RESUMO

A Organização dos Estados Americanos (OEA), com o intuito de priorizar a garantia, proteção e promoção dos direitos das mulheres e coibir a violência contra a mulher estabeleceu, em 1994 no Brasil, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará; instrumento basilar para outros mecanismos de proteção aos direitos da mulher e prevenção e repressão à violência de gênero. Este trabalho tem por finalidade explorar a promoção, prevenção e combate à violência doméstica sob a ótica da Convenção Interamericana em epígrafe e os instrumentos normativos advindos dessa convenção.

Palavras-chave: Convenção de Belém do Pará; Lei Maria da Penha; Feminicídio; Agosto Lilás.

 

ABSTRACT

The Organization of American States (OAS), in order to prioritize the guarantee, protection and promotion of women-s rights and to curb violence against women, established in 1994 the Inter-American Convention on the Prevention, Punishment, and Eradication of Violence against Women the Woman - Convention of Belém do Pará; a basic instrument for other mechanisms for the protection of women-s rights and prevention and repression of gender violence. The purpose of this study is to explore the promotion, prevention and combat of domestic violence, from the point of view of the above-mentioned Inter-American Convention and the normative instruments derived from this Convention.

Keywords: Convention of Belém do Pará; Maria da Penha Law; Feminicide; August Lilac.

RESUMEN

La Organización de los Estados Americanos (OEA), con el fin de priorizar la garantía, protección y promoción de los derechos de las mujeres y cohibir la violencia contra la mujer estableció, en 1994 en Brasil, la Convención Interamericana para Prevenir, Sancionar y Erradicar la Violencia Contra la Mujer - Convención de Belém do Pará; instrumento básico para otros mecanismos de protección de los derechos de la mujer y prevención y represión de la violencia de género. Este trabajo tiene por finalidad explorar la promoción, prevención y combate a la violencia doméstica bajo la óptica de la Convención Interamericana en cuestión y los instrumentos normativos que se derivan de dicha convención.

Palabras-clave: Convención de Belém do Pará; Ley Maria da Penha; Femenio; Agosto Lila.

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.

2. LEI MARIA DA PENHA

3. FEMINICÍDIO

4. CAMPANHA AGOSTO LILÁS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

 

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios dos tempos as mulheres vêm sendo vítima de preconceito e discriminação, visto que a sociedade é arraigada por valores que enaltecem o sexo masculino em detrimento ao feminino. Situação inadmissível em uma ordem jurídica que busca a igualdade entre as pessoas em observância os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. O respeito às liberdades civis e à igualdade de gênero é um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito, por isso, a não proteção e promoção dos direitos das mulheres coloca qualquer país em descrédito perante os órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos.

No entanto, o direito ao tratamento igualitário às mulheres e sua proteção não foi reconhecido de forma espontânea pelos Estados, como sempre o reconhecimento desses direitos só ocorreu após o crescente número de mulheres agredidas pelos companheiros, além de muitas lutas e movimentos reivindicatórios.

Somente após essas ações os Estados começaram a tratar com prioridade a proteção e promoção dos direitos das mulheres, tanto em âmbito internacional quanto nacional, bem como, passou-se a ser assunto prioritário dos organismos internacionais de direitos humanos.

A Constituição Federal de 1988, eleita a constituição cidadã, trouxe em seu texto uma maior proteção às mulheres quando estabeleceu no art. 5º, I, que homes e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Nesse sentido leciona Alexandre de Moraes em sua obra Direitos Humanos Fundamentais (2005, p. 90):

“A correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrimen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis.”

 

O art. 226 da Carta Magna trouxe igualdade de direitos e deveres da mulher no ambiente familiar, conforme dispõe o § 5º “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”, insta mencionar o § 8º do artigo acima que aponta ser o Estado o responsável por criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar.

