Resumo:

A questão dos resíduos é uma das mais tormentosas da vida contemporânea e das mais problemáticas para os Municípios, que são constitucionalmente responsáveis por legislar sobre o tema e prestar os serviços de coleta, remoção e destinação dos resíduos. Embora pareça uma questão casual, diversos são os ramos do Direito envoltos na questão, que apresenta questões de Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Municipal e Direito Civil. Um dos maiores problemas da vida contemporânea, sem dúvida alguma, é a produção dos resíduos. Na vida contemporânea, aparentemente tudo é descartável. Até as relações humanas. Trata-se de uma clara decorrência do atual capitalismo, em que as coisas são feitas para não durar e, caso durem, para que seu conserto não seja econômica e funcionalmente válido. A consequência é a criação cada vez maior de resíduos e a necessidade de dar-lhe uma destinação. Os Municípios, constitucionalmente os primeiros responsáveis para lidar com a questão dos resíduos, estão cada vez mais criando restrições e formas para dar uma melhor destinação, pois a taxa de lixo não é suficiente para arcar com todas as despesas decorrentes deste enorme problema.

Palavras-chaves: Resíduos. Lixo. Taxa.

Sumário: Introdução. 1. Da responsabilidade dos Municípios. 2. Da amplitude da competência sobre os resíduos. 3. Da taxa de resíduos. 4. Das formas de cobrança. Conclusão.

 

Introdução

Um dos maiores problemas da vida contemporânea, sem dúvida alguma, é a produção dos resíduos.

Na vida contemporânea, aparentemente tudo é descartável. Até as relações humanas.

Trata-se de uma clara decorrência do atual capitalismo, em que as coisas são feitas para não durar e, caso durem, para que seu conserto não seja econômica e funcionalmente válido.

A consequência é a criação cada vez maior de resíduos e a necessidade de dar-lhe uma destinação.

As normas ambientais passaram a tratar do assunto, ampliando a questão do lixo para a questão dos resíduos, conceito mais amplo.

Por mais que existam soluções ambientalmente recomendáveis, a maior parte da população ainda prefere o mais simples que é o mero descarte, sem qualquer prévia seleção.

Contudo, os Municípios, constitucionalmente os primeiros responsáveis para lidar com a questão dos resíduos, estão cada vez mais criando restrições e formas para dar uma melhor destinação, pois o produto da arrecadação da taxa de resíduos, popularmente taxa do lixo, normalmente está longe de cobrir todas as despesas.

 

1) Da responsabilidade dos Municípios

A questão do lixo, e, agora, mais modernamente, dos resíduos, sempre foi atinente aos Municípios, pois sempre foi considerado um assunto de interesse local.

Neste sentido, o inciso I do art. 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios, a competência para legislar sobre o lixo.

Confirma esta competência, a do inciso V do mesmo art. 30 do Texto Constitucional, que atribui aos Municípios, a obrigação de prestar os serviços públicos relativos aos interesses locais, de forma direta ou por concessão.

Como decorrência da obrigação constitucional de recolher e dar destinação ao lixo, o Município tem a obrigação de cobrar uma taxa daqueles que utilizam o serviço de coleta e destinação do lixo.

Ocorre que esta taxa, como se verá melhor adiante, normalmente é insuficiente para pagar todas as despesas decorrentes do lixo.

Devido as características de especificidade e individualização da taxa, não é possível cobrar o tributo sobre a varrição das vias públicas, sendo que esta é uma fonte geradora de parte considerável dos resíduos produzidos nos territórios municipais, especialmente porque o brasileiro, independentemente da formação e classe social, não tem o menor respeito pelas vias públicas.

 

2) Da amplitude da competência sobre os resíduos

O conceito moderno de resíduo acabou ampliando a obrigação dos Municípios.

Diante do art. 225 da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público, a obrigação defender e preservar o Meio Ambiente para as presentes e futuras gerações, os Municípios viram-se obrigados a buscar uma forma de dar uma destinação ao resíduo de uma forma ambientalmente correta.

Por força desta obrigação que os Municípios acabam incentivando e dando suporte para as várias e diversificadas cooperativas de resíduos, pois, além destas cooperativas darem uma destinação mais adequada aos resíduos reaproveitáveis, ainda acaba desenvolvendo uma atividade econômica que hoje sustenta um número cada vez maior de famílias, já que a seleção e destinação correta de resíduos é uma atividade que não existe qualificação.

Se o Município deixasse para si a competência para dar uma destinação ecologicamente correta aos resíduos, além de ser um serviço muito caro, retiraria a oportunidade de milhares de pessoas.

