Resumo: Esse texto estuda os institutos da prescrição e decadência, a partir de sua ontologia jurídico-conceitual, destacando os respectivos critérios apresentados pela doutrina na tentativa de diferenciá-los, bem como sua regulamentação pelo Código Civil de 2002.

Abstract: This paper studies the institutes of lache and prescription in Brazilian Civil Law, emphasizing their correspective ontologies (concepts) in order to distinguish them under the 2002 Brazilian Civil Code.

Palavras-chaves: direito, pretensão, ação, prescrição e decadência.

Key-Words: Prescription, Laches, Concepts, Distinguishment.

1. Introdução

1.1. Objeto

Doutrina e jurisprudência têm dificuldade de obter uma conclusão consensual sobre a diferença entre prescrição e decadência.

Todos os critérios apresentados até há pouco foram insuficientes para difenciar, com rigor técnico, um instituto do outro. O próprio Código Civil de 1916 não era claro na diferenciação, pois regulava, em apenas um capítulo, todos os prazos sob a denominação genérica de prescrionais.

O presente artigo, elaborado no mês de agosto de 2005, tem por finalidade analisar cientificamente os institutos da prescrição extintiva e da decadência no Direito Civil, trazendo à baila os critérios apresentados pela doutrina e nova legislação civil, notadamente a partir da contribuição de Agnelo Amorim Filho.

1.2. Limites

O texto aborda a doutrina e legislação brasileiras em relação aos institutos referidos, tentando emprestar contribuição conceitual clarificadora da distinção dos mesmos. Pouco se hauriu da jurisprudência judiciária, porquanto já sedimentada nos fundamentos doutrinários e legistas acima referidos.

1.3. Metodologia

Utilizamos de metodologia mista, ora nos servindo do direito positivo, donde induzimos fundamentos aplicativos para deduzirmos as ponderações que alinhamos nas “Conclusões” abaixo, sempre tendo por referência o critério valorativo-científico da Ciência do Direito, que é o da imputação.

2. Noções Conceituais Fundamentais

No estudo dos institutos da prescrição e da decadência, o personagem principal é a grandeza “tempo”. Deveras, o lapso temporal ora interfere na aquisição, ora na extinção de um direito.

A prescrição deflagra-se após violação de um direito. Daí o art. 189 do Código Civil prever, verbis: violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Segundo a disposição legal encimada, o não-exercício da pretensão durante determinado período de tempo, fixado pelo legislador, acarreta para o seu titular a sua extinção. O tempo atua contra o titular da pretensão. Entende-se pretensão como a faculdade de encaminhar direito lesionado (lesão) ou não ao Poder Judiciário. A doutrina majoritária entende pretensão como referente a direito lesionado (lesão). Pouco se fala de pretensão fora de lide.

Vejamos uma segunda hipótese. O tempo atuaria de forma positiva na usucapião, v.g., como nos ensina Sílvio Rodrigues, verbis: o legislador vai deferir, à pessoa que desfruta de um direito por extenso período de tempo, a prerrogativa de incorporá-lo ao seu patrimônio.2

O elemento tempo atuou não na extinção de um direito, mas na sua aquisição.   

Na primeira hipótese acima ventilada, temos a chamada prescrição extintiva, também denominada de prescrição negativa; no segundo, prescrição aquisitiva ou positiva.

Essa conclusão poderia parecer injusta ao cidadão sem noções jurídicas. Porém, uma análise detida dos princípios e regras reitores desses institutos nos conduz à conclusão de que se tratam de institutos necessários para a preservação da harmonia social, pois, como leciona Carlos Roberto Gonçalves, dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação, bem como o exame dos títulos do alienante e de todos os seus sucessores, sem limite no tempo.3 

Dessarte, a prescrição seria sanção punitiva à negligência, sob a parêmia milenar de que o direito não socorre àquele que dorme (dormientibus non sucurrit ius).

