1. Introdução:

Após dezessete anos da promulgação da Constituição inovamos no que concerne a um dos aspectos dos Direitos Humanos Fundamentais, qual seja, os tratados e convenções sobre direitos humanos. Tal novidade consiste na nova roupagem dada, através da emenda nº 45/2004.

Não podemos, diante deste contexto, permanecer inertes quando da evidenciação dos conteúdos trazidos por estes tratados, que são inerentes ao homem, posto que os Direitos Humanos Fundamentais sempre fizeram e se fazem presentes no seio da sociedade, mesmo que não positivados.

Assim, a necessidade de proteção surge com a positivação desses direitos que concomitantemente ao desenvolvimento da sociedade buscam segurança. Desta forma, se comportam os tratados de forma a assegurar os direitos dos homens, independente de qualquer nação ou Estado.

O presente trabalho terá como enfoque o § 3º do art. 5º, tendo como conteúdo a ser trabalhado a postura do Estado Democrático de Direito frente aos Tratados e convenções referentes aos direitos humanos, abordando princípios basilares de um ordenamento jurídico.

2. Constitucionalismo e os Direitos Humanos

A concepção de Direitos Fundamentais entende Alexandre de Morais, é anterior à idéia de constitucionalismo, posto que já era previsto pelo direito natural (2003, p.19).

Ao referir-se sobre o tema, José Afonso da Silva entende que o mesmo possui forma, conteúdo, finalidade, causa criadora e recriadora (1998, p. 43). A primeira diz respeito às normas escritas ou não escritas. A segunda como sendo “a conduta humana motivada pelas relações sociais” (SILVA, 1998, p.43). A terceira “a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade” (SILVA, 1998, p.43). E a quarta como “o poder que emana do povo” (SILVA, 1998, p. 43). Preleciona ainda o autor que considera ser a constituição uma “conexão de sentidos”, ou seja, aquilo que é axiológico para o homem (SILVA, 1998, p. 43).

Os primeiros vestígios de um processo de formalização constitucional foi representado pela Constituição escrita e rígida dos Estados Unidos da América de 1787 e da França de 1791, em que se procurou organizar o Estado e limitá-lo, através de direitos e garantias fundamentais, explica o prof. Jorge Miranda, em sua Obra Manual de Direito Constitucional,(1990, p. 138).

Nesse contexto, insere-se como conteúdo Constitucional os direitos fundamentais, consagrando o respeito à liberdade, igualdade, dignidade humana, além das limitações e concessões de poderes ao Estado e o pleno desenvolvimento da sociedade.

Interessante observar que esses Direitos, somente ganharam ênfase, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, pois serviu de referência internacional quando reuniu os direitos Fundamentais ditos da primeira geração (as liberdades públicas) e os da segunda geração (os direitos sociais), (FILHO, 2002, p. 53).

Essas gerações estão interligadas através de um curso histórico, dividindo-se em três etapas bastante distintas, porém complementares. São elas: a primeira geração que engloba as liberdades e garantias individuais, localizando-se no tempo do cristianismo juntamente com a concepção dos direitos naturais com a idéia do homem abstrato e individual.

Num segundo momento, logo após a Revolução Industrial, surge o período do positivismo jurídico, o qual almejavam a realização ampla e concreta dos direitos ditos sociais, esses derivados do processo de luta contra as novas condições econômicas.

Por mais que a Declaração Universal dos Homens somente tenha abarcado duas gerações, não podemos deixar de mencionar uma terceira, ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, quando germina o sentimento de defesa dos direitos humanos em uma concepção universal.

Assim, coube a cada Estado adaptar seus ordenamentos jurídicos à nova tendência que foi e continua sendo a constitucionalização formal dos Direitos Humanos, integrando assim, os tratados e convenções internacionais no texto constitucional, na sua forma material.

A idéia de constitucionalizar os direitos humanos consiste na possibilidade de se poder exigir do Estado – Poder Judiciário - a tutela prometida. Corroboramos com o entendimento de Alexandre de Morais, qual seja, “a proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais” (MORAIS, 2003, p. 21).

