Resumo: O escopo do presente artigo consiste em estabelecer um debate crítico-reflexivo acerca da (im)possibilidade da redução da maioridade penal, à luz do conteúdo axiológico do artigo 228 da Constituição Federal. Como é cediço, a Carta Cidadã promoveu uma robusta ruptura paradigmática no ordenamento jurídico nacional, notadamente no que atina às disposições norteadores dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para tanto, a Constituição Federal consagrou, de maneira expressa, a doutrina da proteção integral, cujo conteúdo é repetido, em âmbito infraconstitucional, no Estatuto da Criança e do Adolescente. Apesar do microssistema em comento consagrar disposições complexas acerca do processo de ressocialização e reeducação de adolescentes infratores, por meio de um conjunto de medidas socioeducativas, há debates acerca da incapacidade de tais disposições em produzir resultados concretos no campo da reeducação. A partir disso, questiona-se se o conteúdo constitucional que versa sobre a maioridade penal reveste-se de cunho de cláusula pétrea ou, ainda, se comporta a possibilidade de redução. A metodologia empregada parte das disposições dos métodos hipotético-dedutivo e histórico, auxiliado da revisão de literatura e análise da legislação específica como técnicas de pesquisa.

Palavras-chave: Doutrina da Proteção Integral. Maioridade Penal. Redução. Cláusula Pétrea.

 

1 INTRODUÇÃO

            Na sociedade brasileira atual, um dos temas mais relevantes referentes a segurança pública é o clamor da população pela redução da maioridade penal, os argumentos que embasam esse pedido são muitos, e como exemplos podem ser citados a proteção integral que a lei 8.069 de 13 de julho de 1990, o popularmente conhecido Estatuto da Criança e do Adolescente, outro argumento aponta para o grande índice de infrações cometidas com uso de extrema violência e crueldade por menores, a lei demonstra estar em desacordo com a evolução da sociedade em que cada vez mais cedo jovens de todas as classes sociais entram para o mundo do crime com a certeza da impunidade, existe também quem defenda que a redução se faz necessária devido ao quantitativo enorme de jovens que voltam a delinquir após a prática do primeiro ato infracional (REIS, 2016, s.p.).

O excesso de proteção ao menor infrator prejudica a educação e a formação do adolescente, um adolescente que comete determinadas ações ilícitas como tráfico, roubos, furtos e homicídios e não é devidamente punido e educado para ser reinserido na sociedade, tende a voltar para esta cada vez mais violento e com menos chance de recuperação, outro fator importante é que as infrações cometidas por crianças e adolescentes não vão para sua ficha policial, tornando-o assim completamente limpo (sem nenhum registro na justiça) após completar os 18 anos independentemente de qualquer tipo de fato ilícito que tenha cometido (BLUME, 2015, s.p.).

 

2 A DOUTRINA DE PROTEÇÃO INTEGRAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO

A doutrina adotada pela Constituição Federal de 1988 é de proteção integral, esse foi um marco histórico para a sociedade brasileira, que com o advento desta carta magna viu positivado direitos e garantias fundamentais, direitos sociais e políticos dentre outros direitos. Esse também foi um grande marco para o direito da infância e juventude, antes a lei que tratava do assunto era a 6.697/79 conhecida como Código de Menores de 1978, mas com a nova Constituição de 1988, esse dispositivo ficou em desacordo com a ideia de proteção integral que a carta magna concedia ao menor no Brasil, diante disso se fez necessário a criação de uma legislação especial que abrangesse esse tema em específico, e assim foi criada a lei 8.069 de 13 de julho de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD), que revogou o antigo Código de Menores de 1978 (CARVALHO, s.d., s.p.).

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, s.p.).

O já revogado Código de Menores estava em total desacordo com a nova Constituição brasileira que defende a proteção integral do menor, o antigo código de 78 colocava o menor infrator em igual condição aos criminosos que já tivessem atingido a maioridade, e inclusive o menor era submetido às mesmas medidas judiciais prevista em lei para o ilícito que cometesse, com a criação do ECRIAD esse tratamento mudou, deixando o menor submetido às regras estabelecidas nessa legislação especial (CARVALHO, s.d., s.p.).

Outro fato importante que já não tem mais vigência é o de que bastasse o magistrado da época entender que um determinado menor representava risco a paz social e ordem pública para que lhe fosse determinado sua apreensão e confinamento, sem que fosse dado ao menor o direito de defesa. Quando exercido, o direito de defesa era feito através do próprio Estado por meio do curador de menor onde a imparcialidade reinava e prevaleceria a vontade do Estado com o objetivo de alcançar o controle social (CARVALHO, s.d., s.p.).