O fundamento prescricional baseia-se na proteção da ordem jurídica, como garantia à segurança, paz pública e conservação das relações jurídicas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias.

Como vimos, o tempo é a principal grandeza na extinção e na aquisição de um direito. O direito pode ser extinto ou adquirido num espaço de tempo, fixado pelo legislador, em prazo que medeia o termo a quo e o termo ad quem.

Nesse intervalo, a solução da relação jurídica doentia permanece indefinida, gerando, assim, incerteza e desarmonia no meio social. Esse estado patológico decerto não contribui para a finalidade última do direito, que é a consecução da paz social, e, portanto, não deve perdurar infinitamente, sob pena de se estabelecer o caos de injustiça e insegurança.

É mister, portanto, que o legislador ponha cobro a esse estado de fato, utilizando do meio mais eficaz de consolidar as relações jurídicas incertas, como seja, por meio dos institutos da prescrição e da decadência.

Desse jaez, define-se prazo para que o titular exerça sua pretensão ou seu direito, após o que, dando-se a inércia, o legislador dá por consolidada a relação, fulminando a pretensão ou o direito até então existentes, em nome do binômio justiça-segurança.

3. Prescrição e decadência no Código Civil de 1916

Durante a vigência do Código Civil de 1916, doutrina e jurisprudência não conseguiram elaborar critério científico rigoroso para diferenciar a prescrição da decadência.

O Código de Beviláqua não era claro na descrição dos prazos. Regulava, sob a mesma denominação genérica, os prazos prescricionais e os decadenciais, englobando a idéia de prescrição em sentido estrito e de decadência.

A razão da confusão situava-se na existência de vários prazos ali taxados de prescricionais, quando eram, na verdade, decadenciais.

Coube precipuamente à doutrina a tarefa de apresentar critérios que se pretendiam seguros para diferenciar os dois institutos. Todavia todos os critérios apresentados titubeavam na diferenciação, o que complicava sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito.

Visando a tornar claro quais seriam os casos de prazos prescricionais e decadenciais, apresentemo-los. Citemos, para sumarizar, os dois principais critérios (doutrinários).

3.1. Diferença entre prescrição e decadência, quanto aos efeitos

Segundo essa doutrina, na prescrição, o que perece é a ação que assegura o direito.

Já na decadência, é o próprio direito que fenece, em virtude da inércia de seu titular durante determinado período de tempo previamente fixado pelo legislador.

Tal doutrina, parte do ponto correto, mas peca na sua finalização, diante da nova ordem constitucional, inaugurada na Carta de 1988.

Por esta, a ação é um direito público subjetivo abstrato ali assegurado como garantia. Com efeito, Reza o art. 5°, inciso XXXV, que, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.

Assim, como justificar o posicionamento dessa doutrina tendo em vista o citado artigo? Só resta uma conclusão: não é o direito de ação que fenece.

Essa doutrina afirma ainda que a prescrição é suscetível de ser interrompida, suspensa, renunciada e não corre contra determinadas pessoas.

Já os prazos decadenciais, por sua vez, correm inexoravelmente contra todos, não suspendendo nem admitindo interrupção.

O erro dessa corrente, está já no seu fundamento.

Tentar diferenciar um instituto do outro tendo como ponto de partida seus efeitos ou suas conseqüências, é um defeito insolúvel.

Não se deve estudar institutos jurídicos partindo de seus efeitos ou suas conseqüências, mas da sua natureza jurídica, pois há casos em que os efeitos são os mesmos, mas diversos em sua essência;

3.2. Diferença tendo em vista a origem da ação

Quando a ação e o correspondente direito têm origem comum, trata-se de prazo de caducidade.

Quando o direito de ação nasce com a violação do direito, o prazo é prescricional.  

Esse critério, apesar de fascinante, também peca pela sua unilateralidade.

Como visto, a ação é um direito público subjetivo constitucionalmente garantido pelo art. 5°, inciso XXXV, que existe independentemente de um direito.

