São tidos como commodities os produtos in natura, cultivados ou de extração mineral, produzido em larga escala mundial e com características físico-químicas homogêneas, e que permitam ser estocados por certo período de tempo, sem perda sensível de suas qualidades, sendo em geral, destinados ao comércio externo e cujo preço seja determinado pela oferta e procura no mercado internacional.

A partir dessa definição tem-se como evidente a possibilidade do enquadramento do petróleo como um commodities. Contudo, questionamos se seria adequado ou desejável tal enquadramento. O petróleo passou a ser classificado como commodities na Inglaterra a partir de esforços da então "dama de ferro", que pretendendo o fortalecimento da bolsa inglesa bem como a valorização das companhias de petróleo, européias em sua maioria.

O Commodities são uma forma de investimento, onde se especula sobre a atividade econômica em um mercado de futuros, pois, pela aquisição de um contrato que deverá ser resgatado com a efetiva entrega do produto dentro de um lapso e preço previamente determinado. Dessa forma, espera-se poder aferir lucro pela diferença de preço do produto praticado no momento do resgate, que ocorre na data de vencimento do contrato. O possível lucro é percebido pelo aumento sobre o capital investido.

Em virtude da significativa e distinta importância do petróleo em detrimento de todos os demais commodities, faz o petróleo merecedor de tratamento especial, pois sem querer parecer militarista o petróleo é fator de segurança nacional, elemento fundamental para a soberania de uma nação. E se permitir o tratamento despendido a um commodities, os riscos dos investimentos estariam, como estão, sob a responsabilidade de grandes conglomerados financeiros internacionais, e economias de paises inteiros estariam reféns destes grupos econômicos, que possui na família Bush, um dos maiores defensores de seus interesses.

O aumento do petróleo beneficia os paises exportadores e prejudica sobremaneira os paises importadores, especialmente os menos desenvolvidos, ou ditos emergentes. Contudo, a inflação sobe em ambos os paises, prejudicando a todos.

O petróleo diferente de outros tipos de commodities, por ser o único que possui a capacidade de afetar a economia global, implicando num significativo incremento nos custos de transporte e energia, bem como em toda a cadeia produtiva. É ainda importante componente no cálculo da inflação na grande maioria das economias, o que acarreta o empobrecimento de populações inteiras de inúmeros paises. Sem desconsiderar que as repercussões voltam a produzir dano em toda cadeia produtiva, interferindo em políticas monetárias (inflação, taxa de juros, nível de atividade econômica, taxa de risco país). Segundo o FMI, um aumento permanente de 5 dólares no barril do petróleo, representa no primeiro ano uma queda de 0,3% no crescimento mundial, e um aumento de 0,5% na taxa de inflação internacional(1) .

Além dos riscos, inerente a atividade econômica, percebe-se a especulação dos mercados de forma artificial, com notícias que possuem como único fundamento a intenção desestabilizar o mercado, com altas de preços infundadas, com curtos momentos de baixas, nestas ocasiões é que se permite aferir ganhos ainda maiores. Além disso, é reconhecido o caráter especulativo do mercado futuro, já que poucos são os compradores que realmente desejam o produto final. Recordo-me o comentário de um operador do mercado futuro da BM&F, indagado por um repórter, num desses momentos mais favoráveis para "reaver o capital". Ele disse: "Teve de tudo, menos fundamento".

Muito se fala no aumento do consumo, no entanto, deve-se ter em mente o grande espectro de possíveis agentes capazes de substituir o petróleo. A energia fóssil, pode ter sua dependência minimizada, substituindo a matriz energética, hoje fundada no petróleo, sustentáculo do modelo capitalista ainda praticado. Da mesma forma que o ouro, que teve nos últimos cem anos muitos de seus usos substituídos, permitindo a diminuição de sua importância econômica.

Não se pode ficar a mercê de um commodities que tantos fatores, inclusive geopolíticos, contribuem para gerar instabilidades como: guerra no Iraque, prisão do presidente da companhia petrolífera russa Iukos, instabilidade política na Venezuela e o furacão no Golfo do México.

