RESUMO

O presente estudo visa analisar o instituto da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, perfilhando sua situação legal e analisando seus institutos afins. Nossa abordagem propõe-se a ser crítica, analisando alguns dos aspectos controvertidos do instituto, merecendo especial menção as questões da ausência de cobertura de uma contingência social, da comprovação do tempo de serviço e das implicações atuariais e previdenciárias da manutenção da aposentadoria por tempo de serviço em nosso ordenamento jurídico.

Palavras-Chave: Aposentadoria por tempo. Repercussões atuariais.

ABSTRACT

This study aims to analyze the Office of retirement for length of service/contribution, showing his legal situation and analyzing their related institutes. Our approach is proposed to be critical, analyzing some of the controversial aspects of the Institute, deserving special mention the issues of lack of coverage of a social contingency, proof of service and time of actuarial and social security implications of maintaining retirement for length of service in our legal system.

Keywords: Retirement for length. Actuarial repercussions.

INTRODUÇÃO

 

            A aposentadoria por tempo de serviço, e seu sucedâneo legal após a EC 20/98, a aposentadoria por tempo de contribuição, a nosso sentir, nunca tiveram lugar em nossa sistemática previdenciária, seja por não conter uma real e palpável contingência social, seja por dar vazão a inúmeras manobras legais e judiciais, no sentido de obter aposentações demasiadamente precoces.

            Dessa maneira, o presente estudo irá, em um primeiro momento, traçar as balizas legais e doutrinárias da aposentadoria por tempo de contribuição, antecedida por breve, porém necessário, esforço histórico.

            Uma vez erigidos os pilares básicos à compreensão do tema, iremos sacar à luz do desenvolvimento deste trabalho as críticas ao multicitado instituto da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

            Sabedores de que não nos será possível abordar todos os aspectos polêmicos que circundam a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, escolhemos alguns tópicos para compor o corpo de desenvolvimento do trabalho. Serão eles:

•       Qual a contingência legal da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição?

•       O que é tempo de serviço/contribuição?

•       Por que a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, além da exigência do tempo de permanência no RGPS ainda prevê a exigência do preenchimento de carência?

•       Reconhecimento de tempo de serviço/contribuição à luz da legislação pátria.

•       Reconhecimento de tempo de serviço rural como tempo de serviço para fins de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

•       A aposentadoria opor tempo de contribuição, tal como posta em nosso ordenamento, ou seja, não se exigindo idade mínima para aposentação e permitindo-se o retorno à atividade, precipita inúmeras discussões jurídicas, eis que, se de um lado a lei busca desestimular a aposentadoria precoce (vide fator previdenciário), os segurados buscam majorar o valor dos benefícios que recebem, máxime quando, mesmo aposentados, voltam à atividade (desaposentação.)

Após a análise dos aspectos controvertidos propostos, iremos lançar, ao fim e ao cabo deste estudo, nossa conclusão acerca do tema, manifestando-nos expressamente sobre a necessidade ou não de abolição do instituto, analisando as consequências atuariais da manutenção da aposentadoria por tempo de contribuição no sistema previdenciário pátrio.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO.

1. Breve Resgate Histórico.

A aposentadoria por tempo deita suas raízes, em nosso sistema previdenciário, na Lei Eloy Chaves (Decreto 4.682/23), onde era chamada de “aposentadoria ordinária”. Sendo egressa da mencionada lei, a aposentadoria por tempo contemplava apenas os ferroviários, sendo-lhes concedida aos 30 anos de serviço e 50 de idade (art. 12).

A aposentadoria por tempo apresentava elevado custo de manutenção para o sistema previdenciário, a ponto de ter sido banida em 1940. Todavia, para nosso pasmo, a aposentadoria por tempo foi restabelecida em 1948, e mantida pela lei 3.807/60 (LOPS – lei orgânica da previdência social), quando, então, passou a denominar-se aposentadoria por tempo de serviço; observe-se, contudo que na LOPS havia exigência mínima de idade para a aposentação, a saber, 55 anos (5 – veja-se que, nessa época, a expectativa de vida do cidadão brasileiro era bem menor que os atuais 73 anos).

A Constituição de 1967, no art. 158, XX, previa aposentadoria integral para a mulher, aos 30 anos de trabalho.

Na mesma linha, a Constituição de 1969 repetiu a disposição, supra, de aposentadoria por tempo para a mulher após 30 anos de trabalho, minorando a exigência de tempo de serviço em 5 (cinco) anos para homens e mulheres que se dedicassem ao magistério.

Nossa atual sistemática constitucional-previdenciária, trazida pela carta Política de 1988, previa, no art. 202, II, a aposentadoria por tempo, após 35 anos de trabalho, ao homem, e após 30 anos de trabalho, para a mulher. Não há idade mínima para a aposentadoria. Mantida pela ordem vigente a minoração de tempo de serviço para os professores.

Com o advento da Emenda Constitucional 20/98, a sistemática da aposentadoria por tempo foi profundamente alterada, transformando-se a aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria por tempo de contribuição. A alteração foi trazida a efeito com a alteração no artigo 201, §7º, da CRFB-88, que autorizava a concessão da aposentadoria após 35 anos de contribuição para o homem e 30, se mulher, mantida a minoração de tempo em cinco anos para os professores, mas somente para aqueles que se dediquem ao magistério em ensino fundamental e médio.

A EC 20/98 manteve a dispensa de idade mínima para a obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição, em lamentável manobra política. A ideia inicial da proposta de reforma previdenciária trazida pela Emenda em questão era justamente estipular requisito etário para a obtenção da aposentadoria por tempo. Entretanto, o Congresso Nacional suprimiu a conjugação “e”, inserida entre os incisos I e II do artigo 201, §7º, da CRFB-88, de molde que os critérios que deveriam ser CUMULATIVOS, idade mínima e tempo de contribuição, passaram a ser ALTERNATIVOS, com efeito a criar duas aposentadorias distintas: aposentadoria por TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (aos 35 ou 30 anos de contribuição, homens e mulheres, respectivamente) e POR IDADE (aos 65 ou 60 anos de idade, homens e mulheres, respectivamente).

Na prática, a EC 20/98 só obrou a extinção da aposentadoria por tempo de serviço proporcional para os novos filiados ao RGPS, resguardando, todavia, regras de transição para os filiados antigos que adimplirem certos requisitos, o que não deixa de ser uma mudança benéfica, porém tímida. O sistema era tão pródigo de benefícios, que além de aposentadoria sem idade mínima, ainda a concedia àqueles que não adimpliam o requisito de tempo de trabalho por completo.

A finalidade do escorço histórico é situar o leitor na evolução legislativa do tema, a fim de lhe apresentar a necessidade de se avançar na reforma previdenciária, repensando-se a manutenção de tal aposentadoria por tempo em nosso sistema.

2. Tratamento Legal e Doutrinário da Matéria.

2.1. Conceito de Aposentadoria por Tempo.

Consoante art. 201, §7º, da CRFB-88, aposentadoria por tempo de contribuição é um benefício previdenciário concedido ao segurado que adimplir 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher, além de uma carência de 180 meses (art. 25, II, c/c art. 142, todos da lei 8.213/91).

2.2. Direito Comparado.

Argentina, Uruguai e Chile, nossos vizinhos de conjunturas sócio-político-demográficas parelhas, baniram tal benefício de suas sistemáticas previdenciárias há algum tempo.

O Egito, Líbano e Kwait extinguiram tal benefício por volta de 2006.

Destarte, apenas Equador, Irã e Iraque ainda mantém a aposentadoria por tempo na legislação previdenciária.

Anote-se, por fim, que apenas o Brasil, dentre aqueles países que ainda mantêm o benefício em sua seara legal, não condiciona a aposentadoria por tempo ao afastamento da atividade, o que é ostensivo convite à aposentação e continuidade do exercício profissional, convolando-se aposentadoria em renda extra, desvirtuando-se sua razão de ser, que é justamente substituir a renda outrora percebida na atividade.

2.3. Requisitos da Aposentadoria por Tempo.

Consoante se depreende do texto constitucional, os requisitos para a obtenção da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição são:

•       Qualidade de segurado: o segurado, para obter a aposentadoria por tempo, deve manter relação jurídico-previdenciária com a Previdência Social, o que se traduz na inscrição[1] ou filiação automática[2] no sistema. Trabalho informa, por exemplo, elide a possibilidade de obtenção do benefício.

•       Carência: além de manter relação jurídico-previdenciária com a Previdência Social, deve o segurado, antes de postular sua aposentadoria por tempo, ter vertido um número mínimo de contribuições ao RGPS. Esse número mínimo de contribuições visa resguardar ao sistema previdenciário um mínimo de recursos para manter seu equilíbrio financeiro e atuarial.

•       Tempo de Contribuição: o tempo de contribuição é, efetivamente, a “contingência social” resguardada pelo benefício em questão. A exigência de certo tempo de contribuição qualifica a relação jurídico-previdenciária mantida entre segurado e Previdência, de sorte que, além de filiado ao RGPS, deve o segurado ter travado com o mesmo uma relação duradoura, de 35 anos, se homem, e 30, se mulher.

Veja-se, a priori, que se nos apresenta redundante exigir-se carência e tempo de contribuição para a percepção do citado benefício: é que uma carência de 180 meses (ou menos, vide art. 142, lei 8.213/91) seria absorvida por um tempo de contribuição de 35 ou 30 anos. Trataremos do tema mais a frente, eis que é um dos aspectos polêmicos do presente trabalho.

