É amplo o conceito de função social, como também, o conceito de Direito. Não se pode definir a função social como mero exercício econômico da propriedade, mas, como a promoção dos direitos mínimos inerentes à pessoa. O texto constitucional, não estabelece o que é a função social, mas expressamente positiva que a propriedade atenderá a mesma. (art.5º. XXIII CF/88).

  Nesse tocante, a função social, não limita a propriedade, devido ao fato de ser um direito do proprietário. Rosenvald e Farias (2010) lecionam que, a função social consiste em uma série de encargos e estímulos que formam um complexo de recursos que remetem o proprietário a direcionar os bens às finalidades comuns.

  Com o brilhantismo que lhe é peculiar, os autores acima, apresentam uma síntese derivada da finalidade proprietária, ou seja, a função é mera atitude do proprietário de direcioná-la às finalidades comuns.

   Nesse raciocínio, o que seria comum à propriedade? Desse modo, a própria promoção da dignidade, e dentre vários direitos fundamentais, possibilita, a compreensão da função comum da propriedade, em pleno desenvolvimento democrático brasileiro.

   Enfim, pode-se afirmar que, a função social da propriedade é a promoção dos direitos comuns inerentes a dignidade humana. Este direito em comento, como já exposto, é conceituado conforme o caso concreto. Isto porque, num conflito de princípios constitucionais, prevalecerá o interesse social.

  Nesse sentido, a literalidade do art.1228, § 1o, estabelece que: o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, com a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

   O mencionado dispositivo adentra a função em vários aspectos, ou seja, o proprietário deve exercer seus poderes, em consonância com o respeito ao meio ambiente, ao patrimônio histórico cultural e todos os direitos mínimos articulados pela Constituição Federal.

   Nesse sentido, a concepção histórica da propriedade, caracterizada pelo feudalismo, em que o senhor feudal utilizava a propriedade como fonte de poder e riqueza. De fato, o valor da propriedade era instrumental, não havia destinação coletivo-social o que se pretendia era apenas o enriquecimento da exploração cultivada na propriedade feudal.

   Com o advento da Revolução Francesa, e com as ideias iluministas, a propriedade passou a ser utilizada no contexto social, em que toda propriedade deverá atender a função social e coletiva.

    A função social da propriedade, no estatuto da cidade , é  cumprida quando atende às exigências fundamentais de ordenações no mencionado diploma (art.182, § 2o, CF/88). Posto isto, a propriedade no âmbito municipal, atenderá a função social quando cumprir as exigências estampadas no estatuto da cidade. Sendo assim, esta função social exposta, é uma extensão generalizada que impõe ao cumprimento da função social em âmbito municipal.

  Como dito, a propriedade é a fonte da personalidade, então, o próprio estatuto da cidade, no art.1o, parágrafo único, assim dispõe:

 

 Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

 

  Como se vê, o mencionado diploma, regulamenta que o disposto no arts.182 e 183 da Constituição Federal, é condição obrigatória na redação do texto do estatuto da cidade. A partir daí, a propriedade urbana, atenderá os princípios constitucionais, como pressuposto fundamental da função social da propriedade.

  Nesse sentido, salienta  Rosenvald e Farias (2010,p.213-214):

 

 A função social da cidade pode redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa, combatendo situações de desigualdade econômica e social vivenciadas em nossas cidades, garantindo um desenvolvimento urbano sustentável no qual a proteção aos direitos humanos seja o foco, evitando-se a segregação de comunidades carentes. A prática da cidadania consiste assim em incorporar setores da sociedade aos mecanismos básicos de direitos habitacionais

 

    Toda propriedade deverá respeitar a coletividade, ou seja, não se trata de socializar a propriedade, mas estabelecer a promoção mínima da função social. É a finalidade necessária, para promover a ideia do direito como marco da evolução democrática brasileira.

  Desse modo, a propriedade é o direito fundamental de existência do entorno social, em que o homem constrói sua personalidade e sua história. Diante da democratização da propriedade, ainda frente à historicidade proprietária, o homem utiliza a propriedade como fonte de poder e riqueza.

   De certo, a função social promove a sua utilidade. Veja bem, o proprietário deve exercer os poderes proprietários, conforme a mínima existência digna da pessoa. Justamente, desse modo, a propriedade é voltada para os direitos inerentes da sociedade.

    Como se nota ser proprietário impregna indeclinável exercício e obrigação da função social da propriedade. Enfim, esta função promove e articula, como meio procedimental, a atividade proprietária.

   Agora passa-se a analisar seu objeto na jurisprudência. Quanto ao precedente em comento, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais. A matéria em pauta é relacionada ao Direito das Sucessões, revogação das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas por testamento. Função social da propriedade. Dignidade da pessoa, situação excepcional de necessidade financeira. Flexibilização da vedação contida no art. 1676 do CC/16. Possibilidade.

  A recorrida pleiteou uma ação, com a causa patendi, de pedido de supressão de cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas em testamento.