O presente trabalho tem por objetivo explorar a prevenção e o combate à violência doméstica sob a ótica da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, da mesma maneira os instrumentos normativos de proteção à violência contra a mulher que surgiram após o advento dessa referida convenção.

1. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.

Diante da crescente e desenfreada violação aos direitos humanos das mulheres e em decorrência dos movimentos reivindicatórios de mulheres e feministas, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), no ano de 1994, aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conhecida também por Convenção do Belém do Pará pelo fato de ter sida realizada nesse município do território brasileiro. Conforme preconiza os delegados da OEA:

“A Assembléia Geral,

[...]

Preocupada porque a violência em que vivem muitas mulheres da América, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, é uma situação generalizada.”

Essa convenção tem por objetivo fazer com que os Estados que depositaram adesão na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos promovam, garantam e protejam todos os direitos das mulheres para almejar uma sociedade justa, solidária e pacífica, conforme estabelece o preâmbulo da referida convenção:

“A Assembléia Geral,

Considerando que o reconhecimento e o respeito irrestrito de todos os direitos da mulher são condições indispensáveis para seu desenvolvimento individual e para a criação de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica”.

 

A Convenção de Belém do Pará teve depósito de adesão do Brasil em 27 de novembro de 1995, sendo que na forma de seu art. 21 passou a vigorar nesse país em 27 de dezembro do mesmo ano. Apenas em agosto de 1996, por meio do Decreto 1.973, a ratificação dessa convenção passou a ter força legislativa.

O preâmbulo da Convenção do Belém do Pará orienta que violência contra mulher constitui violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, além de limitar a mulher, no todo ou em parte, o reconhecimento, gozo e exercícios de direitos a elas inerentes pelo simples fato de possuir condição humana. Essa convenção preconiza que todo tipo de violência contra a mulher é uma ofensa a dignidade humana, outrossim, manifesta-se uma histórica desigualdade entre os sexos.

Esse instrumento internacional é composto de vinte e cinco artigos distribuídos em cinco parágrafos, neles há a definição do que é violência contra a mulher (capítulo I), quais são os direitos que devem ser protegidos em virtude da expressiva violação (capítulo II), estabelecem quais são os deveres dos Estados que aderirem a presente convenção (capítulo III), impõem mecanismos internacionais cujo objetivo é garantir a mulher uma vida livre e justa sem violação aos seus direitos (capítulo IV) e interpretação, ratificação, proposta de emenda e vigência (capítulo V).

Conforme disposto no artigo 1º da Convenção, violência contra a mulher é “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.

No artigo seguinte (2º) são apresentados os tipos de violência que as mulheres são submetidas em decorrência da visão machista de alguns indivíduos, também os locais de ocorrência dessa violência, além de ser considerada violência contra a mulher a perpetuação ou tolerância dela pelo Estado ou seus agentes, vejamos:

“Art. 2º - Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica:

a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;

b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e

c. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.”

No capítulo II da Convenção em comento, podemos verificar quais são os direitos protegidos, os quais devem ser garantidos tanto no âmbito público como no privado; dentre os direitos consagrados podemos citar o direito à vida, integridade física, liberdade, segurança, a não submissão a tortura, dignidade própria e de sua família, igualdade, justiça efetiva e célere, liberdade de associação e de religião, participação na vida pública, a não discriminação, educação livre de padrões estereotipados, dentre outros.

A Convenção aduz nos artigos 7º e 8º quais são os deveres do Estado para prevenir, erradicar e eliminar qualquer tipo de violência contra a mulher, podemos verificar que essas orientações são medidas proativas na proteção dos direitos das mulheres. Dentre as mencionadas medidas temos que os Estados e seus agentes devem adotar políticas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, abster de qualquer ação que vinha a violar o direito da mulher, criar ou incluir na legislação interna normas penais, civis e administrativas contra esse tipo de violência e retirar do ordenamento vigente normas que vão de encontro aos direitos em questão, estabelecer medidas protetivas com a finalidade de impedir que o agressor volte a delinquir, modificação de padrões sócio-culturais, inclusão nos currículos profissionalizante do pessoal da administração da justiça, policial e outros funcionários encarregados da proteção ao direito da mulher, orientações para prevenção dessa violência, dentre outros.

