RESUMO

Desde os tempos mais remotos, existem relatos comprovados de sociedades que inseriam no seu ordenamento a presença do Tribunal do Júri. Sendo o instituto jurídico mais democrático, o tribunal popular carrega uma série de peculiaridades, dentre elas, o caráter soberano das suas decisões, constitucionalmente protegido no artigo 5º, inciso XXXVIII, conhecido como Princípio da Soberania dos Veredictos. E é justamente aqui, que nasce o desafio proposto por este trabalho, elucidar o binômio existente entre a democracia e a tecnicidade da efetiva prestação jurisdicional. Descobrir se este instituto de fato consegue atingir o seu objetivo e permitir que o indivíduo submetido a sua apreciação consiga uma decisão equânime. Para isto, é indispensável a confecção de estudos auxiliares com o intuito de obter o entendimento daquilo que se propõe. Inicialmente fazendo uma abordagem histórica, tentando uma aproximação do que seria o seu berço e como evoluiu este instituto ao longo do tempo. É importante destacar a intimidade do presente trabalho com os aspectos principiológicos que irradiam o nosso ordenamento jurídico e são capazes de facilitar qualquer estudo.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia; Justiça; Princípios.

KEYWORDS: Democracy; Justice; Principle.

1 ORIGEM E EVOLUÇÃO

1.1 No mundo

Precisar um marco para origem do Tribunal do Júri é extremamente complexo, pois pode-se afirmar que em todas as civilizações do passado já existia a prática de uma jurisdição popular.

Apesar da maioria dos doutrinadores defenderem a sua origem na Inglaterra por ocasião da Magna Carta, a partir de 1215, alguns defendem que já existia um embrião do tribunal do Júri na Palestina, na Grécia e em Roma.

Sobre esta discussão manifestou-se Nestor Távora

A origem do tribunal do júri é visualizada tanto na Grécia como em Roma, havendo quem veja um fundamento divino para legitimidade desse órgão. Sob essa inspiração o julgamento de Jesus Cristo, malgrado desprovido das garantias mínimas de defesa, é lembrado como um processo com características que as assemelham ao júri (TÁVORA, 2010, p. 745).

Alguns relatos demonstram a origem do Júri na Palestina, com a existência do Tribunal dos Vinte e três nas vilas nas quais a população excedesse às 120 (cento e vinte) famílias, onde os crimes julgados por este tribunal, composto por padres, levitas e os principais chefes de família de Israel, seriam punidos com a pena de morte (NUCCI, 1999, p.35).

Na Grécia, o Tribunal do Júri já integrava o sistema judicial. A jurisdição criminal da Grécia era composta pela Assembléia do Povo, o Areópago, O Tribunal dos Efetas e o Tribunal dos Heliastas. Apesar de receber este nome, a Assembléia do Povo não contava com a participação direta da sociedade, e sim, uma integração entre o Poder Judiciário e os demais poderes estatais, com o objetivo de julgar os crimes políticos mais graves. O Areópago, considerado o mais antigo, era formado por 51 juízes e competente para apreciar os crimes mais graves, sujeitando o condenado à pena capital. O terceiro, o Tribunal dos Efetas, era destinado à competência para julgamento dos homicídios não premeditados. Era composto de 51 juízes escolhidos aleatoriamente dentre os senadores. O Tribunal dos Heliastas tinha competência residual, Julgando somente o que não era competente pelos outros tribunais. Considerado o único completamente popular, o Tribunal dos Heliastas era composto por 6000 cidadãos escolhidos por sorteio e dividido em 10 seções.

Inegavelmente encontramos na cultura romana, que influenciou o mundo ocidental sob várias vertentes, dentre elas a influência jurídica, a presença do referido tribunal popular. Roma foi responsável pelas mais consistentes manifestações dos Tribunais Populares. No império romano, encontramos a concepção basilar do corpo de jurados, os judices jurati. Analisando as características atuais do Tribunal do Júri no nosso ordenamento jurídico é que percebemos o quanto ele fora influenciado pelo Direito Romano, desde o critério de idoneidade moral para a escolha dos jurados, até o caráter soberano dos veredictos.