   A autora alegou que estava desempregada há dois anos, doente e sem nenhuma fonte de rendimentos. Por essas razões, requer o levantamento da mencionadas cláusulas restritivas, instituídas por sua avó, incidente de imóvel rural de sua propriedade. Também, a pretensão da autora, requer a alienação de uma parte das terras, para pagar as dívidas pendentes e comprar um imóvel para sua família.

No julgamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a decisão abrandou as cláusulas restritivas de alienação do imóvel gravado, sendo que a parte da venda de  1/3 seria destinada à saldar as dívidas da proprietária  e os outros 2/3 seriam utilizados, obrigatoriamente, na aquisição de outro imóvel. 

Nesse sentido, o STJ, entendeu que, os testadores desse modo, procuravam proteger o patrimônio familiar, assegurando aos descendentes uma única espécie de amparo financeiro, face às incertezas da vida econômica e social. Procurava proteger o patrimônio contra as cláusulas de alienação, penhora dos bens objeto do testamento, em benefício dos herdeiros.   

    Em recurso especial, frente ao quadro fático da apelante, o Tribunal considerou pertinente, a venda do imóvel rural nas condições impostas pelo acórdão do TJMG. Com isso, a 4º turma da Corte, salientou que: a supressão do direito de dispor dos bens, ainda que eficazmente instituída por meio de testamento válido, não pode ser considerada de modo absoluto, devendo ser delimitada por preceitos de ordem constitucional, como a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana.

  A partir daí, o STJ de forma ponderável e razoável, manifestou no sentido que a pequena propriedade rural deve produzir e circular mercadoria, ou seja, atender a sua função social. Mas, a proprietária, não conseguia financiamento para o cultivo das terras, pois, se encontrava desempregada, doente e com uma filha para criar.

   Assim, portanto, decidiu a quarta turma do STJ,

Os gravames, além do mais, devem sempre ter em vista a função social da propriedade sobre a qual foram impostos, pois não é possível admitir a manutenção de um bem que acabe por prejudicar seu proprietário, de modo a causa-lhe aflições e frustrações. Daí decorre, ainda, que o impedimento ao exercício dos direitos decorrentes da propriedade por um longo período de tempo e na presença de circunstâncias que justifiquem a disposição do bem constitui ofensa ao princípio da função social da propriedade, já que impede a livre circulação e exploração da riqueza. Na espécie em exame, portanto, a solução apresentada pelo TJ/MG, no sentido de atender parcialmente à pretensão da recorrida, exprimiu equilíbrio, razoabilidade e bom senso. A aplicação parcimoniosa dos dispositivos legais alegadamente violados obedeceu tanto à vontade do testador quanto aos interesses da recorrida, beneficiada pelo testamento. A turma por unanimidade, negou-lhe provimento ao recurso especial (Recurso especial n.1.158.679- MG (2009/0193060-5).

 

  Enfim, o Superior Tribunal de Justiça, em sintonia com a função social, concedeu à pequena propriedade, a possibilidade do exercício da  mesma. Por isto, que a Corte, manteve o acórdão do TJMG ao garantir a aquiescência do testador e o interesse da apelante. Por tudo, estabeleceu parcial provimento do cancelamento das cláusulas restritivas.

Pelo exposto, registra Rosenvald e Farias (2010, p.39):

  O art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal preserva o direito fundamental à herança, como extensão da propriedade – droit de saisine. O art. 1784 do Código Civil determina a transmissão imediata da herança aos sucessores. Todavia, em verdadeira inovação com relação ao regime anterior, o art. 1848 exige a justificação de eventual cláusula restritiva à legítima no testamento, para que o magistrado possa aferir a legitimidade de cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade dos bens da legítima. Ora, a norma busca exatamente preservar a função social da propriedade, eis que a transmissão do patrimônio do morto para o herdeiro com a inserção de cláusula de inalienabilidade provoca a paralisação da circulação de riquezas. Assim, caberá ao magistrado ponderar se a motivação dada pelo testador é relevante a ponto de gerar restrição sobre a legítima. O Código Civil é tão rigoroso quanto a essa inovação que, no Livro Das Disposições Finais e Transitórias, inseriu o art.2042, determinando que os testamentos subscritos antes de 11/01/2002 deverão ser aditados para inclusão da justa causa, sob pena de causalidade da cláusula restritiva aos óbitos verificados a partir de 01 (um) ano após a vigência do Código.

 

 

Em suma, o contexto social é pressuposto do conceito e finalidade da nova função imposta a toda propriedade. Isto porque, pode-se afirmar que, não se fala em propriedade sem mencionar os direitos da personalidade, pois, o próprio desenvolvimento social demonstra que a propriedade se transformou de um objeto/instrumento para um direito fundamental do ser e dever ser humanitário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 6º ed. Lumen Juris, 2010.

 

 

 

 

Elaborado em julho/2013

 

Como citar o texto:

MARQUES, Fernando Cristian..A Função Social Da Propriedade: Aspectos Materiais E Sociológicos A Partir Do Texto Constitucional Brasileiro . Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1166. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3082/a-funcao-social-propriedade-aspectos-materiais-sociologicos-partir-texto-constitucional-brasileiro-. Acesso em 21 mai. 2014.

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