3. Polêmica acerca da Contingência Social da Aposentadoria por Tempo.

Contingência social é o evento legalmente tipificado como idôneo a desencadear o amparo previdenciário, materializado na paga mensal de um benefício ou na execução de um serviço, dirigido a proteger o segurado em face de fatos presuntivos de sua necessidade social.

O termo “contingência social” vem angariando paladinos nos campos doutrinários, eis que supera, em certa medida, imprecisões da antiga expressão “risco social”.

Risco social evocava, primeiramente, um evento incerto. Sabidamente, determinados eventos cobertos pela Previdência Social, como é o caso da maternidade, não são eventos incertos. Igualmente, a palavra “risco”, egressa do Direito Civil, ramificado e subespecializado dos Contratos em Espécie, Contratos de Seguro, trazia a lume a ideia de sinistro, evento danoso, o que, novamente, não é o caso da maternidade.

Assim sendo, cabe-nos, agora, indagar qual a contingência social albergada na aposentadoria por tempo de contribuição, e se a mesma, de fato, ensancha algum fato relevante, sob o prisma sócio previdenciário.

Quando pensamos em aposentadoria por tempo, é inevitável assumirmos que a contingência social protegida é, simplesmente, a verificação de certo período de tempo em que o segurado manteve vínculo jurídico-previdenciário com o RGPS. De fato, tal assunção encontra obsequiosa procedência quando vemos que a aposentadoria em questão não conta com exigência de idade mínima. Daí, cabe nova indagação: manter 35 ou 30 anos de relação jurídico-previdenciária é um relevante social? É, por assim dizer em nossa especial técnica disciplinar, uma contingência social, signo presuntivo de necessidade do segurado?

O professor Fábio Zambite bem coloca tal celeuma:

 

A aposentadoria por tempo de contribuição é um benefício que sofre constantes ataques, sendo que um razoável número de especialistas defende sua extinção. Isso decorre da conclusão de não ser este benefício tipicamente previdenciário, pois não há qualquer risco social sendo protegido – o tempo de contribuição não traz presunção de incapacidade para o trabalho.[3]

O professor Aragonês, autor de nosso referencial doutrinário, não vislumbra no benefício em questão qualquer risco social a ser protegido pela Previdência[4].

O professor Sérgio Pinto Martins, por seu turno, entende que há na aposentadoria por tempo de contribuição uma contingência social a ser coberta, qual seja, o desgaste do segurado após tantos anos de trabalho[5]. Em que pese nosso respeito pelo doutrinador, supra, entendemos que não há qualquer supedâneo médico ou social que indique que, após 35 ou 30 anos, esteja o segurado esvaído de suas forças laborativas. Estipular um prazo de validade para a capacidade humana de trabalhar é pretensão que não encontra respaldo em qualquer estudo, além de ser evidente desrespeito ao primado do trabalho que inspira a República (art. 1º, IV, CRFB-88).

Postas as correntes doutrinárias antagônicas, eis a questão que se coloca: o decurso de 35 ou 30 anos de contribuição junto ao RGPS traz, por si só, alguma presunção de necessidade social do segurado, máxime diante da ausência de requisito etário?

Para responder tal pergunta, devemos recorrer à realidade, pois os fatos da vida falam com mais intensidade que as digressões jurídicas, por mais bem intencionadas e elaboradas que sejam. Se alguém inicia sua vida produtiva aos 18 anos de idade, e filia-se ao RGPS também nessa idade, aposentar-se-á por tempo de contribuição aos 53 anos. E com 53 anos de idade, pode-se falar em presunção de incapacidade ao labor? É evidente que não.

Assim sendo, entendemos, sub censura, que a aposentadoria por tempo não contempla qualquer contingência sócia; isto é, não protege o segurado contra qualquer fato que hipoteticamente possa lhe privar do trabalho, mesmo que temporariamente, razão pela qual temos que o mesmo é um estrangeiro dentre os demais benefícios previdenciários.

4. Tempo de Serviço e Tempo de Contribuição.

Com a emenda constitucional 20 de 1998, que substituiu a aposentadoria por tempo de serviço pela aposentadoria por tempo de contribuição, pretendeu-se introduzir no sistema previdenciário pátrio o aspecto contributivo.

Sempre foi de uso e vez em nosso sistema previdenciário a contagem de tempo de serviço para fins de aposentadoria, mesmo quando o segurado não vertia qualquer contribuição. É evidente que tal situação não se coaduna com um regime previdenciário que, constitucionalmente, deve zelar pelo equilíbrio financeiro e atuarial.

Em que pese o ânimo que regeu a produção legislativa, percebe-se que tempo de serviço e tempo de contribuição ainda são sinonímias, porquanto, à exceção de contagens de tempo fictícias, como licenças-prêmio contadas em dobro, todo o tempo de serviço está sendo usado como tempo de contribuição e, a nosso sentir, o será até de lege ferenda, porquanto a EC 20/98 exige lei específica para disciplinar a matéria.

Dessa maneira, ainda verificamos tempo de contribuição exercido sem qualquer real contribuição ao sistema, o que, além de desvirtuar a tônica constitucional inovadora da EC 20/98, conspira para o abalo do equilíbrio financeiro-atuarial do sistema.

Se a Constituição proclama, no art. 201, caput, que o RGPS é de caráter contributivo, não pode tal comando passar despercebido.

5. Tempo de Serviço e Carência.

Como já adiantado, qual seria o sentido de se exigir para a aposentadoria por tempo de contribuição o adimplemento de certo período de carência se tal benefício já prevê a exigência do cumprimento de um longo período de tempo de contribuição, inclusive bem superior ao da carência?

A resposta para tal indagação jaz no tópico imediatamente anterior, tratado propositalmente em sua conveniente topografia de exposição.

Assinalamos no tópico retroreferido que tempo de serviço confunde-se, e confundir-se-á, com tempo de contribuição, até a confecção de lei específica.  Dessa maneira, diversos e longos períodos sem contribuições para o RGPS serão ainda considerados como efetivo tempo de contribuição. Mencionemos alguns:

•       O tempo de serviço rural, na qualidade de segurado especial ou empregado rural, poderá ser utilizado como tempo de contribuição independentemente de recolhimentos. Destarte, poderemos ter uma situação em que o segurado laborou por 20 anos em sua pequena propriedade rural, nunca tendo recolhido contribuições previdenciárias, vem a vender sua propriedade, muda-se para a cidade, onde inicia um empreendimento comercial, um bar, nele permanecendo por 15 anos, ai sim, recolhendo contribuições. Na prática, o segurado verteu 180 contribuições ao sistema, mas ser-lhe-ão contados 35 anos de tempo de contribuição e

•       O tempo de serviço extemporaneamente registrado no INSS poderá ser computado para fins de tempo de serviço. Assim, se uma pessoa, por 30 anos, possuiu uma empresa na informalidade (contribuinte individual) ou trabalhou como empregado doméstico sem CTPS assinada, ou como segurado especial ou facultativo, e, na proximidade de sua aposentadoria comprova que, de fato exerceu atividade que lhe vincularia obrigatoriamente ao RGPS, terá tal tempo reconhecido.

Em ambas as hipóteses, apesar de o tempo trabalhado ser reconhecido como tempo de serviço, o mesmo não o será como tempo de carência (arts. 55, §2º e 27, II, da lei 8.213/91). Ou seja, o sistema previdenciário, apesar de reconhecer ao segurado como tempo de serviço os períodos laborados nas lides campesinas ou na informalidade, retroativamente e sem recolhimentos (desde que comprovado – vide tópico subsequente), exige que, ao menos parte desse período, seja de efetivas contribuições ao sistema (é a carência propriamente dita).

Apesar de nosso sistema previdenciário ser liberal (até excessivamente a nosso sentir) no reconhecimento de tempo de serviço/contribuição, com o objetivo de garantir seu funcionamento basal (equilíbrio financeiro e atuarial), o mesmo impõe que parte do tempo de contribuição seja de efetivas contribuições ao RGPS, ou seja, que parte do tempo disponha de contribuições tempestivas e atreladas a atividades econômicas formalizadas nos rigores da lei. Assim, não se vislumbraria que alguém averbasse 35 anos de labor rural, em regime de economia familiar, sem nenhuma contribuição, e se aposentasse por tempo de contribuição.

6. Tempo Rural como Tempo de Serviço.

Discutiremos, agora, a possibilidade do reconhecimento, como tempo de serviço/contribuição, de períodos trabalhados nas lides rurais pelos segurados, sem qualquer recolhimento aos cofres da previdência, fazendo salutar crítica a nossas explanações já consignadas no tópico 5.5., que, a priori, deixa transparecer que a legislação permite tal utilização.

A nosso sentir, referidos tempos de serviço em meio rural não podem ser averbados para fins de aposentadoria POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, mas apenas, para a modalidade aposentadoria POR IDADE, prevista nos artigos 39 e 143 da Lei nº 8.213/91, no valor de um salário mínimo.

Nosso entendimento baseia-se no fato de que, antes da edição da atual Lei de Benefícios, o trabalhador rural, não era obrigado a recolher ou ter descontado de sua remuneração para recolhimento à Previdência Social qualquer importância.

Embora fosse filiado obrigatório, nada pagava, e a Lei Complementar nº 11/1971 lhe garantia dois benefícios (e apenas dois): aposentadoria POR INVALIDEZ e POR VELHICE, sendo necessário apenas demonstrar a incapacidade para o trabalho para a primeira, a idade para a segunda e o exercício da atividade rural para ambas, sendo despicienda qualquer indenização.