Anteriormente, a competência para atuar nos julgamentos criminais era destinada ao Senado e ao Povo, que nessa época já havia participado, mesmo que de forma esporádica, de alguns julgamentos, mas não apresentava um grau de organização satisfatória e delegava aos cônsules o poder para a jurisdição criminal. A multiplicidade e complexidade de alguns casos, fizeram nascer as comissões jurisdicionais, conhecidas como quaestiones, inicialmente em caráter temporário, mas depois transformados em definitivos, adquirindo, então, a denominação de quaestiones perpetuoe que se caracterizava pelo sistema acusatório composto por um pretor, chamado de quaestior, e os jurados, compostos de até setenta e cinco cidadãos romanos, com exceção das mulheres, escravos e mendigos. Os judices jurati eram formados, a princípio, da ordem dos senadores; da ordem dos cavaleiros e, por fim, da ordem dos tribunos do tesouro (TUCCI, 1999, p.20).

Ainda em se tratando de Roma, existiam os comícios dos plebeus ou das tribos, como também eram conhecidos. Competia a esses comícios a aplicação da pena pecuniária nos crimes de menor poder ofensivo, crimes de menor repercussão. Válido lembrar, ainda em sede de quaestiones perpetuoe, ao julgar os crimes capitais, eram aplicadas as penas de morte - decapitação com machado.

Foi na Inglaterra que surgiu a base moderna do Tribunal do Júri que conhecemos. A doutrina majoritária aponta o seu marco na criação da Carta Magna de 1215, que disciplinava no item 48, que nenhum homem livre seria detido ou preso, ou alijado de seus direitos ou posses, incriminado ou exilado, nem mesmo privado por qualquer outro meio de seu status social, salvo em caso de julgamento pelos seus pares ou pela lei local, além da realização do concílio de Latrão, oportunidade em que existiu uma ruptura com os religiosos das ordálias, que significou uma relevante evolução para época, perdendo o tribunal a aparência teocrática, transformando-se num ato popular.

A participação da Igreja era tão constante no Tribunal do Júri, que durante os julgamentos era solicitada a presença dos seus representantes para invocar a participação divina, com o intuito de formular, através da fé, o juízo de inocência ou culpa dos agentes submetidos a julgamento.

Tal ruptura aconteceu no reinado de Henrique II, onde sem a participação da Igreja, os julgamentos efetivamente judiciais contavam com a participação dos jurados, que era composto por 23 moradores do condado, que formavam o Grand Jury (grande júri), responsáveis pela acusação pública de crimes graves: homicídios e roubos. Eles decidiam segundo o que sabiam, independente de provas, pois estas eram apreciadas por outros doze homens que formavam o Petty jury (pequeno júri), decidindo acerca da culpa ou inocência do agente (RANGEL, 2010, p.586).

O júri popular foi aperfeiçoado. No final do século XV e início do século XVI, o corpo de jurados deixa de servir apenas como testemunha dos juízes julgadores para tornar-se, efetivamente, órgão julgador. O Tribunal do Júri então se firmou na Inglaterra, como uma instituição democrática, e a sua estrutura influenciou vários outros países do continente europeu, dentre eles Portugal, país historicamente dependente da Inglaterra, principalmente pela cooperação ao ceder seu território como base de resistência britânica face às tropas de Napoleão Bonaparte. Sendo o Brasil colônia Portuguesa, não seria estranho o fenômeno da transmissão do país colonizador, das suas leis ao colonizado, herdando o Brasil, então, o Tribunal do Júri com a mesma estrutura européia da época.

