O Senado Federal aprovou no último dia 17 de novembro a Reforma do Judiciário, projeto que tramitava há 13 anos no Congresso Nacional, trazendo em seu texto diversos dispositivos que representam grandes alterações no sistema judiciário brasileiro. Dentre as principais modificações estão a sistematização do controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público, através do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, respectivamente.

Por outro lado, um dos pontos mais controversos e de maior repercussão social presente na reforma é a adoção da denominada Súmula Vinculante, dispositivo legal que obriga os juízes e desembargadores das instâncias inferiores a julgarem os processos por eles apreciados conforme o estrito entendimento do Supremo Tribunal Federal, independentemente das particularidades do caso em concreto.

A aprovação da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro simboliza um retrocesso incompreensível, uma vez que este dispositivo retira do cidadão uma de suas principais garantias na preservação de seus direitos, sobretudo contra a voracidade cada vez mais intervencionista do Estado Brasileiro, qual seja a independência do Poder Judiciário.

Mormente em nosso país, onde a escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal opera-se por nomeação direta do Presidente da República, a vigência da referida súmula por certo redundará no alargamento indireto de poderes do Poder Central em detrimento dos interesses do cidadão brasileiro, posto que é da Corte Constitucional que emana a decisão final das questões em que a União figura como parte interessada.

Destarte, é de uma irresponsabilidade absurda o legislador pátrio instalar em nosso sistema jurídico a verticalização das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre os julgamentos prolatados pelos juízos e tribunais inferiores. As súmulas, como qualquer ato colegiado, podem conter interpretações distorcidas e por vezes injustas, como se vê a título exemplificativo o julgamento estritamente político que analisou a inconstitucionalidade das altas taxas de juros praticadas pelo mercado financeiro.

Ainda assim, é patente que a aplicação da Súmula Vinculante inaceitavelmente confere ao STF a tarefa de indiretamente elaborar normas jurídicas vigentes em nosso país, arvorando-se no papel de legislador, em absoluta afronta aos princípios da Tripartição de Poderes e da Legalidade, enunciados basilares do Sistema Constitucional Brasileiro.

As súmulas, reconhecidas como a cristalização do posicionamento jurídico do tribunal acerca de determinada questão, são importantes instrumentos na construção do sistema jurídico brasileiro, principalmente como subsídio interpretativo a serem utilizados pelos juízos e tribunais inferiores, bem como pelo legislador quando da elaboração da lei latu sensu. Todavia, não deve-se conferir às mesmas o mesmo status normativo da legislação.

Por tais razões, o instituto da Súmula Vinculante representa uma premente ameaça aos direitos constitucionalmente conquistados pelos cidadãos, bem como um esdrúxulo instituto jurídico inserido no sistema judiciário nacional, apto a produzir nefastos prejuízos à ordem jurídica e ao Estado de Direito.

Artigo escrito em 20 de dezembro de 2004.

.

 

Como citar o texto:

FARIA, Getúlio Silva Ferreira de..O retrocesso da Súmula Vinculante. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 109. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/438/o-retrocesso-sumula-vinculante. Acesso em 5 jan. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.