto porque, forte seguimento da Doutrina defende a tese de que a sentença inconstitucional não gera coisa julgada como bem esclarecem estes autores:

“Depois, um dos obstáculos a ser transposto é o de se saber se o ato inconstitucional é nulo, anulável, inexistente ou ineficaz. Dependendo da figura em que se colocar o ato inconstitucional, dependerá também dos efeitos a ser atribuídos. Parece que em qualquer das hipóteses, a sentença reconhecida como inconstitucional não poderá ser qualificada com a coisa julgada. Diz Almeida Junior: “Destarte, não se formaria a coisa julgada quando esta for evidentemente inconstitucional”[15]

As hipóteses de ocorrências de decisões tidas como inconstitucionais, na maioria das vezes decorrem de sentenças fundadas em lei consideradas anteriormente inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

De outro modo, têm-se os casos de sentenças consideradas inconstitucionais não apenas e porque o magistrado se utilizou de uma norma inconstitucional, mas, também, porque esse magistrado pode ter dado uma interpretação incompatível com a Constituição, ou seja, deixou de fazer uma interpretação da norma conforme a Constituição Federal.

Oportuno se observar que nos termos da Legislação Processual Civil brasileira, a sentença tem força de lei e assim sendo pode perfeitamente ser considerada inconstitucional, tal qual ocorre com a lei, sendo a observação pertinente, porquanto estabelece a CF: artigo 5°, XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Acrescente-se ainda nesse sentido, ser entendimento doutrinário de que a inconstitucionalidade não atinge a coisa julgada, mas, tão somente a sentença, que, por ser inconstitucional não recebe a qualificação de coisa julgada, fato bem explicitado por Eduardo Talamini, verbis:

 

“A coisa julgada é apenas a qualidade de imutabilidade que recai sobre o comando contido na sentença. Não se confunde com próprio conteúdo da sentença, com seus fundamentos ou sequer com seu decisum. Portanto, quando se alude a “coisa julgada inconstitucional”, tem-se em vista uma “inconstitucionalidade” que reside na própria sentença: está pressuposta ou situada no decisum, ou dele é um reflexo – e a coisa julgada só faz perpetuar esse comando. A rigor, trata-se de “sentença inconstitucional” revestida de coisa julgada”[16]

 

 

Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro Faria neste mesmo sentido fazem a seguinte observação, conforme informa André Luiz Santa Cruz Ramos, verbis:

“O certo, porém, é que se costuma frequentemente, na linguagem tomar o continente pelo conteúdo, quando, por exemplo, se afirma que o Brasil jogou contra a Colômbia, no campeonato de futebol, ou a medicina tem incrementado as pesquisas sobre determinado vírus, quando na verdade, foi a equipe da seleção do Brasil que enfrentou a seleção da Colômbia, são os médicos que estão pesquisando. Assim, quando se fala em coisa julgada contrária à Constituição, o que se está afirmando é que uma sentença transitada em julgado praticou a ofensa”[17]

Por seu turno, Gisele Mazzoni Welsch informa que conforme ensinamento de PAULO OTERO existem três modalidades principais de inconstitucionalidade de coisa julgada: a) decisão judicial que viola, através de seu conteúdo, direta e imediatamente preceito ou princípio constitucional; b) decisão judicial que aplica uma norma inconstitucional; e c) decisão judicial que não aplica determinada norma sob o pretexto de sua inconstitucionalidade, quando o vício inexiste”[18]

Neste contexto é que se discute a subsistência ou não da coisa julgada inconstitucional. Acerca desta questão, Gelson Amaro de Souza e Gelson Amaro de Souza Filho informam que, segundo Theodoro Junior e Faria:

“Dúvida não mais pode subsistir que a coisa julgada inconstitucional não se convalida, sendo nula, portanto, seu reconhecimento independe de ação rescisória e pode se verificar a qualquer tempo em qualquer processo”[19] (destacamos)

 

IVO DANTAS no entanto, é defensor da tese de inexistência da Coisa Julgada Inconstitucional. Para o autor:

“Em se tratando de coisa julgada inconstitucional, o atentado à Constituição poderá ser invocado a qualquer momento e em qualquer instância ou Tribunal, pois se trata de decisão inexistente”[20]

Nesta linha de entendimento dos supra referidos autores, oportuno destacar a diferenciação existente entre nulidade e inexistência.

