A legislação eleitoral brasileira ficará mais rigorosa com os políticos que cometerem atos ilícitos se for aprovado o anteprojeto, elaborado por uma comissão criada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Uma das principais novidades do projeto é que todos os crimes relacionados com a disputa eleitoral serão enquadrados tanto no Código Penal quanto na legislação eleitoral. Segundo o advogado Alberto Rollo, especialista em legislação eleitoral, a novidade implica em punições mais pesadas. Os condenados, além de ter a pena agravada em um terço, poderão ainda ter os direitos políticos suspensos, o mandato cassado e decretada a inelegibilidade

Também deverá aumentar o prazo de prescrição dos crimes eleitorais, já que a pena mínima, que na legislação eleitoral atual é de um ano, passaria a ser de três anos. Ao ser julgado em segunda instância, segundo Rollo, o prazo para prescrição da pena começaria novamente e por isso é mais difícil que um condenado fique impune.

Outro ponto que deve ser modificado é com relação à cassação do mandato por fraude nas contas de campanha. Na legislação vigente, o mandato só pode ser cassado por este motivo até 15 dias depois da diplomação. O anteprojeto do TSE prevê a cassação do mandato em qualquer momento em que for provada alguma fraude na prestação de contas.

Alberto Rollo acredita que a anteprojeto representa um grande avanço na legislação, mas não vai acabar com a fraude. “Essas medidas vão acabar com a avacalhação gerando uma evolução na legislação eleitoral mas isso não quer dizer, como em qualquer outra legislação, que não existirão pessoas buscando novas formas de burlar a lei”, afirma.

Segundo Rollo, há também previsão de alterações na Lei complementar 64/90, a Lei da Inelegibilidade, mas essas propostas, se aprovadas, só devem entrar em vigor em 2008 porque alteram o processo eleitoral. As demais propostas podem entrar em vigor já em 2006.

 

Confira a íntegra do anteprojeto do TSE 

Anteprojeto de Revisão dos Delitos Eleitorais

Exposição de Motivos

1. Aprimoramento legislativo

O sistema eleitoral brasileiro, em face de contingências históricas e oscilações institucionais, é um viveiro de leis de ocasião e um terreno minado de incertezas. Nenhum exagero existe, portanto, na afirmação de PINTO FERREIRA ao comparar a precariedade e a vida muito curta de nossas leis eleitorais com as "flores" de MALHERBE. Também a inflação de diplomas e o caráter puramente casuísta de muitos deles compõem o repertório de críticas do mestre pernambucano.

Apesar do exercício periódico da soberania popular pelo sufrágio universal e o voto direto e secreto para a eleição de seus representantes, o cidadão em geral desconhece as atividades partidárias e manifesta ceticismo quanto à satisfação dos fundamentos da República no contexto de um Estado Democrático de Direito, jurado pelo primeiro artigo da Constituição.

No preâmbulo da lei fundamental os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, indicaram como seu objeto o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça "valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias".

Pode-se afirmar que um dos caminhos para se alcançar estágios avançados no programa idealizado pelos constituintes de 1988, evitando que a declaração de esperança se transforme em frustrantes trechos de proclamações otimistas, consiste no aprimoramento das instituições políticas e dos costumes eleitorais a salvo da violência, da fraude e de outras expressões ofensivas à dignidade humana e ao progresso da sociedade. Em torno do universo da ciência e da arte da Política circulam as mais contraditórias manifestações, ora marcadas pelo ceticismo, ora impregnadas de boa-fé. Mas existe um pensamento superior e que neutraliza o maniqueísmo das polarizações. Ele nos vem do imortal MACHADO DE ASSIS, em passagem de Quincas Borba, considerado como o romance que mais se aproxima da tradição realista européia do Século XIX: "Contados os males e os bens da política, os bens ainda são superiores".

