O projeto de lei do Deputado federal Ivan Ranzolin, prevê a alteração à Lei 8.560 de dezembro de 1992, regulando novos dispositivos para fortalecer à presunção de paternidade.

O artigo 2.° do Projeto de Lei altera à redação do também art. 2.° da lei referida, com o seguinte teor:

“Art. 2.° ....

§ 4.° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz declarará a paternidade presumida remetendo-se certidão da referida decisão ao oficial do registro, para a devida averbação, e notificando-se o suposto pai do teor da decisão para que o mesmo possa, se for o caso, propor ação de impugnação de paternidade, assumindo o ônus da prova.

§ 5.° Nas hipóteses não compreendidas no parágrafo anterior, em que o Ministério Público entender presentes elementos suficientes, poderá intentar ação de investigação de paternidade.

§ 6.° A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento de paternidade.

§ 7.° Ajuizada a ação de investigação de paternidade de registro realizado com base no § 4.°, poderá o juiz em face da prova produzida sustar liminarmente ou, após audiência de justificação, os efeitos decorrentes do registro.

§ 8.° Efetuada a averbação da paternidade presumida, o oficial do registro emitirá nova certidão de nascimento, encaminhando-a ao juízo.

§ 9.° Tanto a averbação, quanto a Segunda via da certidão de nascimento, são gratuitas.

§ 10.° A morte do suposto pai biológico não impede a declaração da presunção da paternidade, devendo, neste caso, serem notificados os avós paternos, na falta de herdeiros legítimos.

§ 11.° A falsa indicação de paternidade configura crime previsto no art. 299 do Código Penal.”

A justificativa em que se funda este Projeto de Lei versa no sentido de que na sistemática atualmente vigente, é propiciado ao suposto pai a faculdade de notificado judicialmente da investigação de paternidade, reconhecê-la ou negá-la, sendo que neste último caso a criança permanece sem registro paterno até que seja julgada a ação de investigação de paternidade, podendo está última, perdurar por vários anos. E o ônus da prova na ação de investigação de paternidade compete ao autor, a quem caberá enfrentar às dificuldades na condução da instrução probatória e a freqüente negativa do réu de se submeter ao exame de DNA, que além de possuir custo elevado, acaba por ficar na dependência da boa vontade do suposto pai, já que a jurisprudência nega à possibilidade de impor-lhe à submissão ao referido exame.

E mais, as crianças registradas sem paternidade declarada, sofrem constrangimentos de toda ordem, com reflexos negativos sobre a sua personalidade.

O dispositivo em questão tem o objetivo de produzir efeitos, introduzindo em nossa legislação, o aperfeiçoamento da presunção de paternidade, de forma a promover uma alteração no ônus da prova, mediante a sua inversão, sendo que ao suposto pai cabe o papel de afastar à relação paternal a ele dirigida. Forte argumento onde se firma o presente instituto, é o de garantir o direito fundamental da personalidade da pessoa humana e dignidade.

É clara a intenção do legislador quanto à relação entre pai e filho, vez que o foco principal desta lei é o investigante, pois com o projeto em questão se busca a viabilização da presunção de paternidade, de forma a cercear a defesa do suposto pai, senão vejamos.

À criança, protegida pelo artigo 227 da Constituição Federal, devem ser asseguradas todas as garantias necessárias para que possa subsistir, mas devemos extrair desse conceito um sentido amplo, que se encontra implícito. Tanto a criança como o adolescente em formação necessitam de apoio material, moral e intelectual. No que diz respeito à sua formação moral, é  fundamental que qualquer criança tenha o conhecimento da sua identidade. A personalidade e a dignidade são premissas de primeira ordem, porém, há uma complexidade na resolução de tal questão.

Com base no § 4.°, Art. 2.° do projeto de lei em questão, se o suposto pai nega a autoria da paternidade que lhe é atribuída, logo o juiz da causa declarará a paternidade presumida, remetendo-se a certidão da decisão ao oficial do registro, modificando o assento de nascimento do investigante. Em primeiro lugar, não resta dúvida da incompatibilidade do artigo com o princípio da ampla defesa e do contraditório, pois o suposto pai não terá a oportunidade de demonstrar a não existência do vínculo de parentesco, vez que lhe será atribuída a paternidade sem a certeza jurídica, ou seja, sem base em provas concretas, configurando-se um completo cerceamento de defesa.

O art. 5.°, LV, da Constituição Federal trata do direito ao contraditório e à ampla defesa dentro do processo onde há a discussão de direitos.

