RESUMO

A fase pré-contratual está presente na formação da maioria dos contratos entre particulares, levando à criação de acordo provisório e contrato preliminar. A não efetivação do contrato e seu adimplemento causa uma quebra de expectativa contratual, que, em determinadas situações, pode acarretar responsabilidade civil pré-contratual, cuja análise da boa-fé é imprescindível à correta configuração dessa responsabilidade pré-contratual.

Palavras-chaves: Direito Contratual. Negociações Preliminares. Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Boa-fé.

SUMÁRIO

1.    Introdução

2.    Negociações preliminares

3.    Direito comparado

4.    Considerações finais

5.    Referências

1.    Introdução

Os contratos desenvolvem-se, via de regra, nas seguintes etapas: pré-contratual, contratual e pós-contratual. Sendo que esta fase engloba todos os acontecimentos posteriores ao adimplemento da obrigação estipulada no contrato, enquanto que a fase contratual consiste no momento da execução da obrigação de dar, fazer ou não fazer. Por fim, a fase pré-contratual será o objeto de estudo deste artigo, assim como a responsabilidade pré-contratual.

A fase pré-contratual inicia-se com as negociações preliminares, que se encerrarão com a formação do contrato, portanto abarcam os momentos de negociação, proposta e aceitação. Pode-se dizer que as negociações preliminares nascem quando há um indicativo de interesse, de propósito entre os contratantes, que por sua vez, podem ocorrer por meio da solicitação de orçamento, entre outros.

Até mesmo naqueles contratos de adesão e nos negócios jurídicos instantâneos há uma fase de natureza preliminar. Todavia, é bem mais restrita que nos demais contratos, visto que o contratante analisa os dados e informações e, consequentemente, busca verificar as vantagens patrimoniais da possível formação do contrato. Portanto, percebe-se que a fase preliminar, nesses tipos de contrato, possui uma natureza psicológica, interna ao agente, que não chega a se exteriorizar.

2.    NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES

Nessa fase do contrato, geralmente as partes celebram os acordos provisórios, que por sua vez, costumam ser chamados de protocolo/carta de intenções e minuta. Protocolo de intenções é o instrumento pelo qual as partes costumam estabelecer as regras que deverão ser seguidas no decorrer do contrato, enquanto que a minuta consiste na redação inicial do contrato, como se fosse um texto que ainda não se encontra na sua versão final, uma espécie de esboço, rascunho.

Apesar dos acordos provisórios não possuírem caráter vinculante, as partes já encontram-se vinculadas aos poucos pontos e cláusulas que foram determinadas naquele contrato.

É importante esclarecer a diferença entre as negociações preliminares e a proposta, esta caracteriza-se por exteriorizar, de forma definitiva, o projeto do contrato, ou seja, é uma manifestação de vontade bem definida em todos seus termos e só depende da aceitação da outra parte para a formação do contrato. Pode-se conceituá-la, então, como uma afirmação séria da vontade de contratar, sendo expressa, definitiva, completa e precisa.

Outra distinção relevante é entre as negociações que estamos tratando e o contrato preliminar. Enquanto aquelas não envolvem compromissos, nem geram obrigações às partes, até porque elas nem sabem se chegarão efetivamente a formar o contrato. Por outro lado, o contrato preliminar é uma convenção bem mais sólida e completa que demanda uma relação jurídica e um acordo de vontades, de natureza patrimonial; é como se fosse um “contrato já formado”, mas não foi executado por vontade das partes, dessa forma, esse contrato garante a futura executabilidade do contrato que fora firmado agora, não é por acaso que o objeto dos contratos preliminares é a futura execução do contrato principal pelas partes.

As tratativas não vinculam as partes, logo a recusa de iniciar qualquer negociação preliminar é algo natural, jamais enquadrado como abusivo, até mesmo pela coerência com o princípio da liberdade contratual.

O artigo 422 do Código Civil determina “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé.”; apesar do artigo tratar claramente apenas da fase contratual e pós-contratual, utiliza-se uma interpretação extensiva e sistemática, logo fica implícito que o enunciado do dispositivo engloba também o cumprimento honesto e leal da obrigação durante as negociações preliminares. Portanto, busca-se conciliar a autonomia privada com a noção da indispensável responsabilidade das partes sobre as legítimas expectativas de confiança. (Disponível no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm).