Com notável síntese, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) definiu a lei como "expressão da vontade geral" (art. 6º). Essa concepção idealística, que ilumina as mais diversificadas expectativas da comunidade social, serve para os projetos de legislação eleitoral que traduzam os princípios essenciais de um Estado Democrático de Direito. E se aplica, também, para estimular o processo de educação popular sobre a essência e a circunstância da vida política. Daí a certeira lição do historiador francês JULES MICHELET (1798-1874): "Quelle est la première partie de la politique? L" education. La seconde? L"education. Et la troisème? L"education".

 

2. A contribuição do Tribunal Superior Eleitoral

Os tribunais cumprem determinadas missões além da prestação jurisdicional que lhes é inerente por essência e circunstância. Entre elas se destacam as de natureza humana, social e política.

Já foi dito em antológica oração de sapiência (1953) que o juiz deve ser "o intermediário entre a norma e a vida, o instrumento vivente que transforma o comando abstracto da lei no comando concreto da sentença. Será a viva voz do Direito, ou mesmo a própria encarnação da lei. Porque a lei, com efeito, só tem verdadeira existência prática como é entendida e aplicada pelo juiz".

Em relação à competência jurisdicional do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL tem sido notável a sua contribuição para a fiel execução do Código Eleitoral e da legislação eleitoral extravagante. As instruções baixadas mediante autorização legislativa, são formalmente designadas resoluções. Aspectos relacionados ao alistamento, eleições, propaganda, apuração, etc., são positivados mediante resolução que costumeiramente tem força de lei geral. A negativa de sua vigência ou a contrariedade ao seu texto autoriza a interposição de recurso especial.

A iniciativa de contribuir para o aprimoramento do sistema positivo compreende as três espécies de missão referidas acima. E ela tem se materializado através de muitas iniciativas no plano legislativo. Entre os vários exemplos podem ser referidos: a) a proposta de modificação do Código Eleitoral de 1950, com a introdução da cédula única de votação, fruto de sugestões apresentadas pelo então presidente da Corte, o Ministro EDGARD COSTA e encaminhadas ao Congresso Nacional quando se tratava da reforma eleitoral (1954); b) a redação do Anteprojeto de que resultou o Código Eleitoral vigente (Lei nº 4.737, de 15.07.1965), quando presidente o Ministro CÂNDIDO MOTTA FILHO.

3. O Anteprojeto de 1991

No ano de 1990, e sob a presidência do Ministro SYDNEY SANCHES, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL criou uma Comissão de Estudos com a finalidade de proceder levantamento de toda a jurisprudência eleitoral, consubstanciada no acervo das decisões tomadas pela Corte, tendo em vista o envio de sugestões para o anteprojeto de lei a ser submetido ao Congresso Nacional, visando a reforma do Código Eleitoral. A Comissão foi presidida pelo Ministro PEDRO ACIOLI, então Corregedor-Geral Eleitoral, e teve as seguintes participações: Dr. SEBASTIÃO DUARTE XAVIER, Diretor-Geral da Secretaria; Dr. ENIR BRAGA, Diretor da Secretaria da Coordenação-Geral de Informática; Dra. ANA REGINA DE PINA DIAS, Supervisora de Assessoria; Dr. ARISTIDES JUNQUEIRA, Procurador-Geral Eleitoral e Dr. ROBERTO ROSAS, ex-Ministro daquela Corte.

Posteriormente, também colaboraram com os trabalhos da Comissão: Dr. PEDRO MELLO DE FIGUEIREDO, Diretor-Geral do Tribunal; Dr. GERALDO BRINDEIRO, Vice-Procurador-Geral Eleitoral; Dr. ROBERTO SIQUEIRA, Coordenador de Informática do TSE; Dr. ROBERTO CÉSAR DE CARVALHO E SILVA, Coordenador de Informática, interino, e a Dra. EVELINE CAPUTO BASTOS SERRA, assessora da presidência do Tribunal.

O texto final do Anteprojeto 1991 tinha 339 artigos e propunha alterações substanciais. Esse relevante trabalho foi também consultado para a redação da proposta atual.