Aliás, em obediência à uniformidade de tratamento estatuído na CF/88. art. 194, parágrafo único, inciso II, bem como ao princípio da igualdade, deve-se dispensar igual tratamento aos que se encontram em situações de igualdade, de molde a que, quem contribui deve ter o tempo contado para todos os efeitos, inclusive, aposentadoria por tempo de contribuição, ao passo que, quem não verte contribuições, não pode tê-lo.

Segue ainda a determinação do artigo 201 da CF/88, que prevê o caráter integralmente CONTRIBUTIVO da previdência social.

E não é só: a necessidade de recolhimento de contribuições encontra-se insculpida na EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 que acabou com a APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO, criando a APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (vide tópico 5.4.).

Com a edição da referida emenda constitucional, ainda que seja reconhecido o tempo de serviço pleiteado, sem a prova de que houve contribuições referentes ao período, não há como considerá-lo para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.

Ou seja, deveria o autor possuir o tempo de contribuição necessário para aposentadoria integral ora pleiteada.

A nosso sentir, o tempo rural só poderia ser utilizado para aposentadoria por tempo de contribuição, se o segurado INDENIZAR o período probando.

Nossa opinião encontra eco na jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RESP 640933

Relator(a)

Ministro PAULO GALLOTTI

Data da Publicação

DJ 12.08.2004

Decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 640.933 - RS (2004/0021392-3)

RELATOR : MINISTRO PAULO GALLOTTI

RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

PROCURADOR : MARCOS EDUARTE REOLON E OUTROS

RECORRIDO  : ANTOLINA XAVIER DOS SANTOS

ADVOGADO : JULIANA PEIXOTO FORTES BITTENCOURT

DECISÃO

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO.TRABALHADOR RURAL. RECOLHIMENTO DAS  CONTRIBUIÇÕES. NECESSIDADE.

1. Segundo orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, o reconhecimento de tempo de trabalho rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, para fins de aposentadoria por tempo de serviço, depende do recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes.

(...)

Segundo orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, o reconhecimento do tempo de trabalho rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, para fins de aposentadoria por tempo de serviço, depende do recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes. Confiram-se:

 

"PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL - CONTAGEM RECÍPROCA - CONTRIBUIÇÕES - NECESSIDADE - ART. 96, INCISO IV, DA LEI Nº 8.213/91.

- Para a emissão de Certidão de Tempo de Serviço, visando a contagem

recíproca de tempo de serviço rural e urbano para fins de aposentadoria, necessário se torna o recolhimento da contribuição correspondente ao respectivo período, por expressa imposição legal, nos termos do art. 96, inciso IV, da Lei nº 8.213/91.

- Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão da origem, restabelecer a r. sentença monocrática que julgou improcedente o pedido da autora, em todos os seus termos."

(REsp nº 383.799/SC, Relator o Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJU de 7/4/2003).

 

"RECURSO ESPECIAL. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA. TEMPO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. NECESSIDADE. ART. 96, IV, DA LEI Nº 8.213/91.

1. Em se tratando de certidão de tempo de serviço rural para contagem recíproca, deve o interessado colacionar aos autos a prova pré-constituída das respectivas contribuições. Precedentes.

2. Recurso especial conhecido e provido"

(REsp nº 409.563/RS, Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU de24/6/2002).

 

 

 

"RESP. ADMISSIBILIDADE. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. CONTRIBUIÇÃO. CONTAGEM RECÍPROCA. ÁREA RURAL E URBANA.

I - Apelo do INSS não conhecido pois as razões apresentadas não atacam os fundamentos do acórdão recorrido, e a tese defendida nada tem a ver com entendimento adotado no decisum.

II - A legislação previdenciária não admite, para fins de contagem recíproca para aposentadoria por tempo de serviço - rural e urbano -, o cômputo do período, anterior à Lei nº  8.213/91, em que o segurado desenvolvia atividade rurícola sem, contudo, efetuar o recolhimento das contribuições pertinentes. Precedentes.

III - Recursos do INSS e do segurado não conhecidos."

(REsp nº 413.846/PR, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJU de 3/6/2002).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar que a averbação do tempo de serviço reconhecido pelas instâncias ordinárias fica condicionada  ao recolhimento das  respectivas contribuições previdenciárias.

Publique-se.

Brasília (DF), 04 de junho de 2004.

MINISTRO PAULO GALLOTTI, Relator”

 

 

7. Sistemática Processual-Administrativa e Judicial para Reconhecimento de Tempo de Serviço.

Neste momento do trabalho, impende registrar quais são os requisitos para o reconhecimento do tempo de serviço, eis que tal procedimento, muitas das vezes é apedra de toque de várias postulações administrativas e judiciais. Vejamos, pois:

Sobre a matéria, rezam o caput e o § 3º do artigo 55  da Lei  nº 8.213/91:

 

“Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

(...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.”

          O Regulamento citado, atualmente, personifica-se no Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, sendo que cuida da espécie nos artigos 62 e 63, deste teor:

Art. 62. A prova de tempo de serviço, considerado tempo de contribuição na forma do art. 60, observado o disposto no art. 19 e, no que couber, as peculiaridades do segurado de que tratam as alíneas j e l do inciso V do caput do art. 9º e do art. 11, é feita mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados, devendo esses documentos ser contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar as datas de início e término e, quando se tratar de trabalhador avulso, a duração do trabalho e a condição em que foi prestado.

 

Art. 63. Não será admitida prova exclusivamente testemunhal para efeito de comprovação de tempo de serviço ou de contribuição, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, observado o disposto no § 2º do art. 143.”

Ora, a LEI não deixa margem a dúvidas quanto à impossibilidade de comprovação de tempo de serviço com base em prova exclusivamente testemunhal, EXIGINDO a existência, no mínimo, de um início de  prova escrita.

A jurisprudência pátria NÃO destoa desta interpretação, tanto que chegou a editar Súmula de Jurisprudência a propósito. Neste sentido, a Súmula n.º 27 do Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de citação obrigatória:

“Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural (Lei nº 8.213/91, art. 55, parágrafo 3º).”

Assim sendo, o reconhecimento de tempo de serviço, por muitas vezes precipitar a concessão de benefícios, e, pois, onerar o sistema previdenciário, exige muita seriedade em sua comprovação, criando-se, assim, uma espécie de direito processual probatório particularizado para o Direito Previdenciário, que se caracteriza pelo recrudescimento dos meios de prova postos à convicção das autoridades administrativa e judicial.

7.1. Comprovação de Tempo de Serviço Rural.

Consignadas nossas restrições quanto ao reconhecimento de períodos de labor rural como tempo de serviço, a saber, exige-se indenização de tais períodos, analisemos, agora, como tais períodos poderiam ser reconhecidos como tempo de serviço.                                            

O C. STJ enuncia em sua Súmula 149:

“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola para efeito de benefício previdenciário.”

Nesse lanço, o posicionamento tranquilo dos Tribunais:

“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA. PROVA TESTEMUNHAL.

1)A concessão de benefício previdenciário devido ao rurícola depende de razoável início de prova material da atividade laborativa rural, existente na espécie. Súmula nº 149/STJ.

2)Recurso conhecido em parte (letra “c”) e improvido.”

(STJ, 6ª Turma, RESP 434880, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/08/2002, DJU de 02/09/2002).

“PREVIDENCIÁRIO – RURÍCOLA – APOSENTADORIA POR IDADE – COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO – PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL – AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL – RECURSO ESPECIAL –  1. A valoração da prova testemunhal sobre o exercício da atividade rural somente é válida se apoiada em início razoável de prova material – Súmula 149/STJ.

(...)

3. Recurso Especial não provido.

(STJ – RESP 259459 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Edson Vidigal – DJU 11.09.2000 – p. 00284)

“PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – TRABALHADOR RURAL – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – PERÍODO DE CARÊNCIA – INEXIGÊNCIA, TRABALHADOR URBANO – TEMPO DE SERVIÇO – INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL – INDISPENSABILIDADE

 – O trabalhador rural tem direito ao benefício da aposentadoria previdenciária desde que comprovados os requisitos de idade e de atividade rural, não se lhe aplicando a exigência do período de carência de contribuições, ex vi do art. 26, III, c/c o artigo 143, da Lei nº 8.213/91. A jurisprudência do STJ tem consagrado a tese de que para a comprovação do tempo de serviço do trabalhador para fins previdenciários é indispensável a presença de início razoável de prova documental, sendo inidônea para a demonstração desse fato a exclusiva prova testemunhal. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta extensão provido.” (STJ – REsp 182204 – SP – 6ª T. – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 14.12.1998 – p. 322)

“PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE EXERCIDA. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL.

1.Não há nos autos qualquer documento que sirva como início de prova material, considerando-se apenas os depoimentos testemunhais.

2.Se aos rurícolas é aplica a súmula n. 149 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, incoerente seria aceitar prova exclusivamente testemunhal àqueles que exercem atividade urbana, cujos meios para comprovação documental é farto e abundante.

3.Em se tratando de prequestionamento argüido pelo INSS, não vislumbro ofensa a lei federal tampouco a lei maior, ensejadores de recursos especial e extraordinário.

4.Apelo provido.”

(TRF-3ª Região, 1ª Turma, AC. 97.0303008482, Rel. Des. Fed. Roberto Haddad, dec. 08/04/97, DJ. 20/05/1997).

Alinha-se, com tranquilidade, aos enunciados gerais da processualística probatória previdenciária o fato de que, também e especialmente o tempo de trabalho rural deve contar com início de prova documental para ser reconhecido como tempo de serviço/contribuição.