1.2 No Brasil

Introduzido no Brasil no ano de 1822, a partir da Lei 18 de junho de 1822, portanto, ainda dependente do seu colonizador, Portugal. Foi criado através de decreto do então Príncipe Regente, Dom Pedro I, e ocorreu com a finalidade específica de apreciar os crimes cometidos pela imprensa, formado por Juízes de fato, composto por 24 cidadãos.

O Júri seria composto por homens bons, honrados, patriotas e inteligentes, e escolhidos pelo Corregedor e ouvidor do crime, a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que funcionava como fiscal dos delitos. Quanto ao procedimento, após a convocação deste corpo de jurados formado pelos 24 cidadãos honrados, era resguardado ao réu a possibilidade de recusar até 16 jurados, formando assim o conselho de julgamento composto pelos 8 remanescentes. A decisão proferida por este Júri aceitava uma única possibilidade de apelação, a clemência real, pois só cabia ao príncipe esta alteração.

Conseguimos a tão sonhada independência, porém moldada num padrão meramente filosófico, pois o período fora marcado por uma fase de turbulência administrativa, revoltas militares que culminadas com a inexperiência do Príncipe Dom Pedro I, acabaram acelerando o processo de dissolução da Assembléia Constituinte de 1823 para a criação da Constituição de 1824, e posteriormente, ao Código de Processo Criminal do Império, em 1832. Para Thomas Skidmore

A elite brasileira também absorveu muito do liberalismo político da Inglaterra. A Assembléia Constituinte delineou uma constituição sob a direção de José Bonifácio de Andrada e Silva, um proeminente proprietário de terras e jurista. Ela copiava, em grande medida, o sistema parlamentar inglês, com o objetivo de criar um governo controlado pela elite por meio de uma elegibilidade altamente restritiva. O imperador Pedro I não gostou dela. Ele dissolveu a assembléia e arbitrariamente promulgou sua própria constituição (SKIDMORE, 1998, p.63).

 

É válido lembrar que o Tribunal do Júri nessa época era competente apenas para apreciação dos crimes de imprensa.

 

2 - PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL DO JÚRI

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, privilegiou sobremaneira o instituto do Tribunal do Júri, que agora apresenta-se elencado no rol das garantias dos indivíduos frente ao estado, e doutrinariamente pacificado o entendimento de que o mesmo recebe o status de cláusula pétrea. Para efeitos didáticos, segue in verbis o dispositivo constitucional

Art. 5º É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a)      a plenitude de defesa;

b)      o sigilo das votações;

c)      a soberania dos veredictos;

d)     a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”

 

Sobre o aspecto constitucional do tribunal popular disciplina Alexandre de Moraes:

A instituição do júri, de origem anglo-saxônica, é vista como uma prerrogativa democrática do cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, apontando-se seu caráter místico e religioso, pois tradicionalmente constituído de doze membros em lembrança dos doze apóstolos que haviam recebido a visita do Espírito Santo (MORAES, 2001, p. 103).

2.1 A plenitude de defesa

A plenitude de defesa resguarda ao acusado a possibilidade de contestar o que se afirma contra ele. Sendo uma variante do princípio constitucional da ampla defesa, prevista no art. 5º LV da Constituição Federal, garante ao acusado defesa técnica substancial durante toda a persecução criminal.

O art. 366 do CPP previa no seu texto original, anterior à Lei nº 9.271 de 1996, o seguimento do processo à revelia do acusado, citado ou intimado que deixasse de comparecer. O texto atual disciplina a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional. Porém, o entendimento atual é que este dispositivo não é aplicado à primeira fase do Júri, o juízo de admissibilidade da acusação, sob pena de cerceamento de defesa.

A jurisprudência entende que como existem duas fases nos procedimentos dos crimes dolosos contra a vida, só inicia-se a segunda com a presença do réu, até porque à luz do art. 414 do Código de Processo Penal, percebemos a exigência de intimação pessoal da decisão de pronúncia

O princípio da plenitude de defesa existe para manter a balança da justiça equilibrada, sob pena de realização de um julgamento justo. A voz do Ministério Público, assim como o exercício da defesa não podem duelar sem paridade de armas, para que ambos com as mesmas oportunidades convençam os jurados.