O direito de ação decorre de norma cogente de ordem pública (Direito Público), enquanto o direito subjetivo particular, dimana de direito dispositivo, optativo (porque de Direito Privado) conforme o interesse de seu titular.

Por outro lado, o critério diferenciador ora examinado, verbis:

Não fixou, em bases científicas, uma norma para identificar aquelas situações em que o direito nasce, ou não concomitantemente com ação, pois é este o seu ponto de partida para a distinção entre os dois institutos.4

Em face da insuficiência desses critérios, Agnelo Amorim Filho elaborou clássico artigo sob o título “Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”.

Partiu o jurista da diferenciação dos direitos potestativos e direitos a uma prestação de Chiovenda.

Direitos potestativos são aqueles conferidos pela lei para que o sujeito interfira, com uma declaração de vontade, na relação jurídica de outrem, independentemente de sua colaboração ou até mesmo contra sua vontade.

O seu exercício cria uma estado de sujeição para o sujeito passivo. É um direito atributivo. São exemplos de direitos potestativos, o poder de o mandante revogar o mandato e a doação; o poder de propor a dissolução da sociedade conjugal; o poder de promover a anulação dos negócios jurídicos; o poder que tem o herdeiro de aceitar ou renunciar a herança, enfim.

Direitos a uma prestação, por sua vez, são aqueles em que o agente é titular do direito  de obter certa prestação de outrem, seja um dar, um fazer ou um não fazer.

Nessa relação, a colaboração de outrem é essencial para a realização do direito subjetivo, por parte de seu titular, eis que cria, para o sujeito passivo, um estado de cooperação, pois tem por finalidade a prestação, que pode ser fornecida ou não.

Desse modo, concluiu o mencionado autor: somente os direitos à prestação podem ser lesionados, pois a sua realização depende da colaboração de outrem. Já os direito potestativos, por dependerem única e exclusivamente da vontade do agente, não se sujeitam a lesões.

Acentua Agnelo Amorim Filho que, a concepção dos direitos potestativos induziu a substituição da tradicional classificação das ações, oriunda do Direito Romano, e que levava em conta a natureza do direito cuja defesa se pretendia com o exercicio da ação.5

Chiovenda, a partir da classificação dos direitos subjetivos em dois grupos, já citados, passou a classificar as ações em três grupos: condenatórias, constitutivas e declaratórias.

A par da classificações dos direitos subjetivos em direitos potestativos e direitos a uma prestação, e das ações em condenatórias, constituvias e declaratórias, chegou Amorim Filho a três conclusões.

Primeira, estão sujeitas à prescrição todas as ações condenatórias e somente elas. Como mostrado, direito à prestação é aquele em que o titular necessita da colaboração de outrem para o exercício do seu direito, estando, por isso, sujeitos à lesão. Em ocorrendo esta, o titular do direito lesado lançará mão das ações condenatórias, aptas a condenar a outra parte a fornecer a prestação descumprida. Daí concluir-se que somente as condenatórias estão sujeitas aos prazos prescricionais, pois só se fala em prescrição, quando o direito puder sofrer alguma lesão.

Segunda, estão sujeitas à decadência todas as ações constitutivas que têm prazo especial determinado por lei para ser exercício;

Utiliza-se da ação constitutiva, quando o autor pretende criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Não se busca a condenação do sujeito passivo a prestação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, como ocorre nas ações condenatórias, mas a constituir ou desconstituir uma relação jurídica.

Vê-se, de logo, que as ações condenatórias são meios de proteção dos direitos a uma prestação, pois são os únicos capazes de sofrer alguma lesão, enquanto as ações constitutivas são meios de proteção dos direitos potestativos. Daí, porque são insuscetíveis de sofrerem qualquer lesão, são por isso, direitos sem pretensão. É o próprio direito potestativo que desaparece, em caso de não exercício pelo seu titular durante o período de tempo fixado pelo legislador. 