Todavia, o que se entende por início de prova documental tem variado enormemente de julgador para julgador, sendo que alguns juízes contentam-se com simples certidão de casamento e outros, por outro lado, exigem mais documentos, como registro de propriedade rural, Cadastro de Imóvel Rural, nota de produtor rural, dentre outros.

7.2. Simples Anotação em Carteira de Trabalho Como Meio de Prova.

Se, nas lides campesinas, são comuns as postulações de reconhecimento de tempo de trabalho rural como tempo de serviço/contribuição, não são menos vulgares os pedidos de obreiros citadinos de reconhecimento de tempo de serviço com supedâneo unicamente em CTPS, por vezes assinada de maneira extemporânea.

Tal qual ocorre com o reconhecimento de tempo de trabalho rural, o reconhecimento de tempo de trabalho urbano como tempo de contribuição com espeque unicamente em CTPS deve ser visto com obsequiosas reservas. Explicamo-nos:

Primeiramente, registra-se que a CTPS, sem a confirmação do INSS pelo CNIS, equipara-se a prova testemunhal, tornando-se imprestável, como início de prova material, para comprovar tempo de serviço.

A anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social tem presunção juris tantum, ou seja, não é absoluta e pode ser refutada mediante prova em contrário, e não constitui prova plena do exercício de atividade em relação à Previdência Social.

É o que diz textualmente o Enunciado 12 do TST, abaixo transcrito:

 

“As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção juris et de jure, mas apenas juris tantum.”

O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 225, que assim dispõe sobre a matéria:

 

STF – SUM.225 : “NÃO E ABSOLUTO O VALOR PROBATORIO DAS ANOTAÇÕES DA CARTEIRA PROFISSIONAL.”

Na sequência, anotamos, por relevante, que a CTPS até faz início de prova perante o INSS, porém, deve ser analisado o conjunto probatório, e quando o registro gerar alguma suspeita, pode e deve a Previdência exigir outras provas do vínculo, a teor do Decreto 3.048/99, art. 19, abaixo transcrito:

“Art.19. A anotação na Carteira Profissional ou na Carteira de Trabalho e Previdência Social e, a partir de 1º de julho de 1994, os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS valem para todos os efeitos como prova de filiação à Previdência Social, relação de emprego, tempo de serviço ou de contribuição e salários-de-contribuição e, quando for o caso, relação de emprego, podendo, em caso de dúvida, ser exigida pelo Instituto Nacional do Seguro Social a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação.” (grifamos)

A razão chega a ser óbvia, pois é notório que as anotações em CTPS não têm controle e podem ser feitas a bel prazer por qualquer um. Se a previdência social se basear unicamente na anotação em CTPS ocorre com absoluta certeza a falência do sistema previdenciário.

A Jurisprudência já se manifestou à respeito do tema, conforme acórdão colacionado abaixo:

"As anotações dos contratos de trabalho na CTPS constituem presunção juris tantum. Se a anotação diz respeito a pedido anterior a sua expedição e não há elementos materiais de prova do tempo de serviço, é legítimo o recurso da Administração" (TRF4ªR, AC 92.04.26872-7/RS, rel. Juiz Volkmer de Castilho, RTRF4ªR 16/161)

Neste mesmo passo, vejamos o disposto no §2º, do art. 19, do Decreto 3.048/99:

§ 2º  Não constando do CNIS informações sobre contribuições ou remunerações, o vínculo não será considerado, facultada a providência prevista no § 3º.

 

§ 3º  O segurado poderá solicitar, a qualquer momento, a inclusão, exclusão ou retificação das informações constantes do CNIS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes, conforme critérios definidos pelo INSS. (Parágrafo incluído pelo Decreto nº 4.079, de 9.1.2002)

Porém, a autarquia previdenciária, a fim de legitimar sua recusa, não pode se basear unicamente no fato do vínculo não estar constando do CNIS: deve ir mais a fundo. Deve pesquisar se não consta recolhimento das contribuições previdenciárias para o período probando e a empresa empregadora  também não apresentou nenhuma GPS para o período.

Finalmente, cumpre ressaltar que a pedra de toque de toda e qualquer declaração, mormente em se tratando de CTPS, é que a mesma faz prova única e exclusivamente do conteúdo declarado, e não do substrato fático que deu ensejo ao documento.

7.3. Sentença Trabalhista Meio de Prova de tempo de Contribuição.

Circunscrever-se-á a discussão vertente sobre a força imperativa da sentença transitada em julgado, proferida pela Justiça do Trabalho, em relação à autarquia previdenciária, terceiro não participante da lide.

De começo, é de se dizer que o INSS não participou, nem poderia mesmo participar do processo trabalhista, por lhe faltar interesse jurídico para tanto. É que, não se pode afastar a relação de continência entre o interesse de agir e o objeto do pedido.

Nesse passo, é de se observar que, da indagação sobre qual o objeto do pedido em tal espécie de ação, a resposta não se afastará de sê-lo o reconhecimento da relação de emprego entre o(a) requerente e o empregador.

Desse reconhecimento da relação jurídica trabalhista, a priori, não decorre obrigação direta para a autarquia previdenciária, mas deita reflexos diretos apenas nos direitos trabalhistas, impondo ao empregador obrigações de fazer e dar, tudo restrito ao processo do trabalho.

Não se questiona aqui, por evidente, que o reconhecimento da citada relação jurídica poderá ser usado, quando do posterior pedido de benefício, como elemento de prova, como, aliás, sói acontecer por diversas vezes.

Denota-se, assim, que só reflexamente interessa ao INSS a demanda relativa à declaração do tempo de serviço questionado.

Assim o é porque, tanto o pedido imediato, quando o mediato daquela ação trabalhista, não visa compelir o ente previdenciário a efetuar qualquer prestação (positiva ou negativa) em favor do(a) requerente.

Reforça, inclusive, essa visão, a seguinte decisão, que, mutatis mutandi, amolda-se à situação em debate, proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Verbis:

TRIBUNAL - QUINTA REGIAO Classe: AC - Apelação Cível – 316663 Processo: 200305990005218 UF: CE Órgão Julgador: Primeira Turma Data da decisão: 06/05/2004 Documento: TRF500080488 DJ - Data::03/06/2004 - Página::559 - Nº.::106 Desembargador Federal Francisco Wildo

PREVIDENCIÁRIO. COMPANHEIRA. AÇÃO DECLARATÓRIA. DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. DISCUSSÃO RESTRITA A DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO. INSS. FALTA DE INTERESSE. APELO NÃO CONHECIDO.

- Conquanto a autora objetive na ação declaratória o reconhecimento de união estável para posteriormente pleitear a pensão por morte junto à Autarquia Previdenciária, a matéria versada nos autos é restrita ao Direito de Família, sendo despicienda a participação do INSS na lide, porquanto se a convivência de fato subsistiu, a presença desta Autarquia não afetará a constatação da referida situação fática.

- -O interesse indireto do INSS ou da Fazenda Nacional não justifica a sua intervenção para discutir Direito de Família dessa espécie. Exclusão da Autarquia da lide.-(STJ, CC Nº 27208/AL, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJU 05/02/2001, pág. 501.)

- Precedentes jurisprudenciais.

- Apelação não conhecida.

Resta, assim, evidente, que o INSS não poderia ocupar posição como parte no processo. E não sendo parte, como aliás, não poderia mesmo ser, cabe analisar a carga normativa que a sentença trabalhista de reconhecimento de vínculo teria sobre a autarquia.

De começo, deve-se reconhecer que não se pode desconsiderar, pura e simplesmente, a decisão judicial que reconhece o vínculo laboral e consequente tempo de contribuição do requerente.

Entretanto, não foi o INSS parte na lide, e como tal não está abarcado pela autoridade da coisa julgada material, ou seja, os limites subjetivos da coisa julgada material não o alcançam, de modo que não se encontra impedido de insurgir-se contra o decidido naquele processo.

Registre-se, mais uma vez, que essa insurgência não significa mera desconsideração da sentença, como fosse ela um “nada jurídico”.

Há que se distinguir, nesse passo, a autoridade da coisa julgada material (que é qualidade da sentença, ou mesmo efeito, como se escreve no CPC), com a eficácia natural da sentença, que, como ato estatal que é, fincado no princípio do estado democrático de direito, tem, a priori, eficácia que se estabelece para além das partes do processo, mas com carga de normatividade bem inferior do que a verificada em relação aos litigantes.

Não se olvida que aquela decisão ostenta o caráter de presunção relativa (juris tantum) da relação jurídica declarada, o que não impede, entretanto, que um terceiro, estranho ao processo, deixe de reconhecê-la, desde que demonstre que a mesma seria equivocada ou viciada, a ensejar o seu não acatamento como meio de prova.

Assim ocorre porque a imutabilidade e intangibilidade da sentença, após o trânsito em julgado, atingem apenas as partes entre as quais é proferida, como se deflui do art. 472, primeira parte, do Código de Processo Civil.

Com efeito, estatui o art. 472, primeira parte, do CPC:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Ora, não seria lógico admitir que terceiros estivessem condenados a cumprir resignadamente o que se decidiu sem o seu concurso, como se atingidos fossem pela autoridade da coisa julgada.

A peculiaridade é que, podendo não aceitar a sentença, devem fazê-lo de forma justificada, demonstrando a injustiça da decisão.

Evidente que, por não haver uma conexão necessária entre o direito trabalhista declarado na Reclamatória e o direito previdenciário, o liame entre a decisão ali proferida, e o terceiro INSS, mostra-se sobremaneira tênue, pelo que não se há de exigir necessite ajuizar ação tendente a anular a decisão judicial, ou que haja completa inversão do ônus da prova, como condicionantes para a não aceitação do julgado.