2.2 O sigilo das Votações

Sendo os atos inerentes ao poder público, em regra, regidos pelo princípio da publicidade, encontramos aqui a sua exceção. O princípio do sigilo das votações assegura a liberdade de convencimento dos jurados, bem como a sua segurança.

3 - O TRIBUNAL DO JÚRI E O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS

3.1 Aspectos constitucionais

 

Inegavelmente, para que possamos viver num Estado Democrático de Direito, é indispensável o respeito aos direitos fundamentais, elementos vitais para a sobrevivência democrática.

O Tribunal do Júri está inserido neste contexto, pois a nossa Carta Magna elencou a referida instituição no campo dos Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º XXXVIII) ressaltando a soberania dos veredictos como uma das suas características primordiais.

Mesmo sendo um elemento essencial para a realização da plena democracia, através do tribunal popular, mediante um poder conferido com o status de soberano, o mesmo não pode ser confundido com um poder absoluto e ilimitado, pois ele fatalmente geraria uma mácula absurda ao preceito filosófico do julgamento democrático. Neste entendimento posiciona-se José Frederico Marques:

“Soberania dos veredictos” é uma expressão técnica-jurídica que deve ser definida segundo a ciência dogmática do processo penal, e não de acordo com uma exegese de lastro filológico, alimentada em esclarecimentos vagos de dicionários.

[...] Os veredictos são soberanos, porque só os veredictos é que dizem se é procedente ou não a pretensão positiva (MARQUES, 1997, p. 238).

 

Não se duvida da importância da decisão proferida pelos jurados, considerando a mesma uma decisão judiciária democrática, representando o exercício da soberania por representantes da sociedade, porém é uma decisão proferida por pessoas comuns, leigas no aspecto processual, portanto falíveis e uma decisão passível de revisão. É válido lembrar que essas decisões são proferidas com base na consciência dos jurados, ou seja, em seu íntimo juízo de convicção no caso submetido ao seu julgamento.

3.2 Controle judicial nas decisões proferidas pelos jurados

 

No tocante ao princípio da soberania dos veredictos, percebemos que o Código de Processo Penal pátrio prevê no seu artigo 593,III o que nos leva a afirmar que esta soberania é relativa, pois, o Supremo Tribunal Federal é competente para julgar o recurso de apelação de decisão proferida pelo Tribunal do Júri, no caso de impedimento declarado de mais da metade dos membros do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, como disciplina Eugenio Pacceli de Oliveira (OLIVEIRA, 2009 p.805).

Embora exista uma certa discussão doutrinária no sentido da incompatibilidade do Código de Processo Penal com o texto constitucional, a jurisprudência já se manifestou no sentido de compatibilidade sob o argumento de que seja qual for a disposição principiológica, é indispensável uma ponderação entre eles.

Evidenciamos aqui a materialização de um outro princípio, a razoabilidade. Imaginemos o réu que submetido à apreciação do tribunal popular, fosse condenado, ainda mais sendo imputado à prática de um crime doloso contra a vida, quando todas as provas dos autos apontam a sua inocência. Seria uma pecha à ordem constitucional vigente.

É importante fazer uma consideração acerca do parágrafo terceiro do art. 593, do nosso Código de Processo Penal no tocante à impossibilidade de segunda apelação por motivo anterior. Ficou nítida a preocupação do legislador em afastar a má-fé da parte apelante para acionar por mais de uma vez o juízo, quando o caso foi alvo de apreciação duas vezes pelo Tribunal do Júri, onde aqueles motivos, que levaram à apelação já foram apreciados, quer modificados, quer não.

