Resumo:

Este trabalho visa mostrar e ponderar acerca dos critérios adotados pelo Código Penal Brasileiro sobre as chamadas "causas supra legais" de justificação, as quais afastam o direito de punir do Estado, por serem casos restritos ou especiais.

Também será relatado quais são os requisitos obrigatórios para que possam ser definidas as excludentes e as teorias que as justificam, e, se condizentes com a norma penal.

A partir deste trabalho será possível compreender os limites de aplicação do Direito Penal e a plausibilidade das teorias apresentadas, bem como os critérios adotados para que a não aplicação da norma penal faça-se necessária.

                                                                                                                                 

Palavras-chaves: Tipicidade. Material. Formal. Coação física absoluta. Insignificância. Adequação social. Conglobante.

Sumário: Introdução. 1. Das excludentes de tipicidade. Conclusão.

Introdução:

O tipo delitivo, definindo uma ação ilícita ou ainda apresentando norma com relação a conduta ilícita contém: a) proibição da conduta descrita (o elemento valorativo que espelha o seu conteúdo material e atua como fator limitativo do juízo de adequação típica); b) a descrição da conduta proibida (o aspecto fático sobre o que incide a valoração e a proibição da norma).

Há elementos objetivos no tipo que são os que possuem validade externa, independentes do sujeito, e que podem ser constatadas por outras pessoas. Serão eles descritivos ou normativos. Os primeiros são os que exprimem juízos da realidade (matar alguém). Os segundos são os constituídos por termos ou expressões que só adquirem sentido quando completados por um juízo de valor preexistente em outras normas, como por exemplo: coisa alheia, propriedade, funcionário público, etc.

Por sua vez, os elementos subjetivos da norma são os fenômenos anímicos do agente, o dolo, intenções, motivos especiais.

Tipicidade, pois, é a descrição legal de um fato que a lei proíbe ou ordena. A conduta humana deve se amoldar a definição de um crime, de forma que preenchendo todas as características será considerada típica.

Fala-se numa tipicidade penal que é tipicidade formal mais tipicidade conglobante. Por sua vez, tipicidade formal é adequação do fato ao tipo penal incriminador. Tipicidade material é a materialização do tipo formal, entendida como a concretização da conduta prevista na norma penal incriminadora que prova uma lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado. Ainda se tem por antinormatividade a conduta não exigida ou não fomentada pelo direito. A tipicidade conglobante é a tipicidade material mais a antinormatividade.

Haverá excludente de tipicidade: a) na aplicação da coação física absoluta; b) na aplicação do princípio da insignificância; c) na aplicação do princípio da adequação social; d) na aplicação da teoria da tipicidade conglobante.

1) Das excludentes de tipicidade

             

              O primeiro elemento do crime é o fato típico.

              A tipicidade de um fato depende da adequação da conduta voluntária e consciente a descrição prevista em Lei de forma perfeita. É o fenômeno da subsunção do fato à Lei.

              A Lei, ao descrever a conduta, traz indiretamente exatamente a proibição legal.

              No exemplo clássico do art. 121 do Código Penal, ao prever a conduta “matar alguém”, a Lei está justamente trazendo a conduta que é proibida, impondo um dever a todos: não matar outra pessoa.

              O fato típico ainda traz um elemento de valoração feita pela Lei, pois aponta, também indiretamente, qual direito deseja tanto preservar que pune, com pena, quem violar ou mesmo ameaçar este direito.

              No caso do art. 121 do Código Penal, é o direito a vida. Ciente que este é o direito básico, pois sem vida, nenhum outro direito pode ser exercido, a Lei traz as maiores punições para quem violar este direito elementar.

              O tipo penal previsto no citado art. 121 do Código Penal é um dos mais claros e simples da Lei, pois traz elementos de fácil constatação. Primeiro, a morte. O art. 3º da Lei 9.434/97, a Lei de Transplante de Órgãos, caracteriza o momento da morte como a morte encefálica, ou seja, a cessação das atividades cerebrais. Segundo, alguém, que é um ser humano, já que a Lei tutela a vida humana neste tipo legal.

              Há, no entanto, outros tipos legais que trazem elementos mais complexos, que dependem de valoração pelo intérprete. São os elementos normativos do tipo. Estes, diferentes dos elementos descritivos, como o citado anteriormente, dependem de uma valoração do aplicador da Lei.

              Exemplo clássico de elemento normativo está no crime de furto, o elemento “coisa alheia”. O elemento descritivo subtrair é de fácil constatação, já que é a conduta de retirar um bem da esfera de vigilância do possuidor ou detentor. Já “coisa alheia” depende de entender quais são as coisas próprias do agente e, por exclusão, quais acabam sendo as coisas alheias. Tal interpretação depende do conceito de propriedade, que é um conceito de Direito Civil, trazido pelo art. 1.228 do Código Civil. Embora, vale dizer, que o citado dispositivo legal não defina a propriedade, mas o proprietário pelo sentido dos direitos que este tem sobre uma determinada coisa. Assim, somente quando é igualmente interpretado que uma pessoa tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, é que tem, de início, apenas o conceito de proprietário.