3. Um breve curso histórico dos Direitos Humanos Fundamentais nas Constituições Brasileiras

Os Direitos Fundamentais no Brasil são oriundos desde a Constituição política do Império de 1824, todavia não nos moldes que se encontram na atualidade.

Naquele período se previa a garantia de direitos civis e políticos dos cidadãos, com um rol extensivo. Tal previsão ainda foi repetida em 1891, com algumas inovações.

Assim, analisando a História tem-se que a tradição constitucional brasileira pela mantença dos direitos humanos é anterior à Declaração de 1948, tendo início em 1891 e se estendido de forma interrupta até 1967. Neste último ano inovou de forma diferente, pois além das liberdades públicas, contemplou pela primeira vez com um de seus artigos os direitos sociais, prevendo melhoria de condições aos trabalhadores.

No período da Ditadura Militar, promulgou-se a emenda constitucional nº 1º de 1969, restringindo de todas as formas os direitos humanos fundamentais. Tal fato representou um retrocesso para um país, pois o reconhecimento constitucional desses direitos servia de referência para várias organizações políticas e não governamentais, que consecutivamente lutavam contra as desigualdades sociais, explicadas por suas raízes históricas.

Passado esse período de opressão, nasce o Estado Democrático de Direito, que se funda na soberania popular, na participação efetiva e operante do povo na coisa pública.

Tenta-se estabelecer um novo convívio social, em uma sociedade livre, justa e solidária, sendo o poder decorrente do povo, devendo ser exercido em proveito da coletividade, diretamente ou por representantes eleitos, garantindo a vigência de condições econômicas capazes de proporcionar um bem estar social, além de proteger o exercício dos direitos e garantias fundamentais (SILVA, 1998, p. 113-123).

Paralelamente a esse novo Estado surgem amplas discussões sobre o processo de redemocratização do país, tendo sido instaurada no Governo de José Sarney a Assembléia Constituinte, a qual iria discutir, analisar e organizar uma Carta Magna, que reconhecesse tanto os direitos, os deveres, como a organização dos poderes do Estado.

Através desse Poder Constituinte nasce a nova Constituição do Brasil, essa de 1988, que recupera novamente a questão dos Direitos Fundamentais, quais sejam os direitos civis e políticos inovando, excepcionalmente, quando amplia e reconhece  uma série de  direitos de segunda geração, são eles: os direitos sociais, econômicos e culturais.

Existem três características atribuídas à Constituição de 1988 mencionadas por Ingo Wolgang Sarlet, em sua obra sobre Direitos Humanos, são elas: seu caráter analítico, seu pluralismo e seu cunho programático e dirigente (2004, p.75).

Afirma o autor ser uma constituição extensiva, posto que a Carta compõe-se de um grande número de normas, totalizando 246 artigos e 74 disposições transitórias. Os Direitos Humanos se fazem presentes ao todo em sete artigos, seis parágrafos e nove incisos, ressalva-se que dentro dessa ultima contagem não estão incluídos outros dispositivos distribuídos no texto Constitucional.

Quanto ao pluralismo, observa-se que o “Constituinte na redação final  do texto,  registrou posições e reivindicações contrárias entre si, o que se tornou alvo para críticas, uma vez que o Constituinte invadiu o espaço do legislador infraconstitucional” (SARLET, 2004, p.75). No que concerne aos Direitos Humanos, a Constituição tratou de reconhecer os direitos sociais ao lado dos clássicos e de diversos novos direitos de liberdades públicas.

Por último, no que concerne ao caráter programático e dirigente, trata-se de uma previsão de regulamentação proporcionada pelo Constituinte, de forma que os poderes públicos implementem e assegurem os programas, finalidade, imposições legiferantes e diretrizes sobre o assunto, adequando as necessidades e realidade da época.