 Nas palavras de Antônio Janyr Dall’Agnol Jr, conforme informa Araken de Assis:

“O ato inexistente se distingue do ato inválido: aquele é incapaz de gerar efeito; este, ao contrário, entra no mundo jurídico, embora deficiente, e nele produz seus efeitos naturais. De resto, o ato deficiente precisa ser desfeito; o ato inexistente apenas se declara como tal. A inexistência constitui imprescindível dado referencial, contrastando com a invalidade. Prescindindo – se da subentendida existência jurídica, por exemplo, não há sentido em tutelar o aparente.”[21]

Ainda neste sentido, o autor traz ensinamentos de Humberto Theodoro Junior, Enrico Túllio Liebman e Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva:

“Frequentemente cria-se lastimável confusão entre a inexistência e a nulidade absoluta, sob o fundamento de que seus efeitos se equivalem”. Esta coincidência se revela inexata. O defeito do ato inexistente é de tal ordem que nenhuma consideração merece do juiz, vez que simples fato da vida, do qual ”nada resulta”. “De seu turno, o ato inválido, porque gera efeitos até seu desfazimento, exigirá desconstituição por resolução do órgão judiciário, pouco importando, para tal arte, se ex oficio ou por iniciativa do prejudicado”[22]

 

 

Pelas considerações expostas, forçoso se reconhecer tratar-se a coisa julgada inconstitucional de ato nulo e não inexistente, sendo esta a nossa opinião, com o devido respeito aos que entendem se tratar de ato inexistente.

            

              Nesse diapasão, uma questão se  propõe: Uma vez reconhecida a coisa julgada inconstitucional, qual seria  o  instrumento processual  adequado para desconstituí-la ?

 

 No que se refere ao tema HELOÍSA DA SILVA KROL ensina:

“A desconstituição da coisa julgada inconstitucional enseja forte debate da doutrina. Muitos são os autores renomados que defendem a viabilidade da ação rescisória, outros com entendimento ao contrário. Afinal quais são os instrumentos processuais disponíveis e aplicáveis para se atacar a coisa julgada inconstitucional, desconstituí-la? Constatadas as hipóteses em que é possível falar em coisa julgada inconstitucional, passa-se a abordagem dos meios impugnativos que possibilitam a relativização da coisa julgada. Há que se ressaltar que se trabalha especificamente com os meios processuais existentes no direito processual vigente, não sendo feitas considerações de lege ferenda. Primeiramente, há que se destacar a possibilidade de emprego da actio nullitatis ou querela nullitatis, que como já afirmado, presta-se a impugnação das sentenças inexistentes. A princípio, a sentença que ofende a Constituição preenche os requisitos essenciais para a configuração como sentença sendo mais uma questão de validade. Na hipótese da decisão transitada em julgado contrariar decisão anterior do Supremo Tribunal Federal, poder-se-ia defender o cabimento da reclamação constitucional. O Supremo admite a reclamação para assegurar o cumprimento das decisões proferidas em controle concentrado, tendo revisto a orientação anterior. Portanto, as hipóteses de cabimento são ilimitadas. Além do mais, há que se atentar para o teor da Súmula 734 do STF(“Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”).Nestes termos, a  via mais adequada vem a ser a ação rescisória fundada no art. 485, V do CPC( “violar literal disposição de lei”[23]

 

Como se vê, dentre os instrumentos processuais capazes a atacar a coisa julgada inconstitucional, entra no debate a utilização da ação rescisória como instrumento eficaz para tanto. Fato é que não é tão simples como parece. Se atentarmos para o quanto estabelece a legislação processual civil, vejamos:

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

 

(...)

V - violar literal disposição de lei;

 

                                      (...)

Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2    (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

 

 

Por primeiro nota-se que a legislação processual civil refere-se rescindir a sentença de mérito, e, segundo é estabelecido um prazo decadencial de 02 anos para propositura da referida ação. Portanto, a nosso ver, tratando-se a coisa julgada inconstitucional de um ato nulo, carecendo ser esta condição declarada, obviamente a ação rescisória não seria o melhor instrumento a ser utilizado, cujo entendimento encontra amparo nos ensinamentos de HUMBERTO THEODORO JUNIOR:

“Poder-se-ia objetar que, sendo a ofensa à Constituição uma forma de violação da lei em sentido lato, o remédio próprio para seu enfrentamento seria a ação rescisória (CPC, art. 485, V) e não os embargos à execução (CPC, art. 741, parágrafo único), nem tampouco a querella nullitatis (CPC, art. 486). A objeção, todavia, não procede, por duas razões principais; a) a ação rescisória não é instrumento destinado à declaração de nulidade de sentença, mas, à desconstituição(rescindibilidade) de sentença válida; tanto que quando a sentença é nula por defeito de citação, o CPC endereça a arguição especificamente, para os embargos e não para a rescisória( CPC, art. 741, I); b) ademais disto, a rescisória está confinada a curto prazo decadencial, enquanto as nulidades, por princípio, não se convalidam pelo decurso do tempo( Código Civil, art. 169); donde a inadequação da ação especial do art. 485, V, do CPC, e a pertinência da ação de embargos do art. 741 do mesmo Código, para a suscitação da inconstitucionalidade da sentença transitada em julgado, já que sabidamente o caso é de nulidade ipso  iure e não de mera rescindibilidade.”[24]

 

Contrapondo-se a este entendimento Gelson Amaro informa que conforme DANTAS:

“... ser cabível a ação rescisória para afastar a coisa julgada de sentença inconstitucional. Todavia este mesmo autor proclama que neste caso não deve dar guarida ao prazo do art. 495 do CPC, que restringe o cabimento da ação rescisória em dois anos. Como o vício pode ser alegado em qualquer tempo e por qualquer meio sem maiores formalidades, admite-se o uso da ação rescisória também, mesmo não sendo este o mais apropriado. A ação rescisória como se sabe serve para atacar a coisa julgada e em se tratando de sentença inconstitucional esta não passa em julgado, por isso, e, em princípio não é caso de ação rescisória”[25]

 

 

A questão da utilização da ação rescisória para atacar a coisa julgada inconstitucional, não obstante entendimento de parte da doutrina no sentido de sua admissibilidade, até no Supremo Tribunal Federal parece referida tese não encontrar guarida.

 Por oportuno transcrevemos posicionamento daquela Corte no RE. 97.589 - 6, conforme minuta a seguir transcrita:

Recurso Extraordinário n° 97.589-6 - Santa Catarina

Ementa: Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida.

1.               Para a hipótese prevista no artigo 741, I, do atual CPC – que é da falta ou nulidade de citação, havendo revelia – persiste no direito positivo brasileiro – a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é a cabível para essa hipótese.

2.             Recurso extraordinário conhecido, negando-se lhe, porém provimento.

 

 

Logo, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, é no sentido de que para a desconsideração da coisa julgada inconstitucional, a ação rescisória não seria o melhor instrumento a ser utilizado.

É importante frisar que a sentença ou acórdão eivados de vício de inconstitucionalidade se constituem títulos judiciais inexigíveis. Dessa forma tratando – se de situações de decisões já transitadas em julgado, ficamos com os que defendem a utilização da ação declaratória e os embargos nos termos do artigo 741, parágrafo único do Código de Processo Civil pelas razões expostas.

Finalizando este trabalho resta informar que no dia-a-dia a qualquer momento se pode deparar com decisões – sentença ou acórdão em desacordo com princípios constitucionais. Esclarece-se que nestas condições não há um critério, uma ação especifica para se suscitar a inconstitucionalidade, podendo o prejudicado arguir a inconstitucionalidade até mesmo em sede de apelação – artigo 513 do CPC ou recurso extraordinário – artigo 102, III, a da Constituição Federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 Neste modesto trabalho procuramos demonstrar que sentença ou acórdão como atos judiciais que são, podem conter o vício da inconstitucionalidade. Procuramos demonstrar que inconstitucional é a sentença ou acórdão e não a coisa julgada em si, mera qualidade.

