Os atos administrativos, em virtude de serem instrumentos de realização dos interesses da coletividade, devem ser adequadamente protegidos para realização de sua eficácia. Esta proteção decorre da presença do regime jurídico administrativo que envolve a Administração Pública.

Os atributos do ato administrativo conferem qualidades diferenciadas para permitir a produção efetiva de seus efeitos típicos. A doutrina tradicional destaca como seus atributos a presunção de legitimidade e veracidade, a auto-executoriedade e a imperatividade. Em relação a esta última qualidade, dedica-se o presente estudo.

A imperatividade consiste em que os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Quando o Estado atua investido desta qualidade, diz-se que age em virtude de seu “poder de império”. Para Renato Alessi, a imperatividade é conseqüência do chamado “poder extroverso”, que, segundo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, configura aquele “que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações”. O Estado é a única organização que, de forma legítima, detém este poder de constituir unilateralmente obrigações em relação a terceiros.

Esse exercício de autoridade tem sido efetuado por estruturas estatais que desempenham atividades exclusivas do Poder Público, ou seja, no dever de regulamentar, fiscalizar, fomentar etc. Como exemplo de ato que possui imperatividade, apresenta-se a declaração de desapropriação, pois, mesmo no caso de discordância do cidadão, proprietário do bem em tela, quanto à sua alienação, esta poderá operar-se. Outros exemplos são a cobrança e fiscalização de tributos e o exercício de poder de polícia.

Observe-se, entretanto, que apesar deste atributo de impor obrigações ser um instrumento legítimo de ação estatal, não se afasta a possibilidade de serem utilizados meios de atuação consensual do Poder Público junto aos cidadãos. Como ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “a consensualidade não exclui, porém, a imperatividade, senão que com ela coexiste in potentia, restrita ao que a lei estabeleça como indisponível”.

Principalmente quando se trata de um Estado Democrático de Direito, a utilização de instrumentos jurídicos de autoridade deve ser colocada em prática apenas em hipóteses estritamente necessárias. Nesse sentido, Alexandre Santos de Aragão afirma, ao tratar das finalidades de um Estado Democrático de Direito, que “muitas vezes esses objetivos podem ser melhor alcançados de forma consensual do que coercitiva, não fazendo sentido que a Administração tenha sempre que necessariamente optar por mecanismos regulatórios verticais, não tão eficientes e mais gravosos para os interesses envolvidos”.

Observa-se claramente que deve ocorrer a aplicação do princípio da proporcionalidade. Como já apresentado em outro trabalho, o princípio da proporcionalidade encontra o seu núcleo no art. 2o, parágrafo único, inciso VI, da Lei n. 9784/99: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. Assim, sempre que se puder realizar o interesse público, mediante atuação consensual do particular, os mecanismos coercitivos deverão ser evitados, uma vez que se apresentam desproporcionais.

Como exemplo de utilização de medidas consensuais para realização de objetivos públicos, Floriano de Azevedo Marques Neto levanta a possibilidade de a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) substituir a imposição de multas administrativas pelo estabelecimento de novas metas de ampliação dos serviços prestados pela concessionária. Dessa forma, segundo o autor, “a unilateralidade e a exorbitância tradicionais no exercício da autoridade pública (poder extroverso) têm que dar lugar à interlocução, à mediação e à ponderação entre interesses divergentes, sem descurar, por óbvio, da proteção da coletividade contra abusos dos agentes econômicos”.

Torna-se viável, portanto, a utilização harmônica de instrumentos de autoridade ou de consensualidade pela Administração Pública para melhor adequação das atividades administrativas, que devem estar em sintonia com a correta missão de um Estado Democrático de Direito. É certo, assim, que constantemente se verifique o uso proporcional de tais providências, buscando alcançar as metas públicas da maneira menos onerosa ao cidadão.

 

Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17a. Edição, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 383.

Moreira Neto, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, 12a. Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.137.

Aragão, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 110.

Bittencourt, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 36.

Marques Neto, Floriano Azevedo. RDA, 221/353-370.

(Concluído em agosto/2005)

 

Como citar o texto:

BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa..Poder extroverso e consensualismo na atividade administrativa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/747/poder-extroverso-consensualismo-atividade-administrativa. Acesso em 5 set. 2005.

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