              O fato típico ainda depende de um elemento anímico, segundo a Teoria Finalista do Crime. Isto porque, segundo esta teoria, toda conduta criminosa tem que ser voluntária e consciente.

Vale trazer neste ponto que, segundo a Teoria Social da Ação (ou da ação socialmente adequada), ação é a conduta socialmente relevante, dominada pela vontade humana.

Postos os elementos que constituem o fato típico, haverá excludente de tipicidade na ausência de quaisquer destes elementos típicos.

Segundo a doutrina, haverá excludente de tipicidade: a) havendo coação física absoluta; b) na incidência do princípio da insignificância; c) na incidência do princípio da adequação social e d) na incidência da teoria da tipicidade conglobante.

A teoria finalista, como supra citado, exigido que a conduta seja realizada de forma livre. Na coação física irresistível, o agente não age de forma livre.

Na Vis Absoluta, em verdade, nem há que se falar em conduta, pois o agente tem sua atividade totalmente dominada por outra pessoa. É o caso, por exemplo, daquele agente que, segurando uma arma, tem sua mão forçada fisicamente a apertar o gatilho. Na verdade, o agente coator é que apertou o gatilho, tendo apenas o dedo do agente coato entre o seu e o gatilho.

Existe ainda a Vis Relativa, em que existe a conduta, mas ela não é livre na sua vontade, não porque tomada por um agente físico, mas por uma ameaça que se caracterize com uma coação moral. Neste caso, o agente não atua de forma livre, pois está sendo obrigado a fazê-lo, sob pena de sofrer um efeito danoso inadmissível. Assim, a coação, para retirar a voluntariedade, deve ser irresistível.

A Vis Relativa, no entanto, é uma excludente de culpabilidade, pois a conduta existe, apenas não é reprovável aos olhos da Lei. Assim, por haver um juízo de valor sobre a conduta, sua análise está no campo da culpabilidade.

Vale destacar que o Código Penal não é intolerante quando a coação é resistível, já que existe uma certa limitação da liberdade de agir. Assim, determina a atenuação da pena, já que, embora limitada, ainda assim, o agente preferiu praticar a conduta criminosa. Neste caso, há punição porque a vontade não estava viciada.

Com a devida vênia ao entendimento contrário, o Princípio da Insignificância não está no campo da antijuridicidade, mas da tipicidade.

Isto porque não há como haver sequer adequação típica para condutas que recaiam sobre fatos insignificantes, sem qualquer relevância jurídica.

Por exemplo, não há o que se falar em crime de descaminho, previsto no artigo 334, § 1º, do Código Penal, se houver apenas a posse de pequena quantidade de produto de valor tão reduzido que não caracterize uma lesão tributária.

O fato que tenha por objeto, um elemento de tão pequeno valor que sequer possa atingir o direito efetivamente tutelado não constitui crime, não porque a Lei não o considera criminoso, o que caracterizaria a antijuridicidade, mas porque ele não possui relevância para ser analisado no âmbito penal. Ou seja, o fato não tem relevância suficiente a ponto de ter reflexos jurídicos na esfera penal.

Segundo o Princípio da Adequação Social da Conduta, não há fato típico se a conduta caracteriza-se como um comportamento conforme o que se espera em uma determinada circunstância.

O Direito Penal não pode considerar sequer típica, uma conduta socialmente aceita.

Como o Direito Penal só comina pena às condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio, sem relevância social não há relevância jurídico penal. Sendo assim só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação.

Por sua vez, a tipicidade conglobante, teoria proposta por Eugenio Raúl Zaffaroni, entende que o Estado não pode considerar típica uma conduta que é fomentada ou tolerada pelo Estado. O que é permitido, fomentado por uma norma, não pode estar proibido por outra.

 

Conclusão:

Tipicidade corresponde à subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador.

Segundo a doutrina e jurisprudência majoritária, a tipicidade penal se divide em dois elementos: tipicidade formal (mera adequação da conduta ao tipo penal) e a tipicidade material (consiste em critério que afere a importância do bem no caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal).

Contudo, para Eugenio Raúl Zaffaroni os elementos da tipicidade penal são divididos em: tipicidade formal e tipicidade conglobante (sendo que que esta é formada pela tipicidade material e a conduta antinormativa).

Entretanto, haverá excludente de tipicidade nos seguintes casos: a) na aplicação da coação física absoluta; b) na aplicação do princípio da insignificância; c) na aplicação do princípio da adequação social; d) na aplicação da teoria da tipicidade conglobante.

 

Referências bibliográficas:

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

JESUS, Damásio de. Direito penal. V. 2. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Fundamentos de direito penal brasileiro: lei penal e teoria geral do crime. São Paulo: Atlas, 2010.

Data da conclusão/última revisão: 2017-09-13

 

Como citar o texto:

ITO, Lilian Cavalieri; ITO, Michel..Das excludentes de tipicidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1479. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3743/das-excludentes-tipicidade. Acesso em 25 out. 2017.

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