Observa-se no art. 10 do Capítulo IV da Convenção que os Estados, os quais aderirem ao presente instrumento interamericano, devem apresentar nos informes periódicos da Comissão Interamericana de Mulheres quais são as medidas que estão sendo adotadas com o intuito de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, qual a forma utilizada para proteger/assistir a mulher afetada pela violência, quais são as dificuldades para a aplicação da referida Convenção, além de demonstrar quais são os fatores predominantes da violência contra a mulher. Já o próximo artigo (11) dispõe que os Estados ratificantes podem solicitar opinião consultiva acerca da correta interpretação da Convenção. Em seguida, no artigo 12 do capítulo acima, qualquer pessoa ou entidade não governamental reconhecida pode apresentar petição com denúncia ou queixa de violação ao direito da mulher à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Por fim, o Capítulo V da Convenção traz as disposições gerais, dentre elas é importante mencionar que os Estados não podem interpretar a convenção com o objetivo de restringir ou limitar o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e na legislação interna que garantam iguais ou maiores proteção a mulher, poderá assinar a convenção os Estados membros da Organização dos Estados Americanos e qualquer outro Estado, a carta de ratificação da convenção pelo Estado deverá ser depositada na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, os Estados poderão realizar reserva do disposto na Convenção desde que não sejam incompatíveis com os objetivos ou genéricas, o prazo para início de vigência da Convenção será de trinta dias após o depósito do instrumento de ratificação, qualquer Estado parte da Convenção poderá apresentar emenda à Convenção, dentre outras.

2. LEI MARIA DA PENHA

Mesmo o estado brasileiro, em 1.995, tendo ratificado e depositado adesão a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher a efetiva observância aos preceitos contidos nessa convenção não foram efetivamente colocados em prática, visto que as mulheres brasileiras ainda continuavam a ter seus direitos restringidos ou garantidos de forma incipiente. Quando no ano de 2001, por meio do relatório 54/01 de 04 de abril de 2.001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou e responsabilizou o Brasil por tolerância, negligência e omissão a violência que as mulheres viam sofrendo.

Dentre as medidas impostas pela Comissão ao estado brasileiro está a rápida e efetiva conclusão do processo penal envolvendo a senhora Maria da Penha Maia Fernandes, proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva com o intuito de identificar o responsável pelas irregularidades e atrasos no processamento do autor, reparação simbólica e material pelas violações aos direitos da vítima, a criação de uma legislação de proteção, prevenção e punição a violência contra a mulher, capacitar e sensibilizar os funcionários judiciais e policiais acerca da importância de não se tolerar a violência doméstica, fazer com que os procedimentos judiciais e policiais envolvendo esse tipo de violência sejam mais céleres, multiplicação das delegacias especializadas no atendimento e defesa dos direito da mulher, incluir nos planos pedagógicos e matrizes curriculares a importância do respeito à mulher e a seus direitos.

Desta forma, foi criada no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, para coibir a violência doméstica e familiar as quais são consideradas violação dos direitos humanos, conforme os termos do Capítulo I do Título II:

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o  A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.424, de 09 de fevereiro de 2012, julgou inconstitucional os artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006,  conferindo aos crimes que resultarem em lesão corporal, independentemente da gravidade do fato, natureza incondicionada da ação penal quando a violência contra a mulher ocorrer no ambiente doméstico e familiar. Trata-se de uma evolução nas garantias dos direitos humanos das mulheres, visto que muitas vítimas, por diversos problemas, não representavam em desfavor do agressor, o que as colocavam num ciclo cíclico de violência.