A comprovação deste status peculiar é a existência de inúmeros conflitos armados relacionado com petróleo, que promove unicamente a miséria humana. A sobrevivência dos paises, e de sua economia, além da construção de um estado de bem estar social, exige, para o petróleo, um tratamento diferenciado, que não seja como commodities. O petróleo transcende o conceito de recursos natural-mineral, e dessa forma inviável é a sua submissão a uma economia de mercado, que privilegie a especulação e se mostra intensamente concentrado.

Nos últimos três milhões de anos, nós dominamos o fogo, construímos a roda, e no entanto não conseguimos eliminar a miséria. Exaurimos os recursos naturais do planeta com a certeza de Keynes, que defendia que ao longo prazo todos estaremos mortos, não sendo assim merecedor (o longo prazo) de nossa preocupação.

Na substituição do petróleo, o problema que se coloca é como gerenciar o processo, não errando na dose. A transição do carvão para o petróleo, e agora do petróleo para o gás, é uma realidade que vive a Petrobrás em nosso país, imaginemos isto numa escala mundial. O crescimento do Brasil, pela falta de poupança e de um forte mercado interno, está atrelado ao capital especulativo, que remunera com juros altos, dinheiro transitório. No Brasil, a dívida pública chega a 57,6% do PIB, estando neste montante 15% vinculada a cotação do dólar e 49% a taxa de juros interna (doméstica)(2) .

Não se tenta negar a importância do petróleo, pelo contrário, reforça a relevância, reconhecendo sua posição, mas inserindo-o num contexto histórico que cumpre um ciclo, como o carvão já cumpriu, embora não tenha terminado, pois sua extração continua a crescer, mas sua importância foi mitigada como fonte de energia, sobretudo frente ao petróleo e o gás natural. O processo de substituição, não foi devido à escassez do carvão mas sim devido a particularidades do petróleo e gás inseridos num momento de conveniência histórica.

A China é hoje o principal agente causador desta instabilidade, produzindo a ambigüidade, de ser o último baluarte do comunismo, e sendo ao mesmo tempo, potencialmente, o maior mercado consumidor do mundo, se torna a sustentação do sistema capitalista. Assim, a China que cresce em torno de 9 % ao ano(3) , dita as regras no marcado internacional, pois juntamente com o Japão detém 43 % dos papéis da dívida do tesouro americano(4) . Temendo uma crise no dólar, a China vem comprando commodities (petróleo, minério de ferro, cobre e ouro), além dos produtos agrícolas, o que produziu a elevação do preço do barril, mais pela especulação do que a simples demanda interna de crescimento.

O Banco Central chinês, em abril, adotou uma séria de medidas para reduzir a liquidez e o crédito no sistema bancário, entre as medidas, estabeleceu diferentes cotas para cada banco e aumentou a taxa de juros interbancária, para transações com o Banco Central, todas as medidas objetivavam diminuir a expansão da atividade, permitindo a adequação em níveis sustentáveis.

Contudo não se nega que ao sair da era da bicicleta, para a era dos automóveis, o processo foi tão rápido que esqueceram de fazer os postos de gasolina. Os avanços se fazem sem um compromisso com a sustentabilidade, que se mostraria mais estável num contexto democrático. Todos esses carros, e conseqüentemente, eletrodomésticos e fábricas, consumirão enormes quantidades de energia, na maior parte derivada do petróleo e do gás, direta ou indiretamente. O consumo de energia na China deverá crescer em torno de 4% ao ano, no decorrer da próxima década.

Desde de 2003 a China superou o Japão, e ficando somente atrás dos Estados Unidos (que representa metade do consumo mundial de petróleo, e aumenta 3% ao ano) em consumo de petróleo. E corrobora com este quadro, o pouco aumento na oferta nos últimos 20 anos, que associado as reservas cada mais profundas, exigindo grande tecnologia o que acarreta maior custo na exploração, e associados aos baixos preços praticados no final dos anos 90, desestimularam o investimento na busca de novas reservas. Há menos de dez anos, o consumo desses commodities na China, era a tal ponto insignificante que permitia exportar o excedente de petróleo não consumido. Em 2010, persistindo a tendência atual, 50% da energia consumida pelo país virá do exterior.