Além disso, o tempo de serviço somente é aceitável para fins previdenciários se baseado em início razoável de prova material, nos termos do art. 55, parágrafo 3, da Lei n. 8.213/91.

Essa, aliás, a ilação que se colhe da firme jurisprudência pátria, como demonstra o seguinte acórdão proferido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. ANOTAÇÕES FEITAS POR ORDEM JUDICIAL. SENTENÇA TRABALHISTA NÃO FUNDAMENTADA EM PROVAS DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL NÃO-CARACTERIZADO.

1. A sentença trabalhista será admitida como início de prova material, apta a comprovar o tempo de serviço, caso ela tenha sido fundada em elementos que evidenciem o labor exercido na função e o período alegado pelo trabalhador na ação previdenciária. Precedentes das Turmas que compõem a Terceira Seção.

2. No caso em apreço, não houve produção de qualquer espécie de prova nos autos da reclamatória trabalhista, tendo havido acordo entre as partes.

3. Embargos de divergência acolhidos.

(EREsp 616.272, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 24.10.2005)

Assim sendo, a nosso sentir, a sentença trabalhista, se for meramente homologatória de acordo, não realizando qualquer sindicância probatória, não pode ser considerada como início de prova material. Da mesma maneira, se a sentença trabalhista calcar-se exclusivamente em prova testemunhal, também não poderá ser admitida como meio de prova idôneo na seara processual-previdenciária.

Por outro lado, se a sentença da Especializada se operar com cognição verticalmente exauriente e horizontalmente ampla da plêiade probatória acoplada ao processo, sendo tal plêiade ilustrada com documentos, não há razão para desconsiderá-la como meio de prova idôneo, e mais que isso, contundente.

8. Aposentadoria por Tempo e Discussões Jurídicas Hodiernas dela resultante: Desaposentação e Fator Previdenciário.

A aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, tal como arranjada em nosso arcabouço legal, não impondo idade mínima para sua fruição e permitindo o retorno à atividade, transformou a aposentadoria em mero complemento de renda, além do que, retira da seara de contribuintes à Previdência pessoas em plena capacidade produtiva.

Com o escopo de coibir a aposentação precoce dos segurados, que onera a Previdência em flanco duplo, ou seja, gerando o pagamento de benefícios por um longo período de tempo e retirando do sistema os contribuintes à previdência (art. 195, II, 2ª parte, CRFB-88), o sistema previdenciário criou o fator previdenciário.

Em reação ao fator previdenciário, surgiu a tese da desaposentação, ou, mais corretamente, desaposentação e reaposentação, que consta justamente na tentativa daquele segurado que se aposentou precocemente, mas continuou em atividade, superar o fator previdenciário, fazendo com que as contribuições e faixa etária majorada alcançadas após a aposentação sejam contabilizadas para efeitos de obtenção de um benefício melhor que o primeiro. Vejamos os institutos com mais detença:

8.1. Fator Previdenciário.

O Fator Previdenciário, inserido no nosso ordenamento jurídico pela Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999, consiste em coeficiente encontrado pelos gestores da Previdência Social para dar cumprimento ao comando constitucional (art. 201, “caput”, da CF/1988) de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do Sistema Previdenciário.

O fator previdenciário manipula dados como tempo de contribuição, idade do segurado, expectativa de vida média do brasileiro para obter um coeficiente que será utilizado sobre o cálculo do salário-de-benefício do segurado, minorando-o tanto quanto forem reduzidas suas contribuições e sua idade.

A constitucionalidade da aplicação do fator previdenciário já foi discutida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal que, ao analisar a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº ADI 2111 MC/DF, com apenas um voto contrário, decidiu a favor da aplicação do fator previdenciário, indeferindo o pedido de declaração da inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da Lei nº 9.876/99 que deram nova redação ao artigo 29, -caput-, incisos e parágrafos da Lei nº 8.213/91.

Extrai-se do item 02 da Ementa da referida decisão a seguinte manifestação do STF:

 

“Quanto a alegação de inconstitucionalidade material do artigo 2º do Lei nº 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29 -caput-, incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91, a um primeiro exame, parecem corretas as objeções da Presidência da República e do Congresso Nacional.

É que o artigo 201, §§ 1º e 7º , da C.F., com a redação dada pela E.C. Nº 20, de 15.12.1998, cuidaram apenas, no que aqui interessa, dos requisitos para a obtenção do benefício da aposentadoria.

No que tange ao montante do benefício, ou seja, quanto aos proventos da aposentadoria, propriamente ditos, a Constituição Federal de 5.10.1988, em seu texto originário, dele cuidava no art. 202.

O texto atual da Constituição, porém, com o advento da E. C. nº 20/98, já não trata dessa matéria, que, assim, fica remetida “aos termos da lei”, a que se referem o -caput- e o  § 7º do novo art. 201.

Ora, se a Constituição, em seu texto em vigor, já não trata do cálculo do montante do benefício da aposentadoria, ou melhor, dos respectivos proventos, não pode ter sido violada pelo art. 2º da lei nº 9.876, de 26.11.1999, que, dando nova redação ao art. 29 da Lei nº 8.213/91, cuidou exatamente disso. E em cumprimento, aliás, ao -caput- e ao parágrafo 7º do novo art. 201”.

 

 

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deixou clara a distinção entre os requisitos para obtenção do benefício, constitucionalmente especificados, e a forma de cálculo dos proventos de aposentadoria, que foi remetida à regulamentação de lei própria, já declarada como compatível com o texto constitucional.

Ainda, observe-se que a criação do fator previdenciário respeitou as normas constitucionais que determinam o equilíbrio financeiro do Estado, previsto através das normas que regem o Orçamento Geral da União, do qual também faz parte o orçamento da seguridade social; e a necessidade de buscar o equilíbrio atuarial do Regime Geral de Previdência Social.

Isso posto, reputamos que o fator previdenciário é instituto indispensável à manutenção da exequibilidade do sistema previdenciário, notadamente diante da existência de uma aposentadoria por tempo de contribuição que não exige idade mínima e permite o retorno à atividade do segurado aposentado.

8.2. Desaposentação.

Quando o segurado encontra-se em gozo de aposentadoria por tempo de contribuição, tendo retornado ao trabalho e contribuído regularmente para a Previdência Social desde então, nos termos do art.12, parágrafo 4°, da Lei 8.212/91, por vezes pretende o mesmo incluir em seu benefício as contribuições que verteu posteriormente à sua aposentação. Essa é a desaposentação.

Entendemos que tal prática efetivamente não é possível, em face da atual legislação de regência conforme adiante restará demonstrado.

A) Constitucionalidade e legalidade da vedação legal à utilização das contribuições posteriores à aposentadoria para qualquer fim.

Desde a sua edição, em 1991, a Lei n. 8.213 veda a utilização das contribuições dos trabalhadores em gozo de aposentadoria para a obtenção de nova aposentadoria ou elevação da já auferida. Dizia a Lei, na sua redação original:

“Art. 18, § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, somente tem direito à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado, observado o disposto no art. 122 desta Lei.”

As alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/95 preservaram o parágrafo na sua essência:

“Art. 18, § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ela retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílio-acidente, quando empregado.” (Parágrafo com redação dada pela Lei n. 9.032, de 28-4-1995, DOU 29-4-1995).

A redação atual, vigente desde a MP n. 1.596-14, de 10-11-1997, mantém a vedação:

“Art. 18, § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.” (Redação dada pela MP n. 1.596-14, de 10-11-1997, DOU 11-11-1997, convertida na Lei n. 9.528, de 10-12-1997, DOU 11-12-1997)

O que se pretende demonstrar, ao citar as diversas redações que o art. 18 recebeu ao longo do tempo, é que o Congresso Nacional, no exercício do Poder Legislativo que lhe compete, não só aprovou como manteve a norma.

Outrossim, na seara constitucional, em virtude do princípio da solidariedade ou universalidade, a Primeira e a Segunda Turmas do Supremo Tribunal Federal consideraram constitucional a cobrança de contribuição previdenciária dos aposentados do Regime Geral de Previdência Social que retornam à atividade.

EMENTA: Contribuição previdenciária: aposentado que retorna à atividade: CF, art. 201, § 4º; L. 8.212/91, art. 12: aplicação à espécie, mutatis mutandis, da decisão plenária da ADIn 3.105, red.p/acórdão Peluso, DJ 18.2.05. A contribuição previdenciária do aposentado que retorna à atividade está amparada no princípio da universalidade do custeio da Previdência Social (CF, art. 195); o art. 201, § 4º, da Constituição Federal "remete à lei os casos em que a contribuição repercute nos benefícios.

(RE 437640/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,  Primeira Turma, DJ 02/03/2007)

 

 

EMENTAS: 1. RECURSO. Extraordinário. Acórdão com dupla fundamentação suficiente. Impugnação de um só dos fundamentos. Subsistência do fundamento infraconstitucional. Preclusão consumada. Não conhecimento. Aplicação da súmula 283. É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. 2. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Contribuição previdenciária. Aposentado que retorna ou permanece em atividade. Incidência. Jurisprudência assentada. Ausência de razões consistentes. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.

(AI-AgR 397.337/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 14/09/2007)

O referido entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, por exemplo: RE-AgR 393.672/RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 09/05/2008; RE 381.860/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14/04/2008.

Resta evidente, portanto, o entendimento do STF no sentido da constitucionalidade das contribuições destinadas ao custeio geral do sistema previdenciário, sem contrapartida de benefícios diretos à pessoa do contribuinte.