A violência doméstica sofrida pela senhora Maria da Penha foi o primeiro caso em que se aplicaram os preceitos contidos na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará. Ser  condenado por uma corte internacional, neste caso o primeiro país a sofrer uma sanção por violação ao direito da mulher, representa um constrangimento imensurável perante os demais Estados.

Maria da Penha Maria Fernandes, farmacêutica formada, recebeu uma bolsa de estudo para cursar mestrado na Universidade de São Paulo, neste ambiente acadêmico ela conheceu o senhor Marcos Antônio Herédia Viveros, colombiano recém chegado ao Brasil para cursar mestrado em administração também na USP. Desta relação conjugal advieram três filhas. Quando Marco Antônio adquiriu nacionalidade brasileira e estabilidade financeira seu comportamento com a família mudou totalmente, iniciaram-se as discussões e agressões. O agressor tentou matá-la em duas ocasiões, na primeira disparou um tiro nas costas da vítima que precisou ficar internada no hospital por aproximadamente quatro meses, deixando-a paraplégica; sendo que na segunda tentativa ele tentou eletrocutá-la no chuveiro elétrico durante o banho.

O caso foi levado ao conhecimento do Poder Judiciário do Ceará em 1.983, no entanto, até o ano de 1.997 não havia uma decisão definitiva no processo. Diante dessa situação o caso foi denunciado, em 1.998, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA pela própria vítima, Maria da Penha Maria Fernandes, pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e pelo Centro para a Justiça e o Direito Internacional.

A Lei 11.340/06 (Lei Maira da Penha) representa o maior instrumento brasileiro de proteção aos direitos da mulher vítima de violência de gênero. Essa lei foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas como a terceira melhor ferramenta de proteção as mulheres vítimas de violência que existe no mundo, existindo apenas duas melhores, quais sejam: a do Chile em segunda posição e a da Espanha em primeira posição. Todavia, os números de mulheres vítimas de violência ainda são bastante expressivos o que se torna um contrassenso quando se analisa a posição em que se encontra a referida norma.

3. FEMINICÍDIO

Com a finalidade de garantir uma maior proteção à mulher vítima de violência e com o intuito de punir o agressor de tal violência, o Congresso Nacional decretou e a presidente da República Federativa do Brasil sancionou a Lei 13.104 de 09 de março de 2015. Este instrumento normativo alterou o artigo 121 do Código Penal, trazendo a figura do feminicídio quando o homicídio ocorre contra a mulher, autoridade ou agente de segurança pública, cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau em razões da condição do sexo feminino, se o crime envolver violência doméstica ou familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher; vejamos o texto da Lei:

“Art. 121. Matar alguém:

[...]

Feminicídio

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Acerca do mesmo tema, o § 7º do art. 121 do Código Penal traz uma cláusula de aumento de pena se o crime for praticado em algumas circunstâncias, vejamos o que apresenta o referido parágrafo:

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

 

Desta forma, é possível inferir que o legislador pátrio teve, com a criação do feminicídio, a intenção de proteger a mulher vítima de violência de gênero, criar um crime específico para esse tipo de ofensa e majorar a pena para os autores de agressão a mulheres com algumas particularidades específicas.

4. CAMPANHA AGOSTO LILÁS

Conforme estabelece o inciso IV do art. 35 da Lei Maria da Penha poderá a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios criar e promover campanhas e programas de enfrentamento à violência doméstica e familiar. Observa-se também o disposto no art. 8º do Capítulo I do Título III da Lei 11.340/2006 (medidas integradas de proteção) que:

“Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

[...]

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

[...]

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia.”

Em observância aos artigos mencionados acima foi lançado em agosto de 2007, pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, este passou a fazer parte da agenda social do Estado Brasileiro. Trata-se de um acordo federativo no qual o governo federal e os governos dos estados, do distrito federal e dos municípios devem realizar ações voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher por meio de políticas públicas. Este acordo deu origem à campanha “Agosto Lilás” com o objetivo de levar ao conhecimento do povo brasileiro a Lei Maria da Penha, realizar ações preventivas e repressivas, em observância ao disposto nessa lei.