3.3 Debate acerca do Princípio da Soberania dos Veredictos

Que estamos falando do instituto mais democrático do nosso ordenamento jurídico, não temos dúvida. O Júri é um órgão especial, próprio, pois seu veredicto tem como objetivo primordial ser uma decisão soberana, garantida inclusive pela nossa Constituição Federal, e portanto, para que seja atingido esse resultado, este julgamento será conduzido com base na aplicação da lei e consciência dos jurados, que não podem sofrer qualquer restrição, sob pena inclusive de nulidade.

Submeter o homem à apreciação dos seus pares e não à da justiça técnica, efetuada pelo juiz togado, enfatiza este caráter democrático, pois existe aplicação da lei com base na compreensão popular.

Mas é necessária extrema cautela, pois o mesmo texto político que prevê a Soberania dos Veredictos, prevê no seu artigo 5º LIV, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. É aqui que começa o ponto crucial da nossa discussão, submeter a liberdade de um homem, talvez o maior bem da vida, à apreciação de um corpo leigo, sem nenhuma formação técnica.

Sobre democracia e o Tribunal do Júri disciplina Eugenio Pacelli:

Mas não se pode perder de vista que nem sempre a democracia esteve e estará a serviço do bem comum, ao menos quando aferida simplesmente pelo critério da maioria. A história está repleta de exemplos de eleições (legítimas) de ditadores inteiramente descompromissados com a causa dos direitos humanos.

E o Tribunal do Júri, no que tem, então, de democrático, tem também, ou melhor, pode ter também, de arbitrário (OLIVEIRA, 2010,p.636).

 

A decisão proferida pelos jurados é totalmente desprovida de qualquer motivação. Quando a quesitação é apresentada ao Conselho de Sentença, a resposta proferida por eles não exige qualquer fundamentação. Neste sentido, buscamos mais uma vez o entendimento do mestre Eugenio Pacelli de Oliveira:

[...]permitindo que o jurado firme seu convencimento segundo lhe pareça comprovada ou revelada (aqui, no sentido metafísico) a verdade. E, convenhamos, esse e realmente um risco de grandes proporções. Preconceitos, idéias pré-concebidas e toda sorte de intolerância podem emergir no julgamento em Plenário, tudo a depender da eficiência retórica dos falantes (Minstério Público, assistente de acusação e defesa) (OP. CIT., p.636).

 

Coaduna com o pensamento do mestre Pacelli, o ilustre Edilson Mougenot Bonfim, ao afirmar categoricamente que mais importante que a tecnicidade das provas apresentadas nos autos, é a capacidade de persuasão, através do seu poder interpretativo, dos jurados, pelo Promotor de justiça e a defesa(BONFIM, 1994, p 30).

Ora senhores, estamos falando dos nossos pares, e aqui, deixando de lado os aspectos morais, éticos e filosóficos que regem as nossas condutas; é indispensável enxergarmos o agente causador de uma conduta ilícita como um ser humano que terá cerceada a sua liberdade. Não estamos falando de um perdão, mas que o mesmo tenha o direito de ser submetido a um procedimento justo.

Ainda neste debate, o posicionamento de uns dos maiores mestres das ciências criminais no nosso Brasil, o Mestre Nelson Hungria:

O Júri só interessa ao povo como espetáculo, como show, como tablado de ring, em que os promotores e defensores se defrontam para ‘gaudium certaminis’, para os duelos de oratória. É uma peça teatral a que o povo assiste de graça e exclusivamente por isso é que desperta ainda a sua simpatia (HUNGRIA, 1956, p.253)

 

Ao adentrar neste debate não compactuamos com a ideia de extinção do referido tribunal popular, mas uma adequação acerca do caráter soberano, e o poder demasiado conferido aos leigos e à efetiva prestação jurisdicional.

Após pesquisas em bibliotecas e no vasto acervo digital disponível na rede mundial de computadores, a internet, descobrimos que existe uma tendência mundial, cada vez mais forte, de transformar gradativamente o Tribunal do Júri, no Escabinado, que achamos ser a maneira mais viável para solucionar o impasse.