É possível dividir as consequências da boa-fé em três ramos, são eles o dever de esclarecimento, dever de proteção e dever de cooperação. O primeiro consiste no dever de fornecer à outra parte todas as informações devidas sobre o objeto do contrato e afins, ou seja, busca-se sanar todas as possíveis dúvidas quanto ao bem material e a questão procedimental do contrato. O segundo consiste no dever de proteger a outra parte, por meio do cuidado e prudência com o patrimônio e integridade psicofísica do outro. Por último, o dever de cooperação procura enaltecer e estimular a honestidade e lealdade, favorecendo a cooperação e a confiança das partes.  

Portanto, essa valorização máxima da boa-fé pretende proporcionar uma legítima expectativa de contratar que será baseada na confiança mútua dos contratantes, visto que os deveres de esclarecimento, de proteção e de cooperação procuram estabelecer e consolidar uma relação justa e amigável entre as partes. Implicitamente procura-se evitar o venire contra factum proprium, que ocorre quando há dois comportamentos que são lícitos e sucessivos, porém são contraditórios entre si, de tal forma que apesar da licitude e possibilidade de ambos os comportamentos, quando são sucessivos tornam-se contraditórios, logo lesam as expectativas da outra parte.

Inevitavelmente, surgirá a grande questão a ser respondida, até quando é possível, de forma lícita, a recusa de contratar. Acredita-se que essa recusa é lícita até aquele momento que não gera qualquer forma de prejuízo à outra parte, ou se houver a recusa com prejuízo, analisar-se-á o que motivou sua desistência.

O legislador pátrio adotou a teoria de que a quebra de confiança pela recusa de contratar só acontecerá nos momentos que estivessem mais próximos à conclusão do contrato, e não no início das negociações preliminares, pois entende-se exclusivamente que naqueles momentos haveria uma legítima expectativa de contratar. Por sua vez, o momento próximo à conclusão pode ser entendido a partir de quando as tratativas já tenham determinado os elementos essenciais, que são a capacidade das partes, licitude do objeto e a forma exigida pela legislação. Desde então, se uma das partes mudar de ideia, ou seja, recusar a conclusão do contrato, seja de forma injustificada, de forma culposa dar início a um contrato que já sabe não ser realizável ou faz exigências desproporcionais a ponto de fazer a outra parte desistir, a partir desses três critérios configura-se o abuso de direito.

Portanto, pode-se classificar essa responsabilidade civil pré-contratual em subjetiva ou objetiva, que dependerá da necessidade da existência ou não de culpa. Como dito anteriormente, o legislador, assim como a maior parte da doutrina, entende que nessa forma de responsabilidade há a exigência de culpa, visto que o enunciado do artigo 927 do Código Civil é bem claro ao determinar que “apenas há a obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos previstos em lei, ou quando atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (Disponível no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm).

Entretanto, existe entendimento no sentido contrário, ou seja, a dispensabilidade da exigência da culpa nos casos em que o dano se originou de quebra da boa-fé objetiva, que por sua vez, tem seu fundamento no entendimento da Jornada de Direito Civil, por meio do Enunciado nº 24, que afirma "Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.” (Disponível no link: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/670).

A consequência desse abuso de direito é exclusivamente a reparação de danos, sendo a abrangência da reparação motivo de divergência na doutrina. De um lado está o “interesse negativo” que pode ser entendido como todos os prejuízos oriundos da não conclusão do trabalho, por isso a reparação far-se-ia baseado nas perdas e danos daquele que teve sua expectativa de contratar frustrada, o valor referente ao dano emergente consiste nas despesas efetuadas pelo agente durante as tratativas por ter acreditado, de boa-fé, na futura conclusão do contrato, enquanto que o lucro cessante consiste na perda de qualquer outro negócio que a parte deixou de acordar simplesmente por estar envolvida na fase preliminar do contrato frustrado, todavia a parte deverá provar todas as outras ocasiões que não se consolidaram em virtude da sua confiança na futura formação desse contrato. Portanto, o que se busca com a teoria do “interesse negativo” é restituir à parte lesada a situação que ela se encontrava antes da estipulação do negócio.