B) Da pessoa física apenas contribuinte, e não segurada, do sistema.

São diferentes as categorias de segurado, contribuinte e beneficiário. Nem todos os segurados são contribuintes (ex.: segurado desempregado, durante o período de graça), nem todos os contribuintes são segurados (ex.: empregador), nem todos os beneficiários são segurados (ex.: dependentes) e nem todos os segurados são potenciais beneficiários de qualquer benefício (ex.: os que não reúnem os requisitos, os que já estão aposentados).

Com essa afirmativa se pretende demonstrar que a obtenção de benefícios, ou de algumas espécies de benefícios, não é consequência automática e necessária da condição do recolhimento de contribuições.

Como a Constituição Federal (arts. 194,195 e 40) estabelece a participação solidária, é perfeitamente lógica a existência de contribuintes que não sejam beneficiários, isto é, que não tenham direito a usufruir de benefícios previdenciários.

Daí a conclusão (perfeitamente adequada) de Sérgio Pinto Martins:

“Há solidariedade entre as pessoas na cotização do sistema para a concessão do futuro benefício. Existe um contrato entre gerações... A massa de recursos arrecadada de todos é que paga os benefícios dos trabalhadores.... O aposentado que volta a exercer atividade remunerada tem relação de contribuinte, embora já esteja protegido pelo sistema, tanto que recebe benefício”.[6]

Destaque-se, inclusive, que a jurisprudência pátria tem firmado o entendimento de que não pode o segurado aposentado que volta a contribuir para o sistema utilizar-se desse fato para recalcular a renda do benefício, conforme transcrito a seguir:

“APOSENTADORIA ESPECIAL POR TEMPO DE SERVIÇO. ALTERAÇÃO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL DO BENEFÍCIO. CÔMPUTO DE SERVIÇO PRESTADO POSTERIORMENTE À APOSENTADORIA.

Não se pode pretender, sob pena de fraude à lei, a existência de direito à alteração do coeficiente de cálculo da renda mensal inicial de aposentadoria, mediante o cômputo de tempo de serviço prestado após a aposentação, em razão de novo contrato de trabalho.

O coeficiente de cálculo deve levar em conta o tempo de serviço prestado até a data da aposentadoria, e o art. 3º da Lei 6.950/81, vigente à época, previa que a aposentadoria dos segurados empregados sujeitos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT pressupunha efetivo e comprovado desligamento do emprego. Unânime”

(TRF1, AC 2006.01.99.009637-5/MG, Rel. Des. Federal Carlos Moreira Alves, julgado em 14.06.2006)

“PREVIDENCIÁRIO. DECISÃO JUDICIAL. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. REVISÃO.

1. A legislação previdenciária não permite que o segurado, uma vez aposentado, continue a contribuir, para alterar ou revisar o benefício já concedido.

2. No presente caso, o autor obteve, judicialmente, o direito à aposentadoria, a partir de janeiro de 1985. Assim, nos termos da ação judicial, o autor já se encontrava aposentado, a partir dessa data, sendo, portanto, indevidas as contribuições posteriores, para efeito de concessão ou revisão do benefício já reconhecido.

3. É ilegal a pretensão do autor. Ele almeja receber o benefício, entre janeiro de 1985 até julho de 1987, como aposentado, e, não obstante tal condição, continuar a contribuir, como segurado, de forma a recalcular a renda mensal do mesmo benefício, em julho de 1987. Tal possibilidade não encontra respaldo na legislação previdenciária.”

(TRF3, AC 96.03.082625-1, Juiz Santoro Facchini, DJU 26.02.2002)

 

C) Da opção por uma renda menor, mas recebida por mais tempo.

A obtenção de uma aposentadoria é, sim, fato impeditivo da utilização do mesmo tempo de contribuição para, somado a novas contribuições, obter nova aposentadoria. Explica-se.

Quando o segurado reúne os requisitos para a obtenção da aposentadoria por tempo, proporcional ou integral reduzida pelo fator, a Lei o coloca frente a uma opção, de sua inteira responsabilidade: (a) ele pode gozar do benefício por mais tempo, se optar por requerê-lo desde logo; ou (b) ele pode obter um benefício de valor mais elevado, se optar por permanecer trabalhando.

O que não está aberto ao segurado é fazer uma simbiose de ambas as opções, aproveitando o melhor de cada uma. É preciso que o segurado faça os seus cálculos, avalie sua expectativa de vida, sua necessidade imediata do benefício e, assim, tome a sua decisão. Muitas vezes a soma dos valores recebidos a título de uma aposentadoria por tempo proporcional ou integral minorada pelo fator é superior à soma que seria percebida a título de aposentadoria integral sem fator até o fim da vida do segurado, pois as primeiras hipóteses seriam pagas por mais tempo.

O oferecimento de uma renda maior (integral) àqueles que não optaram por se aposentar antecipadamente (proporcional) é uma necessidade do sistema.

Na medida em que a média de vida dos cidadãos aumenta, é preciso que o tempo em que estejam em gozo dos benefícios permaneça constante. Essa a razão para a recente introdução do fator previdenciário (Lei n. 9.876/99) e para a extinção da possibilidade de aposentadoria proporcional (EC n. 20/98). A mesma razão determina a concessão de aposentadoria integral apenas para quem não vem recebendo aposentadoria proporcional.

D)  Do desrespeito ao ato jurídico perfeito pela desaposentação.

Diz a Constituição em seu art. 5°, XXXVI, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”.

Ato jurídico perfeito é aquele que não depende de novas etapas ou manifestações dos sujeitos da relação para a sua validade. Isso implica o dever de respeitá-lo e a impossibilidade de sua modificação, exceto por acordo entre todos os sujeitos da relação jurídica (no caso do INSS, esta hipótese está descartada, pois não poderia ele dispor de um patrimônio que pertence à coletividade, sem a expressa determinação/autorização legal).

A consequência mais conhecida da formação de ato jurídico perfeito é a sua imunidade às alterações legislativas. A Constituição diz – “a lei não prejudicará...”. Mas existem outras consequência deduzíveis do ato jurídico perfeito. A que interessa mais para o presente estudo é de que os sujeitos da relação jurídica decorrente do ato não podem simplesmente exigir a sua alteração, principalmente quando a opção feita for onerosa para uma das partes (no caso, para o INSS).

A jurisprudência é clara em afastar a possibilidade de alteração unilateral do ato jurídico perfeito. Confira-se:

“DECISÃO: - Vistos. O ilustre Subprocurador-Geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira, no parecer de fls. 83-86, assim equacionou a controvérsia:

 

“(...)

1. Em 04 de janeiro de 1993, Orlando Dias passou para a inatividade. Verificou que a renda mensal de seu benefício era inferior a que usufruiria se tivesse se aposentado com proventos proporcionais quatro anos antes.

2. Ajuizou, então, perante a 11ª Vara Federal de São Paulo, uma ação ordinária, pedindo que se condenasse o INSS a calcular o valor de seus proventos com base na legislação vigente ao tempo em que deixou de requerer seu jubilamento com proventos proporcionais.

3. A Magistrada julgou improcedente a demanda e o Tribunal Federal da 3ª Região negou provimento ao apelo do segurado, consoante se apanha da seguinte ementa:

 

‘Previdenciário - Processual Civil - Aposentadoria - Ato jurídico perfeito.

-1 - O ato jurídico perfeito inserido em nosso ordenamento jurídico não permite alterar situação consolidada, em face de ato espontâneo do segurado.

2 - O requerimento e posterior concessão de aposentadoria integral por tempo de serviço consubstancia ato jurídico perfeito, o qual não pode ser afastado pela vontade unilateral da parte. A pretensão de revisão da renda mensal para equivaler ao valor da aposentadoria proporcional, como se tivesse sido este o benefício requerido, e não o integral, viola o instituto do ato jurídico perfeito, protegido a nível constitucional (art. 5º, XXXVI). 3 - Inexistência de ilegalidade na conduta do órgão previdenciário que concedeu exatamente o benefício requerido pelo segurado, a justificar a modificação da situação consolidada. 4 - Apelação improvida’ (fl. 45).

4. O aposentado não se resignou e acometeu o aresto por meio de recursos especial e extraordinário, que foram admitidos na origem. Os autos subiram ao STJ, que não conheceu do RESP, consoante se apanha da seguinte ementa:

‘Processual Civil. Recurso especial. Admissibilidade. Dissídio não caracterizado. Art. 255 do RISTJ. -Em casos nos quais só a comparação das situações fáticas evidencia o dissídio pretoriano, indispensável que se faça o cotejo analítico entre a decisão reprochada e os paradigmas invocados. A simples transcrição de ementas, sem que se evidencie a similitude das situações, não se presta, in casu, como demonstração da divergência jurisprudencial.

-Recurso especial não conhecido’.

4. Após o trânsito em julgado da deliberação do Superior Tribunal de Justiça, os autos seguiram para o STF, onde foi distribuído e enviado por Vossa Excelência à Procuradoria Geral da República.

5. O recorrente pretende reformar a deliberação do TRF. Para tanto, ratifica as razões da sua petição inicial, aduzindo ainda que o aresto guerreado violou o inciso XXXVI, do artigo 5º, da CF.

6. Mas não lhe assiste razão. O recorrente requereu sua aposentadoria integral por tempo de serviço em 04 de janeiro de 1993, quando, à luz da legislação vigente, reunia todos os requisitos para passar à inatividade. Não pode, portanto, pretender a aplicar, ao seu jubilamento, as normas da legislação anterior, mesmo sendo mais benéfica. É o que se apanha do seguinte enunciado:

 

‘Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária.