4. O Anteprojeto de 1995

Em 24 de março de 1995, no auditório do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, iniciaram-se os trabalhos de uma comissão de juristas, cientistas políticos e técnicos em informática para o fim de estudar, debater e aprovar propostas com vista ao aperfeiçoamento da legislação eleitoral (Código Eleitoral e Lei Complementar reguladora do art. 121 da Constituição), das campanhas político-eleitorais, dos partidos políticos e do sistema eleitoral (voto proporcional, voto majoritário e voto distrital). A Comissão também pesquisou, discutiu e aprovou proposta visando à informatização do voto para as eleições de 1996.

No discurso de abertura, o Ministro CARLOS VELLOSO, na condição de Presidente da Corte, destacou como prioridades: a) a implementação do princípio da verdade eleitoral, com a introdução do sistema de informatização para erradicar as fraudes; b) a revisão do Código Eleitoral para dotá-lo de atualidade e eficácia; e c) a reestruturação dos partidos políticos. Falando na mesma ocasião, o Ministro da Justiça, NELSON JOBIM, abordou a integração entre os poderes da República na busca de um ordenamento positivo que proporcione maior segurança ao processo eleitoral e maior credibilidade para as instituições políticas. E salientou a necessidade de se efetivar um outro princípio indispensável à segurança jurídica e à paz social no terreno fértil e complexo do sistema eleitoral: o princípio da legalidade material.

O grupo de trabalho foi dividido em 5 subcomissões temáticas: Código Eleitoral e Lei Complementar; Campanhas Político-Eleitorais; Partidos Políticos; Sistema Eleitoral e Informática.

Em 27 de junho de 1995, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL dirigiu o Ofício nº 1.567, ao Presidente do Senado, JOSÉ SARNEY, encaminhando as propostas resultantes dos trabalhos conjugados. A correspondência encerra com a manifestação que traduz autêntica profissão de fé:

"Estamos convencidos de que, assim procedendo, fizemos a nossa parte no trabalho que há de ser de todos, no sentido de tornar mais sérias, mais confiáveis e, portanto, mais respeitáveis as instituições políticas brasileiras".

Além da publicação oficial, contendo relatórios das subcomissões e os textos de anteprojetos, vários artigos foram reunidos em obra de autoria conjunta. Apesar da diversidade dos assuntos todos eles exprimem um sentimento comum: a ansiada reforma política e eleitoral. Muitos juristas e parlamentares, mesmo não tendo integrado a Comissão, contribuíram para a coletânea, a exemplo de ADILSON ABREU DALLARI (Abuso de poder político), CARLOS AYRES BRITTO (O aproveitamento do voto em branco para o fim de determinação de quociente eleitoral: inconstitucionalidade), MARCO ANTÔNIO DE OLIVEIRA MACIEL (Reforma político-partidária: o essencial e o acessório), MURILO BADARÓ (Voto distrital, antídoto contra a corrupção), PAULO BONAVIDES (A decadência dos partidos políticos e o caminho para a democracia direta), PAULO LOPO SARAIVA (As eleições municipais no Brasil), SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA [A lei dos partidos políticos (Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995)] e WALTER CENEVIVA (Leis imperfeitas incentivam a ilicitude eleitoral).

5. A renovação dos trabalhos em 2005

Passaram-se dez anos. O voto eletrônico foi introduzido e ganhou prestígio nacional e internacional pelas virtudes da fidelidade, precisão e celeridade. Sobre a emissão do voto, permanecem indeléveis as palavras de JOSÉ DE ALENCAR: "Não basta para a garantia do voto que a lei o reconheça como universal, e confira ao cidadão um titulo irrecusável de sua capacidade politica; é indispensável ainda que vele na forma de o exprimir, no acto de sua emissão, afim de mantê-lo em toda pureza e fidelidade".

Mas continuaram em aberto as expectativas restantes. Voltando à esperança inicial, já agora, o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, por ato do seu Presidente, instituiu uma Comissão de Juristas e Técnicos em Administração Pública para: a) rever e atualizar as disposições relativas aos crimes previstos no Código Eleitoral e leis especiais, bem como o respectivo processo; b) examinar e propor medidas, inclusive legislativas, para a modernização e aperfeiçoamento do sistema de prestação de contas pelos partidos políticos.