Por fim, concluiu Amorim Filho, que todas as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado por lei, e todas as ações declaratórias, são imprescritíveis.

 As ações declaratórias não visam a condenar alguém a dar, fazer ou não fazer algo, muito menos a constituir ou desconstituir relação jurídica nova, mas obter uma certeza jurídica, ou seja, o interesse do autor pode limitar-se à declaração da existência ou da inexistência de relação jurídica, da autenticidade ou falsidade de documento (CPC/1973, art. 4°, incisos I e II).

Agnelo Amorim Filho, assim, resolveu cientificamente a diferenciação entre prescrição e decadência.

Essa considerável contribuição não está imune, de toda sorte, a críticas, o que de forma alguma retira o brilho do seu magnífico trabalho, pois concluiu que haveria prescrição quando se der a perda do direito de ação, em virtude do transcurso do tempo fixado pela lei.

Não é o direito em si que prescreve, mas a ação que o tutela. Haveria decadência, por sua vez, quando se der a perda do próprio direito postestativo pela inércia do seu titular, durante determinado período de tempo.

Ora, pelo menos com relação à prescrição, não é o direito de ação que se extingue pelo decurso do prazo, posto que a ação é direito subjetivo, abstrato e autônomo, constitucionalmente assegurado. Ele existe independentemente da existência do direito material, sobrevivendo mesmo diante da improcedência do pedido.

Essa conclusão foi possível porque a doutrina ainda vacilava na diferenciação entre o direito de ação e o direito material. O Direito Romano, que fora uma das principais fontes do nosso sistema jurídico, estabelecia que não havia direitos subjetivos, mas ações. O próprio Código Civil de 1916 afirmava que todo direito corresponde a uma ação que o assegura. Daí a afirmação de que a prescrição extingue a ação.

Após o amadurecimento de várias teorias sobre a diferenciação entre o direito de ação e o direito material, o atual Código Civil colocou um fim na celeuma, estabelecendo que a prescrição extingue a pretensão, e não o direito de ação.

4. Prescrição e decadência no Código Civil de 2002

Como já destacado, na vigência do Código Civil pretérito, não se conseguira diferenciar precisamente quais os casos de prazos prescricionais e decadênciais, haja vista que o próprio Código tratava, no mesmo rótulo sob  denominação genérica, os prazos prescrições e decadenciais, o que causava graves conseqüências na aplicação do direito no caso concreto.

O atual Código Civil procurou suprimir qualquer dúvida existente.

Instituiu um capítulo específico para prescrição (arts. 189 a 206) e outro para a decadência (arts. 207 s 211).

Miguel Reale, Coordenador Geral do Projeto do novo Código Civil, seguiu três princípios fundamentais na elaboração do anteprojeto do atual Código Civil: o da Eticidade, Socialidade e o da Operabiliade. Interessa-nos o princípio da operabilidade.

Através desse princípio, procurou-se tornar o Código o mais eficaz possível, além de proporcionar fácil interpretação e aplicação pelo operador do Direito. Para efetivar o referido princípio, fora feito grande modificação na posição topográfica dos prazos prescricionais e decadenciais.

Explica Miguel Reale:

Para evitar esse inconveniente, resolveu-se enumerar, na Parte Geral, os casos de prescrição, em numerus clausus, sendo as hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a disposição normativa que a estabelece. Assim é, por exemplo, após o artigo declarar qual a responsabilidade do construtor de edifícios pela higidez da obra, é estabelecido o prazo de decadência para ser ela exigida.6

Essa operação espanca qualquer dúvida.

Prazos prescricionais são os previstos limitadamente (numerus clausus), na Parte Geral do Código, e os decadenciais estão arrolados, após a descrição do artigo, tanto na Parte Geral, como na Especial.

Resolveu-se, assim, de maneira simplista, um dos problemas mais intrigantes do Direito Civil: diferenciar os prazos prescricionais dos prazos decadenciais.