A teoria do “interesse positivo” abarca todas as vantagens que o agente lesado teria caso o contrato fosse efetivado, ou seja, é toda a vantagem patrimonial que ele receberia com o adimplemento do contrato, logo a reparação seria, de modo indireto, a própria execução do contrato. Esse mecanismo de reparação é extremamente incoerente com a liberdade de contratar, pois caso o sujeito viesse a recusar a conclusão do contrato em algum momento que as tratativas já tenham determinado os elementos essenciais, ele estaria, implicitamente, obrigado à execução do contrato, visto que teria que reparar toda a vantagem patrimonial advinda do contrato não concluído.

3.     DIREITO COMPARADO

Esse aspecto da responsabilidade civil é passível de comparação com o direito de outros países, em especial os europeus. O direito civil alemão foi o que tratou mais detalhadamente desse instituto, uma vez que abrangeu diversos casos e hipóteses de reparação, o famoso BGB, nome pelo qual é conhecido o Código Civil alemão, sofreu algumas alterações e desde então passou a existir expressamente diversos casos de culpa in contrahendo, nome que designa a responsabilidade pré-contratual oriunda de culpa.

O Código português dispõe de um interessante conceito desta modalidade da responsabilidade civil, visto que se fundamente na violação do dever de boa-fé para o surgimento da responsabilidade pré-contratual, assim como o fundamento utilizado no Código Civil brasileiro. Afirma o artigo 227 da legislação civil portuguesa: “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.” (Disponível no link: http://www.codigocivil.pt/).

Já na Itália, o Código Civil também possui previsão da culpa in contrahendo, no seu artigo 1.337, enunciando que o término injustificado das negociações, assim como o dever de informar a parte sobre a causa de invalidade do contrato são causas de responsabilidade pré-contratual.

Por outro lado, a França não possui qualquer dispositivo que regule a responsabilidade pré-contratual, todavia a doutrina e jurisprudência se encarregaram de vetar o término injustificado das negociações preliminares quando já estivessem mais avançadas, enquadrando-as no conceito de culpa in contrahendo.

Por último, a Espanha não possui um artigo ou enunciado que regule expressamente essa forma de responsabilidade civil, todavia, possui no Código Civil uma cláusula geral de boa-fé, que por sua vez, poderia ser aplicada nos casos de ruptura das tratativas, visando o ressarcimento dos prejuízos.

4.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, apesar do Brasil não possuir claramente um artigo que trate sobre o tema, esse instituto já está consagrado, inclusive no âmbito da Administração Pública e nas relações de consumo, cujo objetivo é evitar a prática da publicidade abusiva e enganosa.

Logo, o tema desenvolvido por Rudolph Von Jhering, responsabilidade pré-contratual, mostra-se totalmente presente e necessário no ordenamento jurídico pátrio devido as diversas mudanças de paradigmas no âmbito jurídico em razão da evolução da sociedade. Embora parte da doutrina cite outros fundamentos à responsabilidade pré-contratual, entendo que a boa-fé objetiva continua sendo o melhor deles, visto que por meio dela um número maior de casos e hipóteses podem ser abrangidos.

Por fim, entende-se que a aplicação da responsabilidade pré-contratual é imprescindível, visto que ela garante maior segurança nas fases anteriores à criação das relações jurídicas, estando em concordância com o princípio da boa-fé, sancionando a ação daqueles contratantes de má-fé que acabam gerando danos injustos à outra parte.

5.    REFERÊNCIAS

·         Código Civil de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 22/06/2016.

·         GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 13. Ed. V. 3. São Paulo: Saraiva. 2016.

·         ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil. 6. Ed. V. 4. Salvador: JusPodivm, 2016.

·         SILVA, Emanuelle Clayre. Breves Apontamento Acerca da Responsabilidade Pré-Contratual. Disponível em: . Acesso em 22/06/2016.

·         SILVA, Thais Borges da. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Disponível em: . Acesso em 22/06/2016.

Data da conclusão/última revisão: 2016-07-27

 

Como citar o texto:

MARGALHO, George Almeida..Negociações preliminares e responsabilidade civil pré-contratual. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 27, nº 1437. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-obrigacoes-e-contratos/3647/negociacoes-preliminares-responsabilidade-civil-pre-contratual. Acesso em 10 mai. 2017.

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