Nos próximos dez anos, as autoridades planejam investir US$ 100 bilhões na construção de dutos, estimular à exploração de petróleo e gás em território chinês e no exterior, além otimizar as usinas elétricas, hoje ineficientes, tudo isso na tentativa de neutralizar a crescente influência dos EUA em todo o mundo(5) . Preocupa a China, sobretudo a presença militar americana no estreito de Málaca, por onde chega ao país o petróleo vindo do Golfo Pérsico. Na busca por campos no exterior, as empresas chinesas chegam a propor um preço quatro vezes superior ao praticado no mercado por direitos de perfuração.

Enquanto isso, os Estados Unidos, exemplo de capitalismo, sobrevive de subsídios, detentor da maior dívida externa do mundo, gastando cifras estratosféricas para manter uma guerra, sem inimigos identificáveis. E como se sabe nada melhor para produzir inflação e recessão do que as guerras. Robert MacNamara, Secretário de Defesa nos governos de John Kennedy e Lyndon Johnson, durante a guerra do Vietnã, já nos alertava e continua alertando sobre a atitude americana em face do Iraque.

A crise dos Estados Unidos não é somente energética, mas fundamentalmente de crédito, e logo, de credibilidade. Quando a liquidez do mercado se tornar insustentável, a bolha imobiliária americana explodirá. O FED estará sem instrumentos, já que tudo foi consumido para a manutenção dos juros baixos e dos amplos prazos de pagamento. Só no ano passado os bancos hipotecaram ao setor o recorde histórico de 1 trilhão de dólares. Desde 1997 as hipotecados cresceram 94%, chegando a US$ 7,4 trilhões, o que significa uma média de US$ 120 mil por família, enquanto os preços da habitação cresceram 64% em cinco anos(6) .

O quadro que se produzirá levará os juros internos a níveis nunca vistos pela sociedade americana, levando conseqüentemente ao aumento das dívidas, o que levará a inadimplência. Os bancos insolventes quebrarão, num quadro de desemprego e recessão. A questão que se coloca é quando acontecerá, e não se vai efetivamente acontecer à queda do império.

As causas de aumento do petróleo são entre tantas, as baixas reservas norte americanas, apesar disto, de acordo com Agência Internacional de Energia o consumo de petróleo no primeiro trimestre de 2004 aumentou 1,8 milhões de barris/dia, chegando ao nível de 81 milhões de barris/dia(7) .

A Arábia Saudita, a exemplo de outros produtores, membros do cartel da OPEP, teme que neste contexto de ameaça a prosperidade global, possa estimular a busca de fontes alternativas de energia ao petróleo, por isso anuncia (junho 2004, em Beirute) em pleno boom do preço o aumento da produção. Tal atitude não se deve a preocupação social dos produtores de petróleo, mas ao compromisso da manutenção do staus quo.

Observação Importante: Desconsiderei neste artigo, por merecer cada tópico um novo artigo. A dependente economia britânica antes auto-suficiente, hoje importadora. A emergente economia da Índia, que em muitos aspectos rivaliza com a Chinesa. Além da criação de um novo conceito de fundo de investimento de "recursos naturais(8) ", onde o petróleo esta se inserindo, e no qual a perspectiva de alta está apenas começando.

 

Notas:

(1) Relatório do Consulado General y Centro de Promoción Argentina en Shanghai

(2) Relatório do Consulado General y Centro de Promoción Argentina en Shanghai

(3) Relatório do Consulado General y Centro de Promoción Argentina en Shanghai

(4) http://www.novae.inf.br/pensadores/yong-yang_capitalismo.htm

(5) http://www.revistadigital.com.br/tendencias.asp?NumEdicao=136&CodMateria=780

(6) http://www.novae.inf.br/pensadores/yong-yang_capitalismo.htm

(7) Relatório do Consulado General y Centro de Promoción Argentina en Shanghai

(8) http://jornal.publico.pt/publico/2004/09/27/SupEconomia/TEMER03.html

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Como citar o texto:

ALMEIDA, Pedro Paulo Andrade de..A Desconsideração da Natureza Jurídica do Petróleo enquanto Commodities. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 111. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-empresarial/456/a-desconsideracao-natureza-juridica-petroleo-enquanto-commodities. Acesso em 24 jan. 2005.

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