O caduco Código de Menores possuía normas de conteúdo discriminatório e de exclusão social, onde a intenção dessa lei não era a de proteger, mas sim de obter um controle excluindo socialmente essa parcela da sociedade. Essa norma em geral era voltada para o menor em situação irregular onde era defendido que este seria submetido a intervenção jurídico-social do Estado em seu desfavor, pois havia apenas uma preocupação com os carentes e abandonados e uma vigilância exercida sobre os inadaptados e infratores (CAMPOS, 2009, p. 22).

Após evocar brevemente o antigo Código de Menores de 1978, denota-se que ele estava em total descompasso com a linha de proteção integral da CF/88. Observa-se também que a nova Carta Magna necessitava de uma norma especial para regular o tema, visto que o antigo Código colidia com os direitos defendidos na nova carta magna, em especial destaca-se o tratamento dado ao menor infrator em que a CF/88 garante em seu art. 228 que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1988, s.p.).

A pessoa inimputável pode ser conceituada como sendo a que não era capaz de entender o caráter ilícito do fato por ela praticado ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, e sendo assim os menores são considerados perante a lei brasileira inimputáveis por não possuírem formação de caráter ou entendimento para diferenciar o lícito do ilícito. Porém cabe ressaltar que o menor sendo considerado inimputável, equipara-se com os alienados mentais, os viciados em entorpecentes e aos casos de embriaguez completa, decorrente de casos fortuitos ou de força maior (DICIONÁRIO JURÍDICO, 2017, s.p.).

A Lei nº 8.069/90, em seu art. 104, possui a seguinte redação “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nessa lei” (BRASIL, 1990), as medidas em que esse artigo faz menção são as terapêuticas, educacionais e repressivas, a lei prevê em casos excepcionais a internação em estabelecimentos específicos para menores como medida socioeducativa, e essa internação em hipótese alguma poderá ultrapassar o período de três anos. Outro fator relevante é que nesse dispositivo o crime ou contravenção praticado pelo menor é considerado apenas como ato infracional (NASCIMENTO, 2014, s.p.).

Art. 121. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

§1º. Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

§2º. A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

§3º. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

§4º. Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

§5º. A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§6º. Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério público.

§7º. A determinação judicial mencionada no §1º poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária (BRASIL, 1990, s.p.).

 

A Lei nº 8.069/90 é especialmente voltada para à criança e o adolescente, garantindo-lhes direitos diversos como a vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, liberdade, direito a convivência familiar e comunitária, garante também o direito a participação política que pode ser interpretado como o direito ao voto (BRASIL, 1990, s.p.). Contudo, a superproteção conferida à criança e ao adolescente com a implantação da norma especial vem sendo motivo de questionamento pela sociedade sobre sua real eficiência dada a grave crise na segurança pública que assola o país. O argumento usado é sólido e critica a maneira branda com que é tratado o adolescente infrator reincidente e o adolescente que pratica infrações com uso de violência e de forma cruel. Em tal contexto, a punição mais grave é a internação em estabelecimento socioeducativo em que o adolescente deverão frequentar escola, ter direito a prática de atividades de lazer, além de possuir acompanhamento psicológico e social (ALVES, 2015, s.p.).

O argumento sustentado por defensores da redução da maioridade penal baseia-se que a forma branda com que é tratada a punição do menor no Brasil ao invés de promover a educação e socialização do menor, acaba por incentivar a pratica de mais atos ilícitos, tendo em vista a certeza da impunidade, e a ineficácia das políticas do Estado para tratar essa parcela da sociedade (REIS, 2016, s.p.).

No ano de 2016, havia no Brasil cerca de 190 mil menores que cumpriam algum tipo de medida socioeducativa, sendo que a proporção era de que a cada dez menores, nove eram do sexo masculino e apenas um do sexo feminino, quase 90% dos menores que cumpriam medidas socioeducativas possuía idade igual ou superior a 16 anos (REIS, 2016, s.p.). Nessa mesma época, havia 225 mil medidas socioeducativas aplicadas a esses jovens e 222 mil atos infracionais praticados pelos 190 mil jovens, isso se dá por que um mesmo jovem pode ser responsabilizado pela prática de mais de um ato infracional e cumprir mais de uma medida socioeducativa ao mesmo tempo (REIS, 2016, s.p.).