Muitos estados brasileiros aderiram à campanha “Agosto Lilás”, tendo como parceiros diversos municípios. Importante destacar que alguns estados criaram normas que regulamentaram a campanha. Respeitável foi a atuação do Estado de Mato Grosso do Sul que instituiu, por meio da Lei 4.969 de dezembro de 2016, a “Campanha Agosto Lilás e o Programa Maria da Penha vai à Escola” com o objetivo de sensibilizar a sociedade sulmatogrossense acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher e a divulgação da Lei 11.340/06.

O art. 1º da lei estadual estabelece que seja realizada anualmente, no mês de agosto, a “Campanha Agosto Lilás”, sendo que o art. 3º dessa lei determina que:

“Art. 3º A Campanha prevê a realização, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, de ações de mobilização, palestras, debates, encontros, panfletagens, eventos e seminários visando à divulgação da Lei Maria da Penha, estendendo-se as atividades durante todo o mês de agosto, para o público em geral.”

 

Já o art. 4º da lei em comento lança o “Programa Maria da Penha Vai à Escola” que tem por objetivo a realização de ações educativas para o público escolar, conforme o disposto a seguir:

Art. 4º O Programa Maria da Penha vai à Escola, consiste em ações educativas voltadas ao público escolar, contemplando prioritariamente alunos do ensino médio das escolas estaduais, podendo, entretanto, ser realizado em escolas municipais e estabelecimentos particulares de ensino.

Observa-se que o legislador estadual observou as determinações constantes dos artigos 8º e 36 da Lei 11.340/06, bem como o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, tratam-se de ações proativas as quais resguardam os direitos humanos das mulheres vítimas de violência e buscam uma mudança no conceito sócio-cultural das relações de gênero, com o objetivo de construir uma sociedade justa, pacífica, solidária, livre e igualitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos inferir que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, bem como os demais instrumentos normativos advindos dessa Convenção, foi e está sendo um importantíssimo mecanismo de proteção aos direitos das mulheres, apesar de o ser após inúmeras violações aos direitos humanos das mulheres e movimentos feministas nacionais e internacionais.

Essa Convenção e os instrumentos normativos analisados no presente artigo estabelecem uma relação de igualdade de gênero, uma vez que, a violência contra a mulher era fruto de uma sociedade machista, onde homens eram considerados seres superiores, o que tornava a mulher uma vítima da sociedade arcaica.

Situação desprovida de fundamento em uma república que se intitula Estado Democrático de Direito, a qual tem por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme estabelece o inciso III do art. 1º da Constituição Federal.

Por fim, significantes foram os avanços relacionados à proteção normativa da mulher vítima de violência doméstica e familiar, as legislações existem são capazes de oferecer proteção às pessoas do gênero feminino, no entanto, a sociedade deve continuar a busca pela igualdade entre homens e mulheres, não apenas o reconhecimento dessa igualdade em instrumentos normativos, mas também a igualdade de fato, pois reconhecer o direito é apenas o início para resolução de um problema, neste caso a violência contra mulher. Observa-se também que as políticas públicas existentes no Brasil ainda se mostram incipientes, portanto, o Estado Brasileiro precisa criar políticas públicas efetivas de proteção aos direitos humanos das mulheres vítima de violência.

REFERÊNCIAS

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FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi...: posso contar. 1ª reimp. 2ª Ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

GONÇALVES, T. A. Direitos humanos das mulheres e a comissão interamericana de direitos humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 6ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2005.

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Data da conclusão/última revisão: 17/10/2017

 

Como citar o texto:

MACHADO, Marcelo Batista..A prevenção e o combate à violência doméstica sob a ótica da Convenção de Belém do Pará. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1484. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/3763/a-prevencao-combate-violencia-domestica-sob-otica-convencao-belem-para. Acesso em 14 nov. 2017.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.