Com isso, passa a Carta Magna a possuir pela primeira vez uma situação “topográfica” para o tema Direitos e Garantias Fundamentais, além de reunir os direitos sociais em um só capítulo (SARLET, 2004, p.77). Segundo o mesmo autor, percebe-se que o legislador constituinte deixou transparecer sua intenção de ceder aos princípios fundamentais a propriedade de uma norma que embasasse toda a ordem constitucional, além dos direitos fundamentais tidos como núcleo essencial da constituição. Assim, os Direitos Humanos Fundamentais estão subdivididos na Constituição de 1988, da seguinte forma: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos político e partidos políticos.

Assim, compreendem os Direitos individuais e coletivos àqueles ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade, tais como os direitos à vida, igualdade, segurança, dignidade, honra, liberdade e propriedade, basicamente no artigo 5º e seus incisos.

Os Direitos sociais consistem nas “prestações positivas proporcionada pelo Estado” (SILVA, 1998, p.277). Compreendem: direito à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados. Assumem a finalidade de melhorar das condições de vida de quem precisa, de forma que possa se concretizar a igualdade material, estão elencados à partir do artigo 6º.

Os Direitos de nacionalidade como afirma Alexandre de Morais "é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos" (2003, p.43), estão compreendidos nos art. 12 e 13.

Os Direitos políticos são aqueles direitos subjetivos que permitem ao indivíduo exercer sua cidadania participando de forma ativa da vontade política do Estado, se fazendo presente no artigo 14.

E os Direitos relacionados aos partidos políticos compreendem à existência, organização e participação, estando regulamentados no artigo 17.

Voltando para o novo título trazido pela Constituição, percebe-se que existe uma diferenciação entre Direitos e Garantias, pois o primeiro, segundo Jorge Miranda, representa por si só os bens, enquanto que as garantias estão destinadas a assegurar os percursos desses bens (1990, p.88- 99).

Complementa José Joaquim Canotilho ao lecionar que as garantias clássicas também são tidas como direitos mesmo que na maioria das vezes funcione como instrumento acessório de proteção aos mesmos (1993, p.522).

A questão do caráter instrumental da proteção dos direitos, quais sejam, as garantias são pontos primordiais. Corrobora Alexandre de Morais, em sua obra Direito Constitucional, ao afirmar que “apesar de muitas vezes virem consagradas e protegidas pelas leis constitucionais, não seriam verdadeiros direitos atribuídos diretamente às pessoas, mas a determinadas instituições que possuem sujeito e objeto diferenciado” (2002, p.62).

Não adianta, portanto, termos o direito expresso em lei constitucional se não temos ferramentas para trabalhá-los.

Importante ainda mencionar que ao analisar o texto constitucional vigente percebem-se várias previsões de complementações legislativas, ou seja, normas programáticas, tendo através de pesquisas sobre a Assembléia constituinte de 1987 que o Poder Constituinte não poderia ter regulamentado imediatamente a efetivação de alguns dos direitos fundamentais, quais seja, a maioria sociais, econômicos e políticos, pois repercutiria em uma crise no governo. Essa marca que continua presente, ainda, desaponta muitos juristas, posto que as soluções dos problemas só foram adiadas.

Lembramos que as normas programáticas são aquelas em que são traçados apenas alguns preceitos a serem cumpridos pelo Estado, com cita Maria Helena Diniz “programas das respectivas atividades, pretendendo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado” (1992, p.19).

Na tentativa de se amenizar o “problema” surgido com as normas programáticas, traz a ciência do Direito, o instituto da hermenêutica jurídica para auxiliar nas interpretações legais e soluções de conflitos. Todavia, mesmo com esse instituto os problemas permanecem, como, por exemplo, cita o autor Ingo “com a redação do caput do art. 5º, seguindo dos 77 incisos, bem como o art. 6º, que anuncia genericamente quais os direitos sociais básicos, sem qualquer explicitação relativamente ao seu conteúdo, que deverá ser buscada no capítulo da ordem econômica e, acima de tudo, da ordem social, suscitando sérias de dúvidas sobre quais os dispositivos situados fora o Título II que efetivamente integram os direitos fundamentais sociais” (2004, p.79).

