A problemática das terras indígenas no Brasil é antiga, e a luta pela posse da terra pelos índios remonta a forma como o território nacional foi colonizado. Os índios foram pouco a pouco sendo destituídos de suas terras em função do assimchamado "progresso".

            A Constituição de 1891 considerava como terras devolutas, ou seja, terras que não pertencem a ninguém, as terras que eram ocupadas pelos índios. Em função disso, essas terras foram repassadas aos colonizadores.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 231, caput, garantiu proteção aos índios ao afirmar que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. ”

 A definição de terra indígena está no §1º do art. 231, da CF:

 

Art. 231. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Trata-se, portanto, de reconhecimento e proteção à população indígena. No entanto, para que a população indígena tenha acesso a todos os bens necessários à uma vivência harmoniosa, com seus usos e costumes, é imprescindível o acesso à terra. Não qualquer terra, mas as terras que tradicionalmente são ocupadas por eles.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu os direitos originários dos indígenas sobre essas terras, no art. 231; trata-se de norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, incumbindo à União a execução da tarefa de demarcação. O procedimento demarcatório está previsto no Decreto nº 1775/96, que trata da forma como será feita a demarcação, estabelecendo a competência para demarcar, dos estudos antropológicos, histórico-ambientais, cartográficos e levantamento fundiário, necessários para reconhecimento, identificação e delimitação da terra.

As terras de ocupação tradicional, as quais os povos indígenas têm direitos originários sobre elas difere das reservas indígenas na medida em que para a constituição das reservas indígenas foram usadas terras pertencentes à União ou terras advindas de terceiros, por meio de doação ou desapropriação. As terras dominiais são terras adquiridas pelas comunidades indígenas e as terras interditadas são aquelas reservadas pela FUNAI para a utilização e proteção dos povos indígenas isolados.

Assim como as terras tradicionalmente ocupadas, como as reservas indígenas, as terras dominiais e as terras interditadas são também formas de proporcionar ao povo indígena o acesso à terra, onde pode ter sua cultura e seus costumes preservados.

           

Após a aprovação dos estudos realizados por uma equipe técnica, com a participação da comunidade indígena, as terras serão delimitadas e posteriormente declaradas pela Portaria Declaratória, emitida pela Ministro da Justiça, serão demarcadas e homologadas por decreto presidencial. Após essa fase de homologação, para se tornarem regularizadas, essas terras deverão ser registradas em Cartório.

                Foi publicada recentemente portaria nº 68, de 14 de janeiro de 2017 que complementa a legislação específica que prescreve o processo de demarcação de terras indígenas para criar no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania o Grupo Técnico Especializado- GTE, para fornecer subsídios em assuntos que envolvam demarcação de Terra Indígena. No entanto, essa portaria não foi muito bem recebida pelos agentes envolvidos nos processos de demarcação, como representantes do Conselho Indígena Missionário (CIMI), do Instituto Socioambiental (ISA) e outros que questionam a ausência de discussão antes da publicação da referida portaria, além de apontarem ilegalidade desse documento. Carlos Eduardo Marés, jurista e ex presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) critica severamente essa mudança, acusando a portaria de " criar um nível intermediário entre o nível técnico e político. Trata-se de criar uma comissão para agir politicamente e burocratizar a demarcação. É um passo a mais para travar o processo”. Critica-se também a demora que a criação desse grupo intermediário trará aos procedimentos de demarcação.

            Por outro lado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, têm proferido decisões no sentido de condenação do Estado Brasileiro com relação a demarcação de terras indígenas, apesar de não apresentar um monitoramento particular dos direitos territoriais dos povos jurídicos, o instrumento juridicamente vinculante do qual o Brasil é signatário é Convenção nº 169 da OIT.  A mencionada Convenção é aplicada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos  de modo a estabelecer um sistema amplo e eficaz de proteção aos direitos territoriais indígenas.

            Diversos casos têm sido levados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2016 foi levado o caso da comunidade Xucuru, do Pernambuco, e o Estado Brasileiro foi condenado por violar o direito de propriedade e integridade pessoal dessa comunidade indígena. Houve demora de mais de 16 anos no processo de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais.

 

"No relatório de mérito, a Comissão recomenda ao Estado Brasileiro que adote com brevidade as medidas necessárias, inclusive as medidas legislativas, administrativas ou de outra natureza necessárias para realizar a desintrusão efetiva do território ancestral do povo indígena Xucuru, de acordo com seu direito consuetudinário, valores, usos e costumes. Em consequência, a CIDH solicita ao Estado garantir aos membros do povo que possam continuar vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional, conforme sua identidade cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e tradições particulares. Ademais, a Comissão também insta ao Estado adotar com brevidade as medidas necessárias para finalizar os processos judiciais interpostos por pessoas não indígenas sobre parte do território do povo indígena Xucuru."

 

Essas decisões em âmbito internacional são de muita relevância na contribuição para efetivação dos direitos dos povos indígenas.

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem reprovado a conduta do Brasil no que se refere a demora na demarcação das terras indígenas. O Brasil já foi visto como liderança mundial ao constitucionalizar a proteção do índio, no entanto, o que se observa é que nas últimas décadas, um retrocesso vem ocorrendo.

A Proposta de Emenda à Constituição, PEC 215, na iminência de ser aprovada, representa um desses retrocessos, na medida em que altera o processo de demarcação das terras indígenas, transferindo o poder de decidir sobre a demarcação, das mãos do Executivo, para o poder Legislativo.