Também procuramos esclarecer que pese os princípios de certeza e segurança jurídica, ao final deve prevalecer o justo direito e assim sendo, a coisa julgada inconstitucional não se constitui em título exigível podendo pois ser desconstituída, atacada e afastada pelos instrumentos processais atualmente disponíveis.

Demonstramos que, sendo a coisa julgada inconstitucional um ato nulo, pode o prejudicado a qualquer tempo arguir a inconstitucionalidade, podendo inclusive o fazer por meio de embargos ou ação declaratória de inconstitucionalidade.

Por último procuramos esclarecer com respaldo em doutrina abalizada, que, a ação rescisória embora seja um instrumento utilizado para atacar a coisa julgada, rescindir, referido instituto não se constitui viável para atacar a coisa julgada inconstitucional que carece esta condição ser declarada, não se submetendo ainda ao prazo decadencial daquela ação especial.

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Da Silva Krol, Eloísa, RELATIVIZAÇÃO DA COIS JULGADA INCONSTITUCIONAL, Revista dos Tribunais, ano 95, volume 853, novembro de 2006.

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Welsh Mazzoni Gizele. REVISTA JURIDICA NOTA DEZ, nº 364, fev/2008.

  

[2] Talamini Eduardo- Coisa Julgada e sua revisão. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 132

[3] Welsh Mazzoni Gizele. Revista Jurídica Notadez, nº 364, fev/2008, p. 77

[4] Souza  de Amaro Gelson e Gelson Amaro de Souza Filho- Coisa julgada inconstitucional, Revista dos Tribunais, ano 99, v. 893, mar/2010, p. 11 a 12.

[5] Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Art. 469. Não fazem coisa julgada:I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.

 

[6] Op. Cit, p. 79

[7] Ibidem

[8] Op. Cit, p. 79

[9] Georges Abboud, da Impossibilidade de Relativização da Coisa Julgada Inconstitucional, Revista de Direito Privado, 23, ano 6, julho de 2005, coordenação Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Editora Revista dos Tribunais, p. 48 a 49.

[10] André Luiz Santa Cruz Ramos, Coisa Julgada Inconstitucional, 2007, Edições Podivam, p. 73.

10 Humberto Theodoro Junior, A Reforma do Processo de Execução e o Problema da Coisa Julgada Inconstitucional, Revista dos Tribunais, ano 94, volume 841, novembro de 2005, p. 65 a 66.

I11 Ministro Delgado José Augusto -in: Nascimento( coordenação). Coisa Julgada Inconstitucional, p. 97.

12Ibidem

[14]  Op. cit. p. 12.

14Ibidem.Ministro José Augusto Delgado, in: Nascimento( coordenação). Coisa Julgada Inconstitucional, p. 97.

[16] Eduardo Talamini, Op. cit. p. 404

16. André Luiz Santa Cruz, Op. cit. p. 93

 

19 Ivo Dantas, Coisa Julgada Inconstitucional: declaração de inexistência. In: Coisa Julgada. Coordenadores: Nascimento, Carlos Valder, Delgado, José Augusto, p. 256.

[21] Araken de Assis, Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional, Revista Jurídica NOTADEZ, 301, novembro de 2002, p. 14

21 ibidem

[23] Heloisa da Silva Krol, Relativização da Coisa Julgada Inconstitucional, Revista dos Tribunais, ano 95, Volume 853, novembro de 2006, p. 740 a 741.

[24] Humberto Theodoro Junior, Op. cit.  p. 68

[25] Gelson Amaro de Souza e Gelson Amaro de Souza Filho, Op. cit. p. 16

 

 

Elaborado em maio/2014

 

Como citar o texto:

SOARES, Wilcinete Dias.Apontamentos Sobre A Desconstituição Da Coisa Julgada Inconstitucional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1162. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/3026/apontamentos-desconstituicao-coisa-julgada-inconstitucional. Acesso em 8 mai. 2014.

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