Assim, tenta-se através da hermenêutica jurídica “que tem por objetivo investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, disciplinando a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restaurando o conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação; ”(MORAIS, 2002, p.43) e mais se utilizando de “regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas, a aplicação das normas jurídicas consistente na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam” (2002, p.43).

Ainda nesse contexto observa-se a ausência de sistematização do legislador no texto constitucional, presente no §1º do art. 5º, quando consagra a aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais, excluindo conseqüentemente as de caráter programático, por mais que no § 2º haja aplicação dessa norma prevista para os demais direitos fundamentais, não estando necessariamente formalizados constitucionalmente. Contudo, não há como haver a aplicação instantânea de uma norma, quando primeiro se precisa outra para regulamentá-la, no caso dos direitos que necessitam de regulamentação. Evidencia-se assim, uma posição privilegiada do art. 5º, ante esse § 1º (SARLET, 2004, p.77).

Existe ainda, na doutrina de Ingo Wolfgang, uma crítica no que concerne às normas contidas na Carta Magna no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, haja vista que nem todas revelam ser de direitos fundamentais, existindo algumas que tratam de questões “organizacionais” e outras de “normas de natureza penal”, todavia a mesma doutrina que faz essa observação afirma que não é possível questionar “tais desfunções”, uma vez que não se sabe o porque do legislador constituinte tê-lo consagrado nessa posição de “fundamentalidade formal” (2004, p.80).

Antes de seguirmos o curso do trabalho é interessante tecer algumas considerações acerca da “fundamentalidade” expressada no parágrafo anterior. Lembramos que a Constituição possui uma existência formal ou material, sendo a primeira geralmente associada à constitucionalização, apontando quatro dimensões relevantes, quais sejam: situam-se no ápice de todo ordenamento jurídico; como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de revisão, além de constituir limites materiais da própria revisão; tratam-se de normas  aplicáveis e dotadas de vinculatividade imediata aos poderes públicos e privados. Enquanto que a fundamentação material implica no conteúdo dos direitos fundamentais que é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade (SARLET, 2004, p.86-90).

Assim, a idéia essa fundamentalidade material e formal presente no § 2º do art. 5º proporciona uma abertura da constituição para outros direitos fundamentais, explica Ingo Sarlet, não se referindo somente aos positivados como os direitos fundamentais que se encontram fora do rol do Título II da Constituição (2004, p.93). José Joaquim Gomes Canotilho  em sua obra afirma a existência do “princípio da não tipicidade” dos direitos fundamentais que juntamente com uma “compreensão aberta do âmbito normativo das normas concretamente” consagradoras de direitos fundamentais, possibilitará uma concretização e desenvolvimento plural de todo o sistema constitucional (1982, p.355-356).

Ao contrário desse último autor mencionado, comporta-se a doutrina pacificamente, quais sejam, João Barbalho (1902, p.334), Ruy Barbosa (1933,p. 263), Carlos Maximiliano (1918, p.775), de forma a não aceitar a possibilidade de se aplicar o tradicional princípio da inclusão do que não foi expressamente previsto mesmo podendo se deduzir seja na forma implícito e/ou indireta.

Corrobora o prof. Jorge Miranda quanto ao contexto acima enfocado ao afirmar que a diferença entre formalismo e materialismo presente em face aos fundamentos constitucionais revelam o real sentido do direito que é a aderência de ordem e princípios, posto que não dependem do constituinte para defini-los e sim de “uma idéia dominante” e do “senso jurídico coletivo”.

Assim, a verdadeira questão que se encontra por traz de toda essa discussão sobre a fundamentalidade dos direitos, entende Igno Sarlet, é se o § 2º do art. 5º viabiliza a extensão, ou seja, abertura para um “catálogo”(palavra utilizada pelo prof. Ingo) de direitos fundamentais que necessariamente não se encontram dispostos em texto constitucional, ou seja, os materialmente constitucionais.