É importante ressaltar que o projeto elaborado por Clóvis Beviláqua disciplinara os prazos prescricionais na Parte Geral e os decadenciais logo em seguida a descrição do artigo, espalhados ao longo do Código.

Ensina-nos Humberto Theodoro Júnior que,

Assim permaneceu durante as discussões regimentais. Na redação final, foi que a comissão dela encarregada, na suposição de aprimorar o projeto, transferiu da Parte Especial para a Parte Geral todos os prazos de decadência, colocando-os ao lado dos prazos prescrionais. Sobre essa esdrúxula e confusa unificação não chegou a haver debate, de sorte que o planejado melhoramento acabou por redundar, para os aplicadores do Código num dificílimo problema, pois o que efetivamente se deu foi um ‘erro manifesto de classificação’, como registrou Costa Manso.7

Andou bem, Miguel Reale, ao corrigir um lamentável erro da comissão de redação final do Código Civil de Beviláqua. Tal procedimento, contudo,  não o imuniza de críticas, obviamente. Tendo o Código de 2002 adotado a teoria de Agenelo Amorim Filho, o agente só lançará mão das ações condenatórias, quando o seu direito sofrer alguma lesão, e o único direito passível de sofrer alguma dano, é o direito sujeito a uma prestação.

Logo, estão sujeitos aos prazos prescricionais todas as ações condenatórias, e somente elas. E, segundo o Comissão Revisora, todos os prazos prescricionais estão elencados na Parte Geral.

Ocorrem, porém, que na ação ex empto  e na quanti minoris, por terem a finalidade de obter provimento condenatório por inadimplemento contratual, o prazo de uma ano, é prescricional (CC/02, art. 501), mas segundo o critério adotado pela Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, o prazo é decadencial, posto que previsto na Parte Especial. 

Entendemos que apenas o prazo de um ano para pleitear a resolução do contrato, por meio da ação redibitória, em razão de a pretensão ter natureza constitutiva, seria decadencial.

Concluímos, assim, que o critério adotado é insuficiente para diferenciar os prazos prescricionais e dos decadenciais, pois há casos em que, mesmo estando na Parte Especial, o prazo é prescricional.

5. Inteligências do artigo 189 do Código Civil de 2002

O art. 189 do Código Civil estabelece, verbis: que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206.

O Código adotou, portanto,  a tese de que a prescrição extingue a pretensão, e não a ação, como previa o Código Civil de 1916.

Contudo, adverte César Fiúza:

Ademais, a pretensão nascida da violação a um direito a uma prestação rigorosamente não se extingue. Tanto  não se extingue que, se pagamento for  realizado espontaneamente, será  válido, não tendo o devedor direito de repeti-lo, (pedi-lo de volta). Se, por outro, lado, apesar da prescrição, o credor  acionar o devedor, exigindo o adimplemento da prestação, e este não alegar a prescrição em sua defesa, será proferida sentença condenatória favorável ao credor, que poderá executá-la e, obtendo sucesso na execução, o pagamento se concretizará, não podendo ser repetido. Assim, aquela pretensão hipotética acabou  por se concretizar. Não se extingui definitivamente pela prescrição.8 

Continua o citado professor da Universidade Federal de Minas Gerais:

Se está claro que a prescrição não extingue a ação, tampouco o direito a uma prestação, ou a pretensão surgida da violação deste direito, em que consistiria ela então? Melhor dizendo, o que a prescrição atingiria. A resposta, para mim, é óbvia: a prescrição atinge a responsabilidade. Com o decurso do prazo, o devedor passa a não mais responder pela dívida; passa a não mais responder pelo inadimplemento, do direito a uma prestação do credor.9

 Para César Fiúza, portanto,  não estaria correta a doutrina de Agnelo Amorim, nem o conceito legal de que a prescrição extingue a pretensão, pois a prescrição não extingue a ação, nem muito menos a pretensão, e, sim, a responsabilidade do devedor.