O enfraquecimento da FUNAI, os assassinatos de lideranças indígenas, as decisões, instituição de programas e leis que atingem diretamente às comunidades indígenas, sem que sejam consultados, são apenas alguns exemplos do desrespeito enfrentados pelos povos indígenas no Brasil.

O atraso na demarcação das terras indígenas tem gerado sérios problemas para os povos indígenas, que sem o acesso à terra, vivem na marginalização, vivendo em acampamentos provisório, sofrendo assassinatos, que por vezes, ficam na impunidade. Recente caso do menino índio, da tribo Caingangue, do Estado de Santa Catarina, degolado por um psicopata, na rodoviária da cidade, no colo de sua mãe, onde os índios estavam vendendo seus artesanatos para sobreviver. Tal barbárie cometida contra o povo índio teve pouca representatividade nos meios de comunicação.

            Com relação ao Estado de Mato Grosso do Sul, segundo dados fornecidos no site da FUNAI (2017),quatro terras indígenas estão na fase administrativa da Delimitação e estão localizadas nos municípios de Amambai, Dourados, Naviraí, Iguatemi, Douradina, Itaporã e Paranhos. Etnias Guarani, Guarani Kaiowá, Nhandeva. Ocupam uma superfície de 129.123 ha.

            Encontram-se com o status de “ Declaradas”, dez terras indígenas tradicionalmente ocupadas, com uma superfície de 145.392,79 hectares, nos municípios de Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia, Miranda, Caarapó, Ponta Porã, Brasilândia, Paranhos, Sete Quedas, Juti, Aquidauana, Japorã. Com as Etnias Terena, Guarani Kaiowá, Ofavé, Guarani Nhandeva, Terena, Nhandeva.

            Cinco terras indígenas, tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, foram Homologadas, e localizam-se nos municípios de Paranhos, Juti, Antonio João, em uma superfície total de 28.165,88 hectares.

            Das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas cerca de vinte e setes estão regularizadas, ocupando uma área de 60.1331,4967 hectares e localizam-se nos municípios de Amambai, Dois irmãos do Buriti, Sidrolândia, Caarapó, Miranda, Eldorado, Dourados, Itaporã, Laguna Carapã, Aral Moreira, Corumbá, Tacuru, Porto Murtinho, Aquidauana, Nioaque, Paranhos, Bela Vista, Ponta Porã, Japorã, Laguna Carapã, Maracaju e Coronel Sapucaia. Etnias Guarani Kaiowá, Terena, Guarani Nhandeva, Guaato, Kadiwéu e Kiinknau.

Há duas reservas indígenas regularizadas, localizadas nos municípios de Brasilândia, com a Etnia Ofaye em uma superfície de 484,0000 hectares e Miranda, com a Etnia Terena, cuja superfície da reserva é de 88,8880 hectares.

Há treze terras indígenas tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas da Etnia Guarani Kaiowá, Guarani, Terena, e Kinikinau, na fase administrativa de Estudo. Essas terras estão localizadas nos municípios de Ponta Porã, Amambai, Dourados, Naviraí, Caarapó, Juti, Laguna Carapã, Dourados, Sete Quedas, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Iguatemi, Paranhos, Tacuru, Eldorado, Miranda e Rio Brilhante.

            Apesar desses dados demonstrarem queos processos de demarcação das terras indígenas estão ocorrendo no Mato Grosso do Sul, umas parcelas dessas terras demarcadas não foram realizadas com observância de todos os requisitos mencionados no Decreto que disciplina o procedimento administrativo.

É possível constatar pelas informações apresentados que a demora dos processos é alarmante, isso agrava o fato de que a luta pela terra entre povos indígenas e os detentores possuidores dessas terras não se faz de forma pacífica e enquanto os processos se arrastam as mortes se acumulam.

É necessário e urgente a solução desses conflitos o que apenas se dará com a devida prestação jurisdicional e, a partir da colocação desses povos em seus territórios tradicionais, mais facilmente poderão ser atendidas às necessidades desses povos tão fragilizados, disponibilizando a eles todos os demais direitos de que são titulares.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em 05 abr. 2017.

BRASIL. Decreto no 1.775, de 8 de janeiro de 1996.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm

BRASIL. Portaria nº 68, de 14 de janeiro de 2017. Cria no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania o Grupo Técnico Especializado- GTE,  para fornecer subsídios em assuntos que envolvam demarcação de Terra Indígena. Diário Oficial da União, n.13, p.19, 18 de jan de 2017, seção I. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/ministerio-justica-muda-criterios.pdf. Acesso em <23 de jun 2017>

BIJOS, Leila. Demarcação de Terras Indígenas e Sistema Interamericano de Direitos Humanos: A responsabilidade do Estado por ato judicial. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs_artigos/Marcotemporaleresponsabilidadeinternacional.pdf Acesso em: 24 de jun 2017.

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OEA. CIDH apresenta caso sobre o Brasil à Corte IDH Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2016/053.asp.> Acesso em 23de jun 2017.

G1.O silêncio da mídia diante de um assassinato brutal de um bebê indígena. Disponível em: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/01/o-silencio-da-midia-em-torno-do-assassinato-brutal-de-um-bebe-indigena.html >Acesso em 24 de jun. de 2017.

Data da conclusão/última revisão: 20/10/2017

 

Como citar o texto:

CRUZ, Raquel Santana Machado da..Demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1488. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-humanos/3776/demarcacao-terras-indigenas-mato-grosso-sul. Acesso em 30 nov. 2017.

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