Ainda relativo ao ano de 2016, dados do cadastro nacional de adolescentes em conflito com a lei, mostram que a medida socioeducativa mais aplicada é a de liberdade assistida que consiste no acompanhamento e orientação ao adolescente por meio de algum programa social. É oportuno destacar que o prazo mínimo de cumprimento dessa medida é de seis meses podendo ser prorrogado, revogado ou substituído por outra medida. E o ato infracional mais praticado por esses jovens é o tráfico de drogas, seguido respectivamente por roubo qualificado, roubo simples, furto e furto qualificado (REIS, 2016, s.p.).

Por outro lado, deve-se analisar também o tamanho do problema carcerário brasileiro. No mesmo ano de 2016 havia aproximadamente 726 mil presos nas cadeias espalhadas pelo Brasil, a taxa de ocupação das cadeias era de quase 200%, ou seja, deveria haver o dobro de presídios para comportar a população carcerária existente no ano de 2016. Aproximadamente 55% do total desses 726 mil presos têm idade entre 18 e 29 anos, e o crime mais comum é o de tráfico de drogas que representa 28% do total da população carcerária, seguidos de roubos, furtos e homicídios (VERDÉLIO, 2017, s.p.).

O sistema carcerário brasileiro já tem um déficit de centenas de milhares de vagas e praticamente não é exemplo de recuperação de presos, muito pelo contrário, a maioria dos presos quando saem voltam a delinquir, jogar mais presos nesse sistema completamente arcaico e falido, ainda mais se tratando de alguns adolescentes com possibilidade de recuperação, seria agravar ainda mais a crise carcerária brasileira (VERDÉLIO, 2017, s.p.).

Contudo a proposta de emenda a constituição 33/2012 que é a PEC que dispõe sobre o tema de redução da maioridade penal, garante que em caso de condenação, o menor de 18 e maior de 16 anos deverão cumprir pena em estabelecimento distinto dos destinados aos maiores de 18 anos. Esta proposta esta em tramitação no congresso pronta para entrar na ordem de votação da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, se aprovada seguirá para votação no plenário do Senado onde deverá ser votada e aprovada em dois turnos, depois segue para a CCJ da Câmara onde passará pela CCJ e uma comissão especial, por fim segue para votação na Câmara dos Deputados onde deve ser votada em dois turnos e ser não for alterada posteriormente será promulgada. O relator dessa PEC é o senador Ricardo Ferraço do PSDB-ES (CARVALHO; FERNANDES, 2017, s.p.).

 

3 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SUA (IM)POSSIBILIDADE

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a Constituição cidadã, foram instituídos no Brasil por meio desta carta magna direitos e garantias fundamentais que se encontram explícitos no texto constitucional no “título II – Dos direitos e garantias fundamentais” nos artigos 5º ao 17, que normatizam direitos e garantias, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e os direitos da organização dos partidos políticos (BRASIL,1988, s.p.).

Contudo, ao longo de todo o texto constitucional existem diversos outros direitos e garantias fundamentais espalhados que mesmo não estando explícitos como é o caso dos direitos positivados no título II da CF, também são considerados direitos e garantias fundamentais e em consequência disso, possuem valor de cláusulas pétreas. O grande entrave que acaba formando uma discussão ampla sobre a redução da maioridade penal se deve ao fato do artigo 228 da CF ser considerado por muitos uma garantia fundamental do menor (ANDRADE, s.d., s.p.). Art. 228 São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial (BRASIL, 1988, s.p.).

É fato que para que se reformule a forma de tratamento do Estado para com os menores infratores, deve primeiramente haver um estudo muito amplo a respeito das medidas realmente eficazes com esse grupo de pessoas. O ordenamento jurídico brasileiro possui legislação especial criada especificamente para o menor, o popularmente conhecido ECRIAD (Estatuto da Criança e do Adolescente), Essa norma trata basicamente dos direitos positivados para o menor como exemplo direitos fundamentais a qualquer outro cidadão e outros mais específicos como o direito a convivência familiar (BRASIL, 1990, s.p.).

Contudo, a forma branda que a legislação tem tratado os casos puníveis de atos infracionais cometidos por menores trouxe a tona o debate sobre a real eficácia desse dispositivo, e se não é de fato o momento para estudar uma reforma ou alteração de como o assunto é tratado no país (REIS, 2016, s.p.).