 

7. Aliás, o acórdão da Corte Regional está correto. Deve ser mantido por seus próprios fundamentos, verbis:

 

‘... A matéria posta a desate versa sobre a possibilidade de substituir o valor da renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de serviço integral, concedida em 04/01/93, pelo valor que resultaria do cálculo da prestação em 04/01/89, data em que o autor teria adquirido direito a pleitear aposentadoria proporcional, com o reajuste pelos critérios legais gerais da CLPS e legislação subseqüente e pelos específicos do art. 144 da Lei 8.213/91.

‘Com efeito, a Constituição Federal de 1988 determinou que a lei ordinária traçaria as diretrizes quanto às leis da Previdência Social, o que foi concretizado com o advento das Leis 8.212/91 e 8.213/91, regulamentadas pelo Decreto-Lei 357/91 e posteriormente 601/92. Assim, observando-se critério estabelecido em lei vigente, é de se concluir ter o INSS agido corretamente.

‘Nesse passo, tenho que a concessão de aposentadoria, bem como a sua revisão, devem reger-se pela lei vigente à época do pedido. Assim, a ausência de requerimento do benefício proporcional, aliada ao posterior pedido do benefício integral torna totalmente incabível a pretensão do autor, eis que a concessão de aposentadoria integral constituiu em ato jurídico perfeito, o qual não pode ser modificado pela vontade unilateral da parte. É de se perguntar qual a ilegalidade do ato da autarquia que concedeu o benefício requerido espontaneamente pela parte. Se o Instituto agiu pautado pelas normas legais aplicáveis à espécie, não se pode modificar ato que não se demonstra ilegal ou abusivo.

‘A alegação de que a pretensão estaria amparada pela égide do direito adquirido não procede. O titular preferiu continuar trabalhando ao invés de requerer a aposentadoria pelo critério proporcional. Pois bem, tendo sido feita a opção pela aposentadoria em sua integralidade, o que, em tese, seria mais vantajoso, não se pode, no momento atual, pretender que o cálculo da renda mensal inicial seja efetuado como se o autor houvesse se aposentado proporcionalmente, sob a alegação de que, assim, ele receberia benefício de valor maior. Ora, a simples descrição dos fatos afasta a alegação de direito adquirido, pois a concessão da aposentadoria integral decorreu de ato espontâneo do autor, que assim requereu o benefício. Desse modo, perfez-se o ato jurídico perfeito consubstanciado na concessão da aposentadoria integral...’ (fls. 42-43).

Com tais considerações, recomenda-se que Vossa Excelência negue provimento ao apelo extraordinário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

(...).” (Fls. 83-86)

Correto o parecer, que adoto. Em conseqüência, nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, CPC).

Publique-se.

Brasília, 25 de abril de 2005.

Ministro CARLOS VELLOSO

            - Relator –”

(STF, RE 352.391-SP, DJ n. 89, de 11.05.2005)

 

Entendimento contrário ofende a garantia constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, inserta no inciso XXXVI do art. 5° da CF/1988, garantia do direito fundamental à segurança jurídica e garantia dos indivíduos frente à retroatividade da lei, ao arbítrio judicial e à vontade unilateral dos indivíduos.

E) Violação ao art. 18, parágrafo 2?, da lei n. 8.213/91.

“O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”. (art. 18, §2º, Lei 8.213/91)

A lei, ao extinguir o pecúlio e o abono de permanência em serviço, não criou qualquer vantagem ou benefício que substituísse os efeitos daqueles. Ao revés, optou o legislador em reinserir a necessidade de contribuições dos aposentados pelo RGPS que continuassem a exercer atividades que os vinculasse obrigatoriamente ao regime.

Assim é que, não havendo proibição ao retorno da atividade, exceto no caso de aposentadoria por invalidez, ou mesmo a permanência em atividade, determina o art. 11, parágrafo 3?, da Lei de Benefícios, a filiação obrigatória quanto a esta atividade. Note-se, nesse sentido, que o aposentado é sujeito passivo de obrigação tributária ao permanecer em atividade remunerada.

E tal não significa ofensa ao texto constitucional, ao revés, é a própria Constituição Federal que, dispondo sobre a Seguridade Social, embasa-a no princípio da solidariedade. Justifica-se, dessa forma, a cobrança de contribuição do segurado que, aposentado, retorna ao mercado de trabalho e recolhe as contribuições pertinentes.

A matéria em discussão foi enfrentada pela Juíza Federal Marina Vasques Duarte, no processo n. 2000.71.00.001672-3, cujo trecho de sentença transcreve-se a seguir:

“Não me parece, in casu, que a limitação de novos benefícios a quem já teve deferida aposentadoria voluntariamente postulada fira o princípio da seletividade e da distributividade. Afinal, estes trabalhadores já estão ao abrigo da proteção estatal no que se refere a substituição dos rendimentos. E, o que me parece mais grave, pretendem ver estes valores revisados levando em consideração contribuições posteriores que efetuaram enquanto concomitantemente percebiam os valores referentes à jubilação, somando tempo de serviço e carência que levaram a concessão desta.”

O segurado, ao requerer voluntariamente a concessão do benefício de aposentadoria junto à autarquia previdenciária, delimitou a interrupção da contagem de tempo de serviço que pretendia ver computados os salários-de-contribuição. Não lhe é possível, desta forma, exigir ao órgão previdenciário, a revogação do ato concessório, sem a devolução dos valores recebidos como efeitos deste ato administrativo, sob pena de ter-se instaurado o enriquecimento ilícito, vez que o mesmo período e salários-de-contribuição seriam somados duas vezes, com o objetivo de majorar a renda mensal de sua aposentadoria.

Ressalte-se que existem os que prefiram denominar o caso em análise de desaposentação. Com o que não se pode concordar, uma vez que se trata, singelamente, de uma revisão do percentual da aposentadoria proporcional com período posterior à concessão.

F) Espúria superação reflexa do fator previdenciário

Veja-se que o fator previdenciário surgiu justamente para coibir a aposentação precoce, conduzindo o segurado a meditar sobre as questões colocadas no tópico “c”.

Consoante já dissemos no tópico 8.1., o fator previdenciário guarda coerência com a Carta política.

Caso permitamos o uso da desaposentação, estaremos, por via reflexa, declarando a inutilidade do fator previdenciário, porquanto não haverá qualquer desestímulo à aposentação precoce, já que o segurado, mesmo se aposentando aos 53 anos de idade, por exemplo, pode continuar em atividade por mais 7 anos, e, no fim de tal interregno, computar esse tempo para fins de concessão de outra aposentadoria, sensivelmente majorada pela diminuição do fator e incremento do número de contribuições.

A vontade do legislador não pode ser relegada à inutilidade em pose tão ostensiva e abjeta, com vistas a satisfazer a sanha individual por incremento de renda, e renda complementar e paralela a outra aferida em atividade.

G) Necessidade de devolução de valores, em se admitindo a desaposentação.

Ainda que viável e admitido o instituto da desaposentação dentro do mesmo regime, só se poderia aceitá-lo com efeitos ex tunc, cabendo ao autor a devolução dos valores recebidos, ou seja, a retirada dos efeitos jurídicos do ato que se quer desconstituir.

Pronunciou-se recentemente neste sentido a Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, nos autos do processo de nº 2002.71.01.001034-9, cujo trecho abaixo se colaciona:

“A renúncia a benefício previdenciário com tal finalidade implica, necessariamente, em revogação do ato de concessão de aposentadoria. Significa dizer que todas as conseqüências jurídicas daquele ato administrativo devem ser desfeitas, inclusive no que diz respeito aos valores monetários já percebidos a esse título. Inoperada a plena desconstituição da aposentadoria (com efeitos ex tunc), não há falar em aproveitamento do tempo de serviço, da carência e das contribuições que lhe deram ensejo, porquanto seria impossível a sua reintegração ao patrimônio jurídico do segurado. Entendimento diverso estaria possibilitando um bis in idem, no momento em que o mesmo período contributivo seria contabilizado para dois benefícios, concedidos em momentos diversos.

Ademais, ao protocolar pedido administrativo de concessão de benefício, o segurado está ciente que contará com o tempo de serviço/contribuição existente até aquela data e que eventual permanência no sistema, como segurado obrigatório, não lhe possibilitará uma recontagem para fins de revisão do mesmo benefício. Não fosse assim, o aposentado que permanecesse em serviço poderia modificar a RMI de seu benefício inúmeras vezes, tornando inacabado o ato concessório.”

 

Se prosperasse o entendimento acerca da desnecessidade de restituição à autarquia dos valores pagos, seria a mesma onerada injustificadamente, posto não se tratar de renúncia pura e simplesmente, mas sim de aproveitamento de requisito tempo de serviço e salários-de-contribuição já utilizados para a concessão de aposentadoria

Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência da 4ª Região, conforme julgados a seguir colacionados:

“PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO PARA PERCEPÇAO DE NOVA APOSENTADORIA NO MESMO REGIME PREVIDENCIÁRIO OU, SEM PEDIDO SUCESSIVO, A RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS A TÍTULO DE CONTRIBUIÇOES PREVIDENCIÁRIAS A PARTIR DA DATA DA APOSENTADORIA. ART. 18, PARÁGRAFO2 DA LEI 8213/91 COM A REDAÇAO DA LEI 9528/97. LEI 8870/94.