Essa abertura material se encontra sobre três formas, conforme cita a autora Flávia Piovesan em sua obra A reforma do Judiciário, são eles: os direitos expressos em texto constitucional, que já foi esclarecido; os direitos implícitos e decorrentes do regime e princípios presentes na Carta Magna; e direitos expressos em tratados internacionais no qual o Brasil é signatário.

Observa-se que essa última forma aparentemente se visualiza uma certa inconsistência, todavia sua vinculação consolidou-se através do § 2º do art. 5º trazida pelo Constituinte de 1988, quando partiu o constituinte de uma “interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional” (PIOVESAN, 2005, p.70).

4. O § 3º  NO ART. 5º TRAZIDO PELA EMENDA CONTISTUCIONAL Nº 45/2004

O sistema constitucional brasileiro, desde de 1988 permitiu que os tratados ou convenções sobre direitos humanos, o qual o país fosse signatário, possuíssem um caráter constitucional.

Assim, após promulgação da Carta Magna de 1988, o país ratificou-se a uma série de tratados e convenções como os citados pela autora Flávia Piovesan: em julho de 1989 aceitou a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; em setembro do mesmo ano foi Convenção contra Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou degradantes; um ano depois aderiu a Convenção sobre Direitos das Crianças; em janeiro de 1992 o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; em setembro do mesmo ano foi a Convenção Americana de Direitos Humanos; em novembro de 1995 foi a vez da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher; em agosto de 1996 aderiu ao Protocolo da Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte e ao Protocolo da Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; em junho de 2002 foi a vez do Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional e o Protocolo facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra Mulher; e o último agora em janeiro de 2004 que foi o Protocolo facultativo à Convenção sobre Direitos da Criança, no que concerne ao envoltura de crianças em conflitos armados, bem como a prostituição, pornografias infantis e vendas dessa (2005, p.68).

As menções aos tratados internacionais previstos pelo § 2º do art. 5º geraram muitos debates no que tange a hierarquia desses na Constituição Federal, uma vez que a doutrina possuí, conforme leciona Flávia Piovesan, quatro formas de interpretação acerca dessa hierarquia frente a Constituição Federal, são ela: hierarquia supraconstitucional; hierarquia constitucional; hierarquia infraconstitucional, mais supralegal; e a paridade hierárquica entre tratado e Lei Federal (2005, p.69).

De antemão, informamos que o assunto no âmbito do Supremo Tribunal Federal não se encontra pacificada, pois se manifestando sobre o assunto em 1995, através do julgamento do HC 72.131-RJ, a decisão foi de igualdade entre tratado e lei federal, todavia também houve uma grande aceitação no que concerne à hierarquia constitucional; e infraconstitucional, mas supralegal.

Assim, percebe-se o conflito existente quanto à validade hierárquica desses tratados e convenções ante o “sistema misto” em que se trabalha o direito brasileiro, quando da combinação de regimes jurídicos diferentes. Esses regimes são de aplicação aos tratados de direitos humanos e a tratados referentes a outros assuntos, vejamos: o primeiro apresentando natureza constitucional e ao segundo infraconstitucional (PIOVESAN, 2005, p. 71).

Com isso, o parágrafo terceiro trazido pela emenda nº 45/2004, surge em reposta ao conflito existente doutrinário e jurisprudencial, pois partindo da interpretação do parágrafo anterior, segundo a autora Flávia Piovesan pode-se extrair dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos sua natureza constitucional, todavia o grau de hierarquia frente a outras normas é que permite entendimentos divergentes.

Assim dispõe o texto do § 3º:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Desta forma, visualiza-se uma adequação hierárquica formal constitucional, pois através da aprovação pelo Congresso Nacional os tratado ou convenções sobre direitos humanos, da qual o Brasil é signatário, se tornarão equivalentes às emendas constitucionais. 