Quando se fala de resíduos, também se fala dos entulhos, que são os resíduos de obras.

Por serem resíduos cujo reaproveitamento ainda é muito caro e pouco rentável, normalmente não existe um trabalho de reciclagem destes materiais.

Ocorre que estes resíduos normalmente são em grande quantidade e com muito peso, impossibilitando sua coleta.

Com isto, uma parte ainda considerável da população acaba preferindo descartar estes resíduos nos chamados pontos viciados, que são locais de ruas, normalmente de pouco movimento, em que os populares deixam estes entulhos, bem como restos de móveis.

O resultado é um local sem passagem para pedestres e até mesmo de carros, extremamente propício para dispersão de doenças e violência.

Esta conduta obriga os Municípios a terem mais despesas, que são com a criação e manutenção dos chamados Ecopontos e os programas “Cata-bagulho”.

Os Ecopontos são centros de recolhimento especialmente de entulho, mas também de materiais recicláveis.

Os Municípios, cada vez mais, estão investindo nestes ecopontos e os espalhando por todo território municipal na esperança que a população pare de depositar entulho nos pontos viciados.

O resultado, infelizmente, ainda é desanimador.

Os programas “cata-bagulho” vão na mesma linha, já que se destinam a recolher os móveis e congêneres. Por ser um serviço que vai de casa em casa, como a coleta regular de lixo, ainda que em dias pouco frequentes, os resultados são melhores.

Mas de qualquer forma, os ecopontos, como os programas “cata-gabulho”, são novas despesas do Município com os resíduos e que não pode ser remunerada por taxa, sob pena de desestimular a população a utilizar estes serviços.

 

3) Da taxa de resíduos

Como dito anteriormente, a competência para prestar serviços de recolhimento e destinação dos resíduos é prioritariamente dos Municípios.

Em consequência, o art. 145, II da Constituição Federal dá ao Município, a competência de instituir, cobrar e arrecadar a taxa pela prestação dos serviços de coleta de resíduos, bem como de sua destinação.

Contudo, os Municípios sempre enfrentaram problemas para o recolhimento desta taxa.

Isto porque o art. 145, II da Carta Magna, como o art. 77 do Código Tributário Nacional exigem que a taxa deve ter como fato gerador um serviço específico e divisível. Ou seja, a cobrança da taxa deve ser uma contraprestação ao serviço especialmente realizada para o contribuinte e só para o contribuinte.

Desta forma, os serviços de varrição de rua, responsável por parte considerável dos resíduos recolhidos no território municipal não pode ser fato gerador para a cobrança de taxa, devendo ser remunerado indiretamente pelos impostos e repasses recebidos pelo Município.

Contudo, mesmo a individualização dos resíduos residenciais, comerciais e industriais são de difícil realização.

Por muito tempo, discutiu-se se seria possível cobrar a taxa de resíduos, considerando a testada do imóvel onde o resíduo for recolhido.

No entanto, ao longo dos anos, o egrégio Supremo Tribunal Federal considerou que não havia correspondência entre a quantidade de resíduo produzido com o tamanho da fachada do imóvel, pois a presunção de que, quanto maior o imóvel, maior a quantidade de resíduo produzido, não se sustentava.

Contudo, estas decisões geravam um resultado inexequível. Ou seja, para cobrar a taxa de resíduo, seria necessário averiguar quanto exatamente cada imóvel produzia de resíduo.

Mas para isto, os famosos caminhões de lixo teriam que ter uma balança acoplada para todo recolhimento de resíduo. Contudo, isto não seria suficiente, pois seria ainda necessário fazer o registro da quantidade de resíduo recolhido em cada coleta para cada imóvel. Também seria preciso gerar um recibo do resíduo recolhido, para que o contribuinte tivesse a prova de quanto ele será cobrado. E, por fim, todas as balanças teriam que ser inspecionadas por frequência para verificar se sua medição continua exata, não gerando a cobrança por resíduo não recolhido.

Ou seja, tal solução tornaria absolutamente inviável a prestação do serviço, pois o valor da taxa de resíduo teria que ser substancial para arcar com uma coleta de lixo, normalmente, de pelo menos duas vezes por semana.

Não se pode perder de vista que o ser humano contemporâneo produz muitos resíduos. Com esta fórmula, o valor da taxa de resíduos pesaria demais no bolso do contribuinte, chegando às asas do confisco.

Felizmente, nossa Suprema Corte mudou sua posição jurisprudencial, admitindo atualmente que a taxa pela coleta e destinação dos resíduos tenha como base de cálculo, a metragem do imóvel.

