O que se observa é que esta sendo proposto pelos projetos de lei, que visam alterar o Sistema Criminal brasileiro, objetivam vincular sua utilidade/praticidade relacionando às reformas que os referidos diplomas urgem. Seguido da proposta de (re)avaliação dos institutos inovadores do diploma processual penal brasileiro, sob a égide do Estado Democrático de Direito, proporcionam uma (re)leitura dos pontos tidos como críticos.

Propõe-se o presente, a indicar os rumos que deve o sistema criminal tomar, a fim de se adequar constitucionalmente, assegurando acima de tudo uma condizente política jurídico-penal, em face dos bens coletivos e individuais tutelados pelo acordo constitucional.

Todavia o que se espera como bem expressou Copetti, é uma: "renovação dogmática do direito penal face às demandas substanciais dadas pela realidade e pelo novo sistema normativo-axiológico constitucional".[1]

Enfrentamos uma fase de (re)descobrimento do Estado Democrático de Direito, donde sobressaem a cada dia uma dificuldade a ser enfrentada; no tocante ao plano da realização, verifica-se "a insuficiência da estrutura política e jurídica" estatal para atender às demandas, sobretudo, dos direitos fundamentais não-individuais, por se revelarem pouco explorados, devido ao seu curto tempo de vigência no ordenamento jurídico pátrio.[2]

Assim, denuncia-se com veemência a fundamental (re)estruturação dos dispositivos infra-constitucionais, em virtude do descompasso ocasionado pelo tensionamento, decorrente da habitual conflituosidade entre os parâmetros valorativos e ideológicos.[3]

Em se referindo especificamente ao direito penal, deve-se ter extrema cautela em adotar procedimentos de adequação constitucional por via judiciária, pelo fato primeiro de nosso ordenamento jurídico não vincular federativamente um entendimento sumulado; outrossim, alguns princípios, v.g. legalidade, individualização da pena, entre outros, poderiam restar lesados. Assim, parece mais do que adequado, uma (re)estruturação por via legislativa, com a devida cautela, atenta para vedar uma produção legislativa demasiada.[4]

A materialidade da discussão sobre "qual o sentido deva tomar o ordenamento jurídico-penal, para afigurar-se como adequado às demandas sociais e ao texto constitucional", deixa claro o movimento oscilante (pendular) em razão de uma teoria liberal ou comunitarista do Estado. Não obstante, erige-se dois modelos de caminhos à seguir, indicando (o primeiro) um enxugamento da estrutura tipológica penal, com ênfase "ao mínimo indispensável para a garantia de todas as liberdades" e autonomia dos indivíduos. Em outra direção, contrária ao trato minimalista, estaria um maior entrelaçamento de dispositivos próprios do Estado intervencionista, atuando na esfera dos indivíduos, amparado pelo liberalismo.[5]

Como bem assevera Streck, de acordo com o ponto de vista do Estado Democrático de Direito, no qual o direito assume o caráter de transformador da realidade social, vislumbra-se uma desfuncionalidade do Direito e do seu aparato que têm a (in)digna função de aplicar a lei. O que o emérito professor propõe, é que se faça uma minuciosa filtragem hermenêutica em prol do Estado Democrático de Direito, rompendo-se com modo "liberal-individualista-normativista de produção de direito".[6]

Justificando, por assim dizer, um modus operandi do aplicador da lei que, baseado num modelo legislativo "instituído/forjado" construído para se amoldar às questões "interindividuais", onde se estabelece uma resposta pronta e imediata da lei, nestas questões simplórias; entretanto, o mesmo operador se vê confuso quando enfrenta uma situação que envolva um direito transindividual, isto porque na tutela de interesses difusos somente consegue vislumbrar "o problema a partir da ótica forjada no modo liberal-individualista-normativista de produção de direito".[7]

Hermeneuticamente aqui referindo, o problema da individualidade começa quando pecha na coletividade (e vice-versa), pois "todos coexistindo num mesmo texto, os quais, em razão de sua própria natureza e função no Estado de Direito, por não possibilitarem consensos sobre pontos fundamentais, geram um conflito entre individualidade e coletividade que se manifesta e dificulta imensa e permanentemente as interpretações que se fazem necessárias nos mais diferentes momentos da operação jurídica". Deve-se podar as querelas, pela proporcionalidade, aplicada a cada caso concreto, nem tanto individual, nem tanto coletivo.[8]

Um Estado revela-se democrático, sobretudo, quando proporciona "um constante processo de revisão de seus aparatos normativos", com vistas a uma constante edificação dos fundamentos referentes aos direitos individuais e não-individuais.[9]

 

Notas

[1] COPETTI, André. Por uma (neo)filosofia política constitucional no direito penal: uma exigência fenomelógica do Estado Democrático de Direito brasileiro. In Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, volume 1, n.º 2. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2004, p. 13.

[2] Idem, ibidem, p. 15

[3] idem, ibidem, p. 16 e 17.

[4] PALAZZO, Francesco. Valores Constitucionais e Direito Penal. Tradução Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Safe, 1989, p. 30 e 31.

[5] COPETTI, André. Por uma (neo)filosofia política constitucional no direito penal: uma exigência fenomelógica do Estado Democrático de Direito brasileiro, p. 23.

[6] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 5.ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 33 e 34.

[7] Idem, ibidem, p. 34 e 35.

[8] COPETTI, André. Da intervenção mínima à intervenção minimamente necessária para a realização do estado democrático de direito nos países de modernidade tardia. In Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, volume 1, n.º 1. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2003, p. 35.

[9] Idem, ibidem.

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Como citar o texto:

CARRAZZONI JR, José..Considerações sobre a reforma penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 114. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/501/consideracoes-reforma-penal. Acesso em 16 fev. 2005.

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