Ao pesquisar José Frederico Marques, encontramos não só o conceito mas aplicabilidade no mundo deste instituto.

No escabinado, há como no Júri, o recrutamento popular, o sorteio e até a divisão do julgamento. Mas enquanto naquele a responsabilidade do réu é examinada e decidida, em conjunto, pelos juízes leigos e juízes profissionais, no último só o elemento popular decide sobre a existência e autoria do crime (MARQUES, 1997,P.33).

 

Tal instituto seria extremamente razoável, pois existiria uma junção de garantias ao réu, como ser julgado por seus semelhantes, os jurados, e pelo conhecimento técnico, inspirado do Direito positivo, aplicado pelo juiz togado.

Bom ou ruim, o Tribunal do Júri é previsto constitucionalmente e pacificado o entendimento jurisprudencial acerca da sua constitucionalidade. Enquanto submetemos os nossos pares à apreciação do tribunal popular, sujeitamos a sua liberdade ao poder da eficiência retórica dos falantes, existindo o risco de condená-lo pela excelência da performance pessoal da acusação que pelo exame sereno dos fatos, bem como o inverso, onde o guardião da ordem jurídica, o binóculo da sociedade, que amplia a visão do cidadão comum onde não conseguimos enxergar, que ávido por justiça, tem a sua pretensão de punir um criminoso frustrada por uma atuação brilhante de um defensor que seria extremamente aproveitado como o vilão de uma novela do horário nobre.

4- CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi realizar minuciosamente um estudo acerca do Tribunal do Júri, instituto revestido de peculiaridades. Para isto, fora necessário uma abordagem desde os tempos mais primórdios, buscando a sua origem e evolução, um acompanhamento à luz do nosso texto magno, a Constituição da República federativa, até a discussão travada acerca do princípio da soberania dos veredictos.

Sobre a sua competência, extraímos a sua fundamental importância. Não é por acaso que o referido instituto é responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida. São crimes de extrema relevância social, que conseguem causar uma ruptura no meio que vivemos, passando o entendimento histórico que os mesmos devem ser apreciados pelos seus semelhantes.

Debater um tema, analisar os pontos negativos e positivos, e a troca de idéias e experiências, contribuem, indiscutivelmente para o crescimento humano. Através da polêmica e do debate, conseguimos amadurecer, e consequentemente melhorar aquilo que já existe.

Em que pese o pensamento doutrinário ser majoritário acerca do fundamento filosófico da existência da soberania dos veredictos, atribuindo ao cidadão comum a capacidade de julgar o seu vizinho, entendemos que o Júri é inegavelmente uma boa forma de promoção da justiça, porém a sua aplicação é mais eficaz nas sociedades igualitárias e holísticas, e não nas relacionais como a nossa.

Assim, apesar de não figurarmos entre o pensamento majoritário, parece-nos mais prudente o pensamento pautado na manutenção do tribunal popular, mas com uma decisão baseada na cooperação entre magistrados e leigos. Conferir uma decisão democrática mas sob a égide de um olhar técnico, conferindo ao acusado a certeza de submeter-se a um processo justo. Tribunal do Júri pautado no princípio da razoabilidade, de maneira límpida e eficaz atingindo assim a sua finalidade – realizar justiça através do povo, dos seus pares, dos iguais.

REFERÊNCIAS

 

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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2010.

MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1962.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008.

MIRABETE, Júlio fabbrini. Processo Penal. São Paulo, Atlas, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.

NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo : Juarez de Oliveira, 1999.

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RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

SKIDMORE, Thomas. Uma História do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Ed. Jus Podium, 2010

TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem, evolução, características e privilégios. In: (coor.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: RT, 1999.

 

 

Elaborado em setembro/2014

 

Como citar o texto:

MENDONÇA, Fabiana Andrade..Tribunal do Juri e o Princípio da Soberania dos Vereditos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1197. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3226/tribunal-juri-principio-soberania-vereditos. Acesso em 24 set. 2014.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.