Entendendo de forma diversa, doutrina Humberto Theodoro Júnior:

Ora, se o credor  não perde a  pretensão, porque pode obter pagameno ou condenação, se não invocada a prescrição, o mesmo acontece com a responsabilidade, ou seja, também a responsabilidade prevalecerá, levando o devedor a sofrer a expropriação executiva, se a exceção de prescrição não for tempestivamente argüida. Como então falar, in casu, em extinção da responsabilidade. De fato, a prescrição não gera imediatamente a perda da pretensão, mas conduz à sua extinção se o devedor, acionado, fizer uso da respectiva exceção.10

Em contrapartida, é de se ver claramente que prescrição e decadência são meras sanções legais. Sabemos que sanção é o comando de conduta resultante da realização de ato ou fato previsto em norma jurídica. Noutras palavras: sanção é o resultado imposto pela norma jurídica em caso de acontecer, no mundo fático, o comportamento hipoteticamente nela previsto.

Desse modo, enquanto podemos observar a existência de critérios lógicos no estabelecimento dos institutos prescricional e decadencial em torno de categorias de direitos, não podemos deixar de verificar certa dose de arbítrio político nessa operação locativa.

De toda sorte, e conseguintemente, se a opção por prescrição e decadência é ato político, ao fim e ao cabo, na ausência de definição legal, o critério científico (doutrinário), aqui expendido, servirá, subsidiariamente, como luz distinguidora ao operador do direito.

6. Conclusões

             Em face das considerações expendidas acima, permitimo-nos estabelecer as seguintes conclusões:

           (a) A prescrição e a decadência são sanções impostas pela lei, em virtude da inércia do titular por período de tempo previamente fixado pelo legislador.

           (b) A sanção, na sua feição negativa, é uma medida legal imposta ao violador da norma jurídica a fim de fazê-lo reparar o dano causado a outrem.

           (c) Apesar de entendimento contrário, citado acima, entendemos que o conceito de prescrição é puramente  legal, sendo este estabelecido pelo art. 189 do Código Civil, sob pena de subversão da ordem jurídica.

          (d) A decadência é a perda de um direito subjetivo pelo decurso de tempo fixado pelo legislador. O seu conceito não é científico, mas político.

         (e) Finalmente, mesmo diante da nova sistemática utilizada pelo atual Código Civil visando a diferenciar os prazos prescricionais dos decadenciais, alguns dos prazos elencados na Parte Especial são prescricionais, por exemplo, o estabelecido no artigo 501.

7. Bibliografia

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DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

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DOWER, Nelso Godoy Bassil. Noções de Direito: Instituições de Direito Público e Privado. 12a edição. São Paulo: Nelpa, 2004.

FIÚZA, César. Direito civil: curso completo. 8. Ed., Ver., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

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MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v.1: parte geral. 39. ed. ver. e atual. por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. v.1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NOTAS:

2. Direito Civil: 1° volume, parte geral, cit., p. 323.

3. Direito Civil brasileiro: parte geral: v.1, cit., p.464.

4. Amorim Filho, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprecritíveis, cit., p. 10

5. Idem, p. 15.

6. Opinião Jurpidica. n. 1, cit. p. 14, verbis.

7. Distinção Científica entre prescrição e decadência. Um atributo á obra de Agnelo Amorim Filho, cit., RT. 836:50, verbis.

8. Direito Civil Curso Completo, cit., p. 252-253, verbis.

9. Idem, p. 253, verbis.

10. Distinção Científica entre prescrição e decadência. Um atributo á obra de Agnelo Amorim Filho, cit., RT. 836:61, verbis.

 

Como citar o texto:

LOBO, Júlio César Matias..Prescrição extintiva e decadência no novel Código Civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 147. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/833/prescricao-extintiva-decadencia-novel-codigo-civil. Acesso em 10 out. 2005.

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