A tese vencedora foi de que imóveis maiores abrigam mais pessoas ou menos pessoas com mais posses, o que, em ambos os casos, significa uma maior produção de resíduo, estatisticamente falando.

Este novo entendimento não é tão novo assim. Vem pelo menos desde o julgamento do Recurso Extraordinário 232.393/SP, que é de 12 de agosto de 1.999, de relatoria do ex-ministro Carlos Veloso.

Ainda assim, dada a enorme quantidade de resíduo que cada imóvel produz, especialmente, os residenciais, a taxa de resíduo cobrada ainda seria elevada, alta demais para a maioria da população brasileira.

Como consequência, os Municípios não têm condições de arcar sozinho com a prestação deste serviço por meios próprios, precisam terceirizar o serviço para empresas com especialização no ramo de resíduos. Ainda assim, os Municípios precisam subsidiar estas empresas, já que o valor decorrente da taxa de resíduo não é suficiente para cobrir os gastos com coleta, remoção e destinação dos resíduos, ainda que considerando o trabalho das cooperativas de resíduo. Isto sem falar dos custos com varrição, que não pode ser remunerado por taxa, cujo produto também precisa de destinação adequada.

 

4) Das formas de cobrança

As leis municipais em geral que tratam do assunto determinam que a taxa de lixo deve ser apenas do valor suficiente para custear o serviço.

Ou seja, os Municípios deveriam cálculos os gastos com coleta, remoção e destinação dos resíduos e dividir pela quantidade de contribuintes do tributo.

Esta, no entanto, não é a forma adotada pelos Municípios.

Por questões diversas, os Municípios não cobram o valor integral que cada contribuinte teria que pagar, pois o valor poderia ser até muito maior do que o contribuinte despende com o IPTU do seu imóvel.

Na verdade, trata-se de uma distorção do Princípio da Modicidade das Taxas, pois acredita-se que a taxa para o recolhimento de algo tão simples como o lixo não pode ser muito alta.

A maioria dos Municípios cobra um valor fixo junto ao IPTU do imóvel, já que o contribuinte da taxa de resíduos normalmente é o proprietário do imóvel.

Alguns Municípios fazem distinção entre a taxa residencial, comercial, industrial e hospitalar, embora apenas no último, o critério seja o tipo de resíduo. Para os demais, considera-se apenas a capacidade contributiva presumida de cada um.

Alguns Municípios, que guardaram para si a competência para a distribuição de água e coleta de esgoto, normalmente por estatais, tem preferido fazer esta cobrança junto à conta de água. Estes Municípios partem da premissa de que, quanto maior a quantidade de água utilizada, maior a quantidade de resíduos produzidos.

 

Conclusão:

Um dos maiores problemas da vida contemporânea, sem dúvida alguma, é a produção dos resíduos.

Trata-se de uma clara decorrência do atual capitalismo, em que as coisas são feitas para não durar e, caso durem, para que seu conserto não seja econômica e funcionalmente válido.

A consequência é a criação cada vez maior de resíduos e a necessidade de dar-lhe uma destinação.

A competência constitucional para tratar da questão do resíduo, que é um conceito mais abrangente que lixo, é dos Municípios, tanto para legislar sobre o assunto, como da obrigação de prestar os serviços de coleta e destinação dos resíduos.

Para tanto, os Municípios também têm a competência constitucional de cobrar a taxa de resíduos em contraprestação aos serviços de coleta e remoção.

Contudo, com a ampliação da competência dos Municípios em relação a esta questão, com a necessidade subsidiar ecopontos e programas “cata-bagulho”, que não são remunerados por taxa, além das despesas com varrição, que não pode ser remunerada por taxa por falta de individualização do usuário, o produto da arrecadação tem sido insuficiente para arcar com todas estas despesas.

Como consequência, os Municípios acabam tirando destinação financeira para outros serviços importantes para os munícipes, já que a questão dos resíduos envolve saúde pública.

 

Referências bibliográficas:

BUSSAMARA, Walter Alexandre. Taxas – limites constitucionais. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

CAIXETA, José Vicente Filho e BARTHOLOMEU, Daniela Bacchi. Logística ambiental de resíduos sólidos. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

LUNETTI, Carlos Alberto. Direito, ambiente e políticas públicas. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2010.

SERRA, Tatiana Barreto. Política de Resíduos Sólidos. São Paulo: Verbatim. 1º ed., 2016.

Data da conclusão/última revisão: 31/1/2018

 

Como citar o texto:

ITO, Michel; ITO, Lilian Cavalieri..Da taxa de resíduos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1505. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/3899/da-taxa-residuos. Acesso em 5 fev. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.