A partir de 22 de março deste ano, o motorista que precisar renovar a Carteira Nacional de Habilitação, deverá fazer um Curso de Direção Defensiva e de Primeiros Socorros. É a nova exigência estabelecida no art. 6º, § 1º, da Resolução 168/2004, do CONTRAN. O Curso terá duração de 15 horas/aula e o conteúdo programático, entre outras questões obrigatórias, é o seguinte: como evitar acidentes, cuidados com o veículo e demais usuários da via pública, infrações e penalidades, cuidados com a vítima (Anexo II, item 4, da referida Resolução).

Como se vê, os objetivos gerais e específicos do Curso são, indiscutivelmente, elogiáveis, mas o conteúdo é por demais extenso para ser ministrado em apenas15 aulas. De qualquer forma, o Curso é válido e necessário para os candidatos à obtenção da primeira Carteira de Habilitação. Para estes, o Curso já integra o conjunto de estudos e de provas teóricas e práticas do extenso e rigoroso Processo de Habilitação. Quanto a isto, não se pode negar que a Resolução 168/2004 apenas cumpriu determinação expressa estabelecida no Código de Trânsito Brasileiro - CTB.

No entanto, o CONTRAN não pode obrigar o motorista já habilitado a realizar esse Curso. Principalmente aqueles que já portavam Carteira de Habilitação, quando da promulgação do atual CTB, em janeiro de 1998.

E isto por duas razões.

Primeiro, porque esse motorista cumpriu um processo administrativo de acordo com as normas jurídicas da sua época e foi submetido aos exames necessários para a obtenção da Carteira de Habilitação. Por isso, se foi habilitado segundo a lei vigente, tem o direito adquirido de conduzir veículo automotor sem ser obrigado a cumprir novas exigências.

A meu ver, os conhecimentos básicos sobre direção defensiva e primeiros socorros foram legalmente reconhecidos, no momento em que o motorista obteve a sua Carteira de Habilitação. A partir daí, o motorista legalmente habilitado adquiriu um direito que não pode ser desconsiderado por uma simples Resolução, sem afronta ao princípio consagrado no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.

O argumento de que se trata de conhecimentos novos e indispensáveis à condução de veículo automotor não convence. As simples noções de direção defensiva e de primeiros socorros podem muito bem ser aprendidas com a prática do volante. Tanto é verdade que temos mais de 30 milhões de motoristas que dirigem sem cometer qualquer infração mais grave. E isto é que importa.

Para o CONTRAN, a exigência do Curso está prevista no art. 150 do CTB. Mas, isto também não convence. É que este dispositivo faz remissão ao artigo anterior que foi vetado e que, portanto, não existe juridicamente. Se inexiste norma legal ou se esta não tem validade, não é uma simples Resolução que pode criar uma obrigação desta natureza.

Ao exigir, do motorista habilitado, a freqüência e aprovação no Curso de Direção Defensiva, o CONTRAN está desrespeitando o princípio constitucional do direito adquirido. Mais, ainda. Está afrontando, também, o princípio da razoabilidade, pois não considera que o motorista já habilitado é, presumidamente, capaz de conduzir um veículo automotor com a necessária segurança. O exemplo de milhões de motoristas que dirigem sem cometer qualquer infração de trânsito de maior gravidade é uma prova do que estou afirmando.

Estima-se que, somente neste ano, mais de cinco milhões de motoristas estarão renovando a carteira de habilitação (Folha de S.Paulo, 15.01.2005, p. A3). Isto representa um negócio de mais de 200 milhões de reais. É muito dinheiro em jogo, o que autoriza a pensar que interesses econômicos tenham pressionado para que o CONTRAN aprovasse a exigência do referido exame para os motoristas já habilitado, mesmo desconsiderando o direito adquirido e o princípio da razoabilidade.

Na verdade, se cumprida esta norma, estaremos assistindo a uma cena sem dúvida humilhante: velhos motoristas sentados em bancos de cursinhos, para aprender o que a experiência de 10, 20 ou 30 anos ao volante, há muito já lhes ensinou. Daí o desarrazoado da Resolução.

Os cidadãos-motoristas precisam resistir a mais essa exigência descabida do CONTRAN. Individualmente, o mandado de segurança é o caminho indicado. No entanto, como o valor do Curso é menor do que as custas de um processo, creio que, a continuar a insistência dos órgãos de trânsito, a maioria dos motoristas acabará cumprindo a Resolução.

Resta a alternativa da ação coletiva, em nome dos motoristas como um todo e que precisam ver seus direitos respeitados. Neste caso, tem a palavra o Ministério Público - guardião da ordem jurídica e dos direitos inerentes à cidadania.

Mas há, também, a alternativa política. Se somos todos bons motoristas, devemos demonstrar também a capacidade de dirigir nossos direitos e defendê-los de eventuais violações praticadas pelo poder público.

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Como citar o texto:

LEAL, João José..CONTRAN, Carteira de Motorista e cidadania. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 117. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-transito/523/contran-carteira-motorista-cidadania. Acesso em 6 mar. 2005.

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