Originariamente eram crimes hediondos o latrocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, o estupro e sua forma qualificada pela violência real, o atentado violento ao pudor e sua figura qualificada, a epidemia com resultado morte e o envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificados pela morte.

Episódios outros, de todos já sabidos, levaram à inclusão no rol da lei 8072/90 do homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e do homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V).

O que se vê desde então, qualquer causídico que atua no Tribunal do Júri há de notar: o Ministério Público, para seguir a superada máxima dita por Roberto Lyra em seu clássico opúsculo, sempre denuncia para mais, ao receio de denunciar para baixo querer significar absolvição.

Há motivos fúteis e torpes para todos os gostos. Nós mesmos , ainda incipientes na arte, atuamos até agora em pouco mais de dez homicídios dolosos.Contudo, em todos eles, se não se nos falha a memória, havia qualificadora. Ora era um matar porque a vítima havia deixado de pagar um relógio, ora porque as crianças brigavam, ora porque o sentimento de posse não é ciúme, mas doença, e assim por diante.

Os senhores jurados decidem se as qualificadoras persistem no julgamento em plenário. Pode-se, e isso aparenta acontecer muito, desclassificar-se um crime qualificado para simples. Mas às vezes o doutor defensor não está em um bom dia, ou o doutor promotor está excelente, ou o júri é tendencioso para uma tese, e pronto. Condena-se o que seria um crime simples com a qualificadora do motivo fútil, verbi gratia. Uma pena merecida de seis anos, passa, num piscar de olhos, para doze. O dobro. Um aumento de 100%. Falha do defensor, méritos do promotor, isso acontece em uma sessão do júri. Neste exemplo, o sujeito é condenado a 12 anos de reclusão em regime inteiramente fechado como manda a lei. Aquela discussão em que o sangue subiu e acabou em tragédia para um homem correto que sempre foi um bom pai de família resultou em 12 anos de privação da liberdade, porque viu-se ali um motivo fútil.

Caso o condenado esteja preso e não seja reincidente específico, somente poderá obter o livramento condicional após cumprir 2/3 da pena. Enquanto isso, lógico, ele recorrerá. Contudo, permanecerá em regime fechado. Nossa proposta reside justamente em se modificar a lei dos crimes hediondos neste sentido. Para que o homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa, continue hediondo; para que o homicídio executado mediante meio insidioso continue hediondo; para o homicídio como meio de impunidade de outro crime, continue hediondo; para que o homicídio covardemente qualificado pela surpresa continue hediondo.

Quer-nos parecer, entretanto, que o homicídio cometido por motivo fútil ou torpe pode permanecer hediondo, só que a lei poderia facultar para o Juiz uma opção quanto ao regime de cumprimento da pena: totalmente fechado, ou inicialmente fechado, em decisão fundamentada, após observar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, as circunstâncias do crime, e o comportamento da vítima.

Vejamos, agora, se a concessão deste poder ao magistrado implica afronta à soberania dos veredictos. Nos parece que não. O juiz condena dentro de limites mínimos e máximos. Não é porque condenou no mínimo, que achou errada a decisão dos senhores jurados. Do mesmo modo, não é porque permitiu ao acusado progredir de regime nos homicídios por móvel fútil ou torpe, que influirá no ânimo dos juízes do povo, em eventual novo julgamento. Será uma faculdade que a lei lhe concederá e na presença dos requisitos mencionados passa a ser até mesmo um direito subjetivo do réu. Não fica por aí.Em obediência ao duplo grau de jurisdição, o condenado pode recorrer ao Tribunal para que este reforme o regime de cumprimento de pena fixado em primeiro grau.Como se sabe é verdadeira areia movediça entre os Tribunais e doutrinadores saber se as qualificadoras são elementos do crime, ou circunstâncias da pena; se são as primeiras, o Tribunal não as pode afastar em grau recursal tendo que mandar o réu a outro plenário. Ora, digamos que o Tribunal entenda a qualificadora como contrária à prova dos autos, e mande o réu a novo julgamento. É conveniente mantê-lo em regime totalmente fechado? Não seria muito mais razoável que se tivesse deferido desde o início o direito à progressão da pena, para não transformar aquela pessoa humana em mais um transtorno dentro do sistema prisional?

Senhores congressistas preocupados com os direitos humanos pensem nisso: homicídio qualificado por motivo fútil ou torpe permanece crime hediondo, mas basta um breve inciso na lei 8072/90 para que se permita ao Juiz sentenciante fixar em qual regime o réu preso iniciará o cumprimento da pena, observando, caso a caso, grosso modo, o artigo 59 do sistema repressivo penal.

E o princípio da igualdade, observarão alguns: se pode para o homicídio, tem que poder regime inicialmente fechado para os outros delitos hediondos. Não devemos misturar substâncias diferentes dentro de um mesmo frasco e sob o mesmo rótulo, dizia Ponte de Miranda.Assim se decidiu que o benefício da lei de tortura não abrangia aos demais da lei 8072/90. Não será agora, com essa breve modificação proposta, que abrangerá.

(Concluído em Campinas, 23 de agosto de 2005)

 

Como citar o texto:

OLIVEIRA, Hélder B. Paulo de..Lei 8072/90: Uma pequena idéia, uma considerável alteração para o sistema carcerário e para a ressocialização do apenado:. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/761/lei-807290-pequena-ideia-consideravel-alteracao-sistema-carcerario-ressocializacao-apenado-. Acesso em 7 set. 2005.

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