Não é renunciável o benefício de aposentadoria por tempo de serviço para percepção de nova aposentadoria no mesmo regime previdenciário. O exercício de atividade abrangida pela Previdência Social pelo segurado já aposentado não gera direito a novo benefício, não podendo perceber uma nova aposentadoria ou computar o tempo posterior ao jubilamento para fins de aumento do coeficiente de cálculo. A devolução das contribuições em forma de pecúlio não tem mais amparo legal desde a extinção deste  benefício pela Lei 8870/94. Apelação desprovida.”

(TRF4, AC: 2000.71.00.015111-0, Relator Juiz João Surreaux Chagas, 6ª Turma, DJU de 18.07.2001).

Além disso, permitir a desaposentação sem devolução dos valores recebidos geraria uma injustiça com aqueles segurados que optaram pela aposentadoria integral, permanecendo em atividade. Nesse aspecto:

“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

I - Da leitura do art. 18, §2º, da Lei n. 8.213/91, depreende-se que as contribuições vertidas pelo aposentado, em razão do exercício de atividade remunerada sujeita ao RGPS, não lhe proporcionarão nenhuma vantagem ou benefício, à exceção do salário-família e a reabilitação profissional.

II - As contribuições vertidas posteriormente à data de início do benefício de aposentadoria por tempo de serviço proporcional (16.03.1998; fl. 16), consoante atestam os documentos de fls. 25/26, não podem ser utilizadas para a majoração do coeficiente do salário-de-benefício, posto que, do contrário, configurar-se-ia reajustamento por via transversa, sem a devida autorização legal.

III - É pacífico o entendimento esposado por nossos Tribunais no sentido de que o direito ao benefício de aposentadoria possui nítida natureza patrimonial e, por conseguinte, pode ser objeto de renúncia.

IV - Na hipótese acima mencionada, as contribuições vertidas pelo autor poderiam ser aproveitadas para a concessão de novo benefício de aposentadoria por tempo de serviço com coeficiente maior, todavia sua situação deve se igualar àquele segurado que continuou exercendo atividade remunerada sem se aposentar, objetivando um valor maior para sua aposentadoria. Vale dizer, os proventos percebidos até a concessão do novo benefício devem ser devolvidos à Previdência Social devidamente atualizados, uma vez que, do contrário, criar-se-ia odiosa desigualdade com o segurado que decidiu continuar a trabalhar sem se aposentar, com vistas a obter a aposentadoria integral, em flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República).

V - Ante a sucumbência recíproca, cada uma das partes arcará com as despesas que efetuou, inclusive verba honorária de seus respectivos patronos, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil.

VI - Remessa oficial parcialmente provida.”

(TRF3, REOAC 1.098.018, Rel. Sérgio Nascimento, DJF3 25.06.2008)

Em arremate, consignamos que, sob nenhum prisma, se nos apresenta razoável a desaposentação, mesmo com a restituição dos valores recebidos.

CONCLUSÃO: O INSTITUTO DA APOSENTADORIA POR TEMPO SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO NO CONTEXTO PREVIDENCIÁRIO PÁTRIO.

 

Como sabido, Previdência Social calca-se no sistema da repartição simples, também conhecido como pacto de gerações, sistema esse caracterizado pelo ingresso de contribuições destinado a manter o sistema como um todo, em oposição ao sistema de capitalização, onde os segurados vertem contribuições que ficam atreladas às respectivas contas individuais.

O sistema de repartição simples, à luz do princípio da solidariedade, atende melhor ao ânimo constitucional, na medida em que ampara os benefícios que não são programados, os denominados benefícios de risco (morte e invalidez). Nos benefícios de risco, onde podemos observar a concessão de benefícios sem nenhuma ou apenas poucas contribuições, é a sociedade que é chamada à conta.

Nesse prisma, em um país como o Brasil, em que a demanda de benefícios por risco é alta, a existência de um benefício programado, como a aposentadoria por tempo, se nos apresenta desnecessário e supérfluo, máxime diante da inexistência de uma contingência social/risco social coberta(o).

Outrossim, a população brasileira envelhece e a expectativa de vida do cidadão aumenta[7], de maneira que o custo de manutenção do sistema será incrementado sensivelmente. A existência de uma aposentadoria concedida pelo só fato de o segurado ter laborado por 35 anos é um irrecusável convite à inatividade bem remunerada, trazendo como consequência a diminuição das fontes de financiamento da previdência.

Sob o prisma atuarial, com espeque evidente no aspecto demográfico, a aposentadoria por tempo é um desfavor à Previdência Social.

Na sequência, veja-se que a relevância social-previdenciária da aposentadoria por tempo é extremamente questionável, vez que não há qualquer fundamento para a ilação de que, após 35 ou 30 anos de trabalho, esteja o segurado impossibilitado de continuar a fazê-lo. Em nossa especial técnica, não há risco social/contingência social coberto(a) pela aposentadoria por tempo.

Anotamos, por oportuno, que a aposentadoria por tempo, diante do aumento da expectativa de vida do cidadão, torna-se muito dispendiosa. Imaginemos um segurado que se aposenta aos 53 anos de idade, tendo laborado por 35 anos; o mesmo irá fruir sua aposentadoria por, pelo menos, 21 anos. Veja-se que 35 anos de contribuições sobre, por exemplo, um salário mínimo (8% de R$678,00, ou seja, R$54,24), não serão suficientes ao pagamento, por 21 anos, de um salário mínimo[8]. É a sociedade que será chamada à conta, conta essa incrementada pelos benefícios de risco que, como já consignamos, as vezes não contam com qualquer contribuição por parte do segurado.

O sistema já repudiou a aposentadoria por tempo, tolhendo-a com o fator previdenciário, dando fortes indícios que sua existência compromete a executabilidade da proteção previdenciária. 

 A aposentadoria por tempo, tal como posta em nossa sistemática previdenciária, sem idade mínima, sem vedação ao retorno à atividade e com a chancela judicial à desaposentação, fulmina o princípio constitucional da solidariedade que, ao que parece, insiste em não ser aplicado a alguns segurados, que, por sua vez, enxergam o sistema previdenciário como se fosse de capitalização, reputando que suas contribuições devem volver-lhes, individual, direta e inexoravelmente, algum benefício. Isso é miopia social, egoismo individual, em detrimento da coletividade, alimentado pelo desconhecimento da matéria previdenciária.

Finalizando, dado que a aposentadoria por tempo pisoteia, a boca cheia, os princípios da solidariedade e da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, ambos de dignidade constitucional, e verificando-se que a suposta contingência social da mesma (labor por 35 ou 30 anos) não é albergada no art. 201 da CRFB-88, posicionamo-nos, em arremate ao quanto expusemos neste estudo, pela ilegitimidade previdenciária do instituto. Todavia, seu banimento do sistema deve ser acompanhado da salutar conscientização da sociedade quanto a seus efeitos nefastos na Previdência a médio e longo prazos.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva 2010.

CC Nº 27208/AL, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJU 05/02/2001, pág. 501

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 5 de outubro de 1988.

DECRETO 4.682/23.

EREsp 616.272, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 24.10.2005

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 4ª Edição. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

IBRAHIM, Fábio Zambite. Curso de direito previdenciário. 17ª Edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

IBRAHIM, Fábio Zambite. Desaposentação: o caminho para uma melhor aposentadoria. Niterói: Impetus, 2012.

LEI 8213/91.

LEI 3807/60.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 24ª Edição. São Paulo: Atlas, 2007.

REsp 640933, Relator(a) Ministro PAULO GALLOTTI, Data da Publicação DJ 12.08.2004.

REsp nº 409.563/RS, Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJU de 24/6/2002.

REsp nº 383.799/SC, Relator o Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJU de 7/4/2003.

REsp nº 413.846/PR, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJU de 3/6/2002.

REsp 434880, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/08/2002, DJU de 02/09/2002.

REsp 182204 – SP – 6ª T. – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 14.12.1998.

TRF-3ª Região, 1ª Turma, AC. 97.0303008482, Rel. Des. Fed. Roberto Haddad, dec. 08/04/97, DJ. 20/05/1997.

VIANNA, João Ernesto Aragonês, Curso de Direito Previdenciário. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2012.

ANEXO I - LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.

AGU – Advocacia-Geral da União.

Art. - Artigo.

CNIS – Cdastro Nacional de Informações Sociais.

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil.

CTPS – carteira de Trabalho e Previdência Social.

EC – Emenda Constitucional.

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.

LC – Lei Complementar.

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social.

RE – Recurso Extraordinário.

RGPS – Regime Geral de Previdência Social.

RMI – Renda Mensal Inicial.

Resp – Recurso Especial.

SB – Salário-de-Benefício.

SC – Salário-de-Contribuição

STF – Supremo Tribunal Federal.

  

[1]              Para dos segurados especial, avulso e contribuinte individual.

[2]              Para os segurados empregados.

[3]              ZAMBITE, Fábio Ibrahim. Curso de direito previdenciário. 17ª Edição. Impetus: Rio de Janeiro, 2012.

[4]              VIANNA, João Ernesto Aragonês, Ibidem, pag. 502.

[5]              MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social, pág. 330. 24ª Edição. São Paulo: Atlas, 2007.

[6]    MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 306 e 304.

[7]    74 anos e 29 dias. Www.ibge.gov.br.

[8]    Veja-se, ainda, que os 35 anos de contribuição podem não ser integralmente de efetiva contribuição, bastando a comprovação da carência de 180 meses.

 

 

Elaborado em novembro/2014

 

Como citar o texto:

GONÇALVES, Daniel Diniz..Aspectos Polêmicos Da Aposentadoria Por Tempo De Contribuição. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1214. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-previdenciario/3310/aspectos-polemicos-aposentadoria-tempo-contribuicao. Acesso em 1 dez. 2014.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.