O jurista italiano Francesco Carnelutti (1879-1965) foi um incansável defensor da proteção humana, de um direito penal e processual penal que garanta os direitos da vítima e do acusado, e do respeito às pessoas, sejam elas culpadas ou inocentes. Professor Titular das Universidades de Roma e de Milão, além de notável advogado, apresenta, no manuscrito “As misérias do processo penal”, publicado originariamente em 1957, (traduzido para diversas línguas, sendo, no Brasil, traduzido pelo advogado criminalista e Professor Dr. José Antônio Cardinalli, e reeditado constantemente em diversos Países devido à sua importância e ao seu caráter pioneiro nestas discussões, e sempre atual) a busca pela proteção da dignidade humana dos acusados frente à atuação do Estado Juiz nos julgamentos dos processos penais.

Para tanto, nesta obra, faz ferrenhas críticas ao sistema processual, bem como mostra a sua angústia como advogado atuante no calvário da advocacia criminal, frente à situação dramática dos acusados e dos condenados na esfera penal, trazendo considerações sobre a atuação do magistrado, do promotor de justiça, do advogado e exposições de opinião sobre o acusado, além de pontuar as dificuldades para o acesso à justiça a demonstração da inocência por meio da análise das provas.

Carneluti observa que, nos julgamentos, a disposição da sala e das cadeiras é desnivelada. O advogado fica ao lado do acusado, em andar inferior aos assentos do magistrado e do promotor. Este posicionamento é simbólico, como se o acusado estivesse no último degrau da escada, ao lado de seu advogado, que suplica aos demais colegas pela defesa de seu cliente.

Como decidir, sem ter certeza absoluta, se o acusado é culpado ou inocente? Como reconstituir os fatos para a análise sobre os motivos pelos quais o ato foi praticado, e se houve excludente de ilicitude ou de culpabilidade? Estas são duas das questões tormentosas que o autor apresenta, estimulando a reflexão sobre as conseqüências da acusação ou da absolvição na vida do acusado.

Ainda, Carnelutti brinda os leitores com discussões sobre a dinâmica da vida e a diferença entre a pessoa que cometeu o fato típico e a mesma pessoa, frente ao juiz, enfrentando o seu julgamento. O julgamento penal deve ser célere, afinal, a justiça tardia é uma grande injustiça. As normas processuais penais devem ser claras e de fácil compreensão, para que as pessoas saibam o que é permitido, o que é proibido e, no caso da prática de condutas proibidas, qual é a conseqüência jurídica. A publicidade no processo penal tem vital importância para que a segurança jurídica e a imparcialidade sejam garantidas. Entretanto, o jurista constata que nem sempre ela é garantida e respeitada.

Indo além das considerações sobre a condenação criminal transitada em julgado (ou seja, quando todas as vias recursais foram esgotadas), o autor mostra também as dificuldades enfrentadas pelos condenados à pena privativa de liberdade, quando são postos em liberdade após o cumprimento desta. As barreiras para a ressocialização são inúmeras. O egresso do sistema penitenciário não encontra respaldo nem no Poder Público e nem no setor privado, sofrendo imensas dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. A pena, portanto, que já foi cumprida, continua acompanhando o condenado, perpetuando o seu sofrimento.

Francesco Carnelutti pondera que, além do Direito, deve existir o bem-estar social da civilização. Entretanto, alerta que muitas pessoas estão encarceradas. Enquanto alguns estão encarcerados nas penitenciárias, outras pessoas estão encarceradas em seus próprios muros de egoísmo.

O amor, a compaixão e o exercício de se colocar no lugar do próximo são iniciativas de extrema importância para a proteção da dignidade humana, respeitando-se a todos, sejam eles culpados ou inocentes.

Bibliografia: CARNELUTTI, FRANCESCO. “As misérias do processo penal”. São Paulo: Russel, edição 2013. 

 

 

Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

MACEDO, Maria Fernanda Soares. .Resenha da obra "As misérias do processo penal". Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1241. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3548/resenha-obra-as-miserias-processo-penal. Acesso em 19 mar. 2015.

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