As medidas socioeducativas propostas no Estatuto da Criança e do Adolescente têm como objetivo amparar o menor infrator e ressocializá-lo para inseri-lo novamente na sociedade o mais breve possível, são exemplos dessas medidas: as advertências, que consiste na repreensão verbal do infrator por meio do Ministério Público; obrigação de reparar o dano, que consiste na reparação do dano pelo infrator; prestação de serviço à comunidade, que consiste em prestar serviços gratuitos em entidades assistenciais por no máximo seis meses; liberdade assistida, que consiste no acompanhamento e orientação psicológica e social para reinserir o adolescente na sociedade e no mercado de trabalho; regime de semiliberdade, os adolescentes se recolhem a casa de semiliberdade no período noturno e podem realizar tarefas externas durante o período diurno; e a internação que é a medida mais grave imposta no Estatuto, que pode variar de seis meses a no máximo três anos (ALVES, 2015, s.p.). 

 

4 REFLEXÕES SOBRE O ARTIGO 228 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: SERIA UMA CLÁUSULA PÉTREA?

            Deve-se entender primeiramente o conceito de cláusula pétrea que pode ser definida como uma norma petrificada, imutável, que não pode ser excluída ou alterada e não pode haver sequer proposta de emenda a constituição (PEC), ou medida provisória que altere as cláusulas pétreas seja essa vinda do Executivo ou Legislativo. As cláusulas pétreas existem para impedir que se alterem os direitos fundamentais dos cidadãos e que se garanta a soberania da nação e seu regime democrático, elas não podem ser alteradas com base nas novas tendências políticas, econômicas ou sociais, e para que seja revertido esse status de cláusula pétrea toda uma nova constituição deve ser redigida (SIGNIFICADO, s.d., s.p.).

A CF/88 preocupou-se em explicitar no texto constitucional quais seriam as cláusulas pétreas na carta magna e inclusive regulamentou a impossibilidade de alterar ou abolir esses dispositivos da Constituição por meio de emendas.

Art. 60. A constituição poderá ser emendada mediante a proposta:

I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da República;

III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência da intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

§5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa (BRASIL, 1988, s.p.).

 

O art. 228 da Constituição Federal de 1988 possui redação idêntica a do Código Penal brasileiro que em seu art. 27 também defende que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 1940, s.p.). Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente também regulamenta o mesmo tema em seu art. 104 “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei” (BRASIL, 1990, s.p.). A lei brasileira tornou regra equiparar o menor à inimputável por acreditar que devido o seu desenvolvimento psíquico e biológico incompleto ele não possui condições para entender o caráter ilícito dos atos praticados, não possui maturidade para controlar sua conduta (NASCIMENTO, 2014, s.p.).

A liberdade é um direito fundamental reconhecido pela CF/88, e o artigo 228 da carta magna brasileira vai além garantindo esse direito mesmo em caso de cometimento de infrações penais por menores de dezoito anos devido a sua condição de inimputáveis por não entenderem o caráter ilícito de seus atos praticados. Esse dispositivo constitucional é reconhecido inclusive como cláusula pétrea devido a sua redação que sinaliza para a inimputabilidade penal da criança e do adolescente, logo essa proteção é reconhecida como direito constitucional e mesmo estando fora do rol da CF/88 que trata especificamente dos direitos e garantias fundamentais (ANDRADE, s.d., s.p.).

Os direitos fundamentais surgiram como normas que visavam a restringir a atuação do Estado, exigindo deste um comportamento omissivo (abstenção) em favor da liberdade do indivíduo, ampliando o domínio da autonomia individual frente à ação estatal (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 94).

Contudo, a Constituição Federal assim como as demais normas existentes e impostas pelo Estado são mecanismos de organização social, com finalidade de manter a harmonia entre as pessoas. A Constituição Federal assim como as demais leis são exemplos explícitos de direito positivo que são regras e leis que regem a vida social e as instituições de uma nação durante algum tempo, esse direito é mutável, ou seja, ele acompanha a evolução da sociedade podendo de fato evoluir, ou até mesmo retroceder dependendo do contexto analisado (SIGNIFICADOS, s.d., s.p.). Assim, logo se chega à questão de que se a garantia constitucional dada ao menor de inimputável se deu ao direito positivado pelo Estado e esse não atende mais aos anseios da sociedade por que não rever esse conceito e adaptá-lo ao contexto atual?