“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Para que se possa chegar a uma verdade real dentro do processo, são necessários elementos, ou provas que elucidem a questão. É necessário o asseguramento dessas condições ao réu. Através de afirmações e negativas que são feitas a cada fato, é que se consegue a apuração da verdade nos autos.

O objetivo principal deste direito é assegurar que não haja uma lide desigual, já que todas as pessoas devem ser tratadas de forma igual.

É necessário observar que “o princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação.[1] (grifo nosso).

A defesa conferida ao réu, consiste na possibilidade de ter iguais chances conferidas ao autor para opor-se contra o que lhe é imputado. A ampla defesa só estará plenamente assegurada quando uma verdade tiver iguais possibilidades de convencimento do juiz da causa, podendo ser alegada por ambas as partes. Todos os elementos juntados pelo autor,  devem necessariamente corresponder a igual possibilidade de geração de elementos pela outra parte. Na medida em que forem produzidos atos, o contraditório concederá, igual direito à outra parte de fazer prova em contrário, ou contradizer o alegado.[2]

O caráter dialético do processo que se desenvolve por informações, e que posteriormente saneadas pelo magistrado, é por tal motivo o contraditório,  que deve ser avaliado pelo próprio juiz, para que seja verificado se a defesa apresentada foi satisfatória para a formação de um convencimento, satisfazendo a exigência do juízo.

Há uma total inobservância em relação ao caminhar do processo, pois deve estar de acordo com a lei, não podendo no caso em questão ser suprimida a fase instrutória. Como poderia um magistrado sentenciar sem a certeza dos fatos alegados, mas somente com suposições e alegações infundadas. Esta incerteza, que leva à presunção, pode trazer na esfera civil uma total insegurança jurídica, porque posteriormente à atribuição da paternidade, é que lhe será concedido o direito de contestá-la.

O processo é manifestação de um direito da pessoa humana. Por tal motivo, há um interesse constitucional em disciplinar os processos, porque, se não o fosse, leis mal elaboradas, que analisam a solução de problemas de uma forma simplificada, poderiam causar prejuízos aos direitos subjetivos, que deveriam ser amparados.

Observa-se que o devido processo legal é a proteção da pessoa, contra ação arbitrária, podendo causar temeroso prejuízo. Observa Celso Ribeiro Bastos que “o direito ao devido processo legal é mais uma garantia do que propriamente um direito e por ele visa-se a proteger a pessoa contra a ação arbitrária do Estado.”[3] Por tanto, podemos deduzir, que o devido processo legal deve ser respeitado.

Quando da atribuição da paternidade ao suposto pai, tem-se a modificação no assento de nascimento do filho, sendo atribuído a este último todos os direitos da filiação, tornando-se detentor da posse do estado de filho. O elo de ligação criado, traz não para o progenitor, mas sim para o filho, uma expectativa, ou melhor, um anseio de convivência. Mas não se pode dizer que está presente a afetividade de ambos os lados. E com base neste fato, havendo a impugnação à paternidade, posteriormente pode-se ter o seu acolhimento. Para o filho, que por alguns momentos de sua vida teve reconhecida sua ancestralidade, e esta então lhe é suprimida, pode frustar suas expectativas e sua própria dignidade. Isto seria a mesma coisa que dizer: temos o direito de retirar o direito. Qual hipótese é mais sensata para o reconhecimento de um direito, a investigação da paternidade seguindo todo o rito processual legal, para posterior certeza jurídica de fatos e direitos, ou a atribuição precipitada de uma relação que posteriormente poderá ser desfeita?

O projeto de lei aqui em discussão, versa sobre tema de suma importância, pois regula relações humanas, sendo que estas não podem de forma arbitraria serem impostas e aceitas para que se tampe o sol com a peneira.

É necessário que seja feito um estudo sobre a lei em formação, para posterior adequação  e contemplação ao atual diploma legal.

REFERÊNCIAS:

 

 

[1] NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2.ª Ed., São Paulo, 1995, Revista dos Tribunais, p. 122.

[2] Parafraseando MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9.ª Ed., São Paulo, 2001, Atlas, pág. 117.

[3] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22.ª Ed., São Paulo, 2001, Saraiva, pág. 234.

(Artigo elaborado em junho de 2005)

 

Como citar o texto:

CORTEZ JÚNIOR, João Cláudio..Comentários ao Projeto de Lei n.º 3.505/04, que dá Nova Redação à Lei n.º 8.560/92. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 152. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/890/comentarios-ao-projeto-lei-n-3-50504-nova-redacao-lei-n-8-56092. Acesso em 14 nov. 2005.

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