Ao lermos o parágrafo inovador do art. 5º, não percebemos claramente a importância no que se refere ao quorum mínimo exigido, entretanto essa passagem é de suma importância, posto que esse quorum qualificado expressa a  força de natureza constitucional quando da sua incorporação à Carta Magna, afirma a autora Flávia (2005, p.72), tanto é que se equivale ao exigido para se aprovar emendas à Constituição previsto no art. 60, §2º, o qual dispõe:

Art. 60 – A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

A autora ainda ressalta, que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil não serão recepcionados como lei federal, posto que agora com o § 3º se exigirá a aprovação do Congresso Nacional.

O ingresso desse parágrafo no art. 5º permitiu que se reconhecessem os direitos humanos fundamentais materiais, diferenciando assim dois tipos de tratado de direitos humanos fundamentais, vale lembrar, desde já, que esses já foram explicados ao longo do trabalho, são eles mencionados pela doutrinadora Flávia Piovesan: os materialmente constitucionais e os materialmente e formalmente constitucionais.

 Assim, afirma a autora a existência de uma diferença quanto essas duas categorias, pois os tratados materialmente constitucionais são suscetíveis de denúncia, enquanto os material e formalmente não.

Isso ocorre, pelo fato da previsão contida no art. 60 § 4º, IV da Constituição, definir direitos e garantias fundamentais como sendo “clausulas pétreas” não podendo ser alteradas, abarcando assim somente os tratados material e formalmente constitucionais que receberam posição de texto constitucional.

Não nos ateremos ao instituto da denúncia, mais é interessante explanar que se trata de um instrumento que os Estados signatários possuem, em face dos regimes de direito internacional público, sendo esse direito de natureza constitucional diferente.

Finalizando o presente trabalho corroboramos o entendimento de Flávia Piovesan quando acredita esses tratados de direitos humanos já presentes como emenda constitucional podem ser abarcados também pelo § 1º do art. 5º, o qual proporciona aplicabilidade imediata, uma vez que já passaram por todo um procedimento legislativo de incorporação ao texto Constitucional.

No mais reiteramos no sentido de que o § 3º foi de excepcional importância, abrindo espaço para o Brasil ser visto com militante pela proteção e busca dos Direitos Humanos Fundamentais.

5. Considerações finais

            Os direitos humanos fundamentais é um assunto tratado como temática chave nos grandes debates, discussões e reuniões realizadas pelos juristas nacionais e internacionais. É desse estudo permanente sobre o tema que se encontra sua compreensão, tentando-se buscar meios para torná-los universais, não que não sejam, mas que se façam presentes, com respeito, no ordenamento jurídico de cada país.

            Assim, é através de uma possível equiparação dos tratados internacionais de direitos humanos à emendas constitucionais, que o Brasil tentará fomentar a consciência humana de se albergar os direitos humanos fundamentais seja ele escrito ou não escrito, posto que trata-se de um assunto intrinsecamente ligado aos valores do homem.  

Referências:

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-BARBOSA, Rui. Comentários a Constituição Federal Brasileira. Vol. II, São Paulo: Saraiva & CIA,. 1933.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora.

________. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

DINIZ, Maria Helena. Normas Constitucionais e seus efeitos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. Saraiva , 2002.

MAXIMILIANO, Carlos. Comentários a Constituição Brasileira. Rio de janeiro,: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1918.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito Constitucional. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990.

MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. Atlas, 2002.

________. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. Atlas, 2003.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos humanos. Livraria Advogados, 2004.

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Positivo. Ed. Revista M, 1998.

PIOVESAN, Flávia. A reforma do Judiciário e os Direitos humanos, 2005.

 

Como citar o texto:

FONTES, Grazielly dos Anjos..A inovação constitucional referente aos tratados de direitos humanos fundamentais na Emenda nº 45/2004. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 143. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/786/a-inovacao-constitucional-referente-aos-tratados-direitos-humanos-fundamentais-emenda-n-452004. Acesso em 13 set. 2005.

Importante:

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