Outro fator relevante é visto ao analisar os direitos e garantias fundamentais, que conforme conceitos são características: a historicidade que sinaliza que os direitos fundamentais foram construídos ao longo do tempo; a inalienabilidade que por sua vez mostra que com exceção do direito a propriedade nenhum outro direito pode ser alienável; a indisponibilidade que com exceção do direito a propriedade e intimidade, o indivíduo não pode abrir mão ou dispor de seu direito fundamental; a imprescritibilidade que com exceção do direito patrimonial esses direitos não prescrevem; a efetividade, pois se deve buscar a máxima concretização; a proibição de retrocesso, os direitos sociais não podem piorar; e a relatividade que impõe que nenhum direito ou garantia fundamental é absoluto, todos são relativos, ou seja, de qualquer maneira o indivíduo esta sujeito ao Estado (DIREITOS BRASIL, s.d., s.p.).

Ainda sobre a relatividade dos direitos e garantias fundamentais, pode-se ter como exemplo o de direito a vida, em regra a Constituição Federal tratou de proteger e defender a vida do cidadão, porém a mesma Constituição prevê pena de morte em caso de guerra declarada (BRASIL, 1988, s.p.).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis]

XLVII – Não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84 XIX (BRASIL, 1988, s.p.)

 

Dado o exposto, reforça a ideia de que um direito positivado não pode ser petrificado, pois com o passar do tempo ele poderá se tornar antiquado e necessitar de reformulações para se adequar ao contexto social atual. Diante disso torna-se viável discorrer brevemente de alguns pontos importantes da PEC 33/2012 que é a união de outras 4 PEC’s do mesmo tema (redução da maioridade penal) no intuito de criar uma exceção a regra imposta no artigo 228 da CF (CARVALHO; FERNANDES, 2017, s.p.).

Este projeto propõe redução apenas em casos específicos, casos esses que não são a maioria dos atos infracionais cometidos por adolescentes, mas quem vem aumentando significativamente nos últimos anos, seria permitido que adolescentes entre 16 e 18 anos fossem julgados como adultos quando cometessem crimes graves, e o Ministério Público poderá propor a redução da maioridade penal quando o adolescente for reincidente na prática de roubo qualificado, homicídio doloso e qualificado, latrocínio, estupro, lesão corporal seguida de morte, extorsão qualificada pela morte e mediante sequestro (CARVALHO; FERNANDES, 2017, s.p.).

           

5 CONCLUSÃO

Dada toda a problemática exposta em torno da redução da maioridade penal, conclui-se que o tema vai muito além de uma questão de segurança pública, analisando a ordem cronológica da evolução dos direitos e garantias da criança e do adolescente. Contudo se faz necessário uma discussão ampla sobre o tema para que isto não venha ocasionar em um retrocesso social sobre este pleito que a sociedade tanto almeja conquistar. É fato que todo o adolescente encontra-se em formação mental e biológica e com isso não possui juízo de valores e até mesmo em alguns atos não consegue distinguir o caráter ilícito de suas atitudes, porém essa não pode ser uma regra para que prevaleça a sensação de impunidade, mas sim uma exceção em casos especiais.

A adaptação da lei a realidade social do país se faz cada vez mais necessária se for analisado o contexto atual em que o desenvolvimento mental do adolescente começa cada vez mais cedo devido a questões culturais, de convivência e também não menos especial a facilidade de acesso a informação e tecnologia. Com isso, pode ser, enfim, concluído que apesar de se o artigo 228 da CF/88 se tratar de uma cláusula pétrea, não necessariamente pode-se garantir sua imutabilidade, pois o direito deve acompanhar a evolução da sociedade, garantir a manutenção do pacto social, a crença nos poderes e efetividade das instituições do Estado.

 

REFERÊNCIAS

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CAMPOS, Mariza Salomão Vinco de Oliveira. Estatuto da Criança e do Adolescente: A proteção integral e suas implicações político-educacionais. 102f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Araraquara-SP, 2009. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/90260/campos_msvo_me_arafcl.pdf?sequence=1>. Acesso em 14 fev. 2018.

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Data da conclusão/última revisão: 3/3/2018

 

Como citar o texto:

MARQUES FILHO, Edmar Abdallah Marques; RANGEL, Tauã Lima Verdan..Redução da maioridade penal: reflexões sobre o art. 228 da Constituição Federal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1512. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3950/reducao-maioridade-penal-reflexoes-art-228-constituicao-federal. Acesso em 7 mar. 2018.

Importante:

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