Este anteprojeto trata especificamente dos delitos eleitorais e respectivo processo e, a par da legislação vigente, adota como referências os documentos já aprovados pelo TSE (os anteprojetos de 1991 e 1995), reúne as contribuições de membros da mencionada Comissão e incorpora valiosas sugestões de magistrados, membros do Ministério Público e advogados.

6. A revisão através da lei ordinária

Após a Constituição de 1988, muitas normas penais e processuais em matéria eleitoral foram editadas por diploma ordinário como se poderá ver pela Lei nºs 9.100, de 29 de setembro de 1995 (arts. 67 e 78) e Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que criminalizou (art. 39, § 5º) e descriminalizou fatos previstos no Código Eleitoral (arts. 322, 328, 329 e 333). Não se exige, portanto, lei complementar que, nos termos do art. 121 da Carta Política, deve dispor sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de Direito e das juntas eleitorais.

Na lição de SUZANA DE CAMARGO GOMES, "as disposições penais constantes do Código Eleitoral permanecem com a natureza que lhes foi conferida quando de sua instituição, ou seja, na condição de lei ordinária, pois, além de ter sido esse o processo legislativo adotado para a sua aprovação, a Constituição Federal, neste particular, não está a exigir a edição de lei complementar. Assim, a alteração superveniente desses dispositivos não depende de lei complementar, podendo se validamente realizada através de lei ordinária".

Sob outro aspecto, também não se aplica aos projetos legislativos que tratam dos crimes eleitorais e seu respectivo processo, a vedação constante do art. 16 da Constituição.

7. O princípio do bem jurídico

O princípio do bem jurídico, refletido por diversas normas constitucionais (arts. 5º, caput, 6º, 14,144, 170 e s.) deve integrar todo sistema penal moderno, afeiçoados às exigências de um Estado Democrático de Direito e compor o repertório dos fatos puníveis. É inadmissível a incriminação da conduta humana que não cause perigo ou dano aos bens corpóreos e incorpóreos inerentes ao indivíduo e à sociedade. Como salienta JUAREZ TAVARES, costuma-se afirmar que o cerne de todo o Direito Penal encontra-se situado no injusto típico. "Com efeito, é a partir da tipificação das condutas que se torna possível a intervenção estatal".

Segundo clássica lição da doutrina, o bem jurídico é o interesse penalmente protegido. O grande mestre VON LISZT reúne as noções de bem e de interesse ao sustentar que "todos os bens jurídicos são interesses humanos, ou do indivíduo ou da coletividade. É a vida, e não o direito que produz o interesse, mas só a proteção jurídica converte o interesse em bem jurídico".

Muito embora a maioria dos escritores utilize indiferentemente uma e outra expressão, considerando que a distinção é meramente terminológica, na verdade o bem é um fenômeno distinto do interesse assim como o conteúdo se distingue do continente. Como acentua HELENO FRAGOSO, o objeto da tutela penal "é o bem e não o interesse, mas nada impede que a este se refira o intérprete, pois se trata, tão-somente, de um aspecto subjetivo ou de um juízo de valor sobre o bem como tal."

8. A necessária sistematização

O Anteprojeto relaciona, através da nova redação do art. 283 e de maneira expressa, os bens a serem protegidos: a) O alistamento eleitoral; b) A propaganda e a campanha eleitoral; c) O sufrágio universal; d) O voto direto e secreto; e) A apuração e a contagem de votos; f) A administração da Justiça Eleitoral. Existe, em tal arrolamento, uma ordem cronológica que não é atendida na atual distribuição de dispositivos do Código Eleitoral. Com efeito, a Lei nº 4.737/65 contempla ilícitos relativos à propaganda eleitoral (arts. 322 a 335) após a previsão dos crimes relativos ao exercício do voto (arts. 309 a 312); os delitos referentes à apuração (arts. 313 a 316) estão indicados antes do crime de violação de sigilo da urna ou dos invólucros (arts. 317). A falta de sistematização do diploma vigente é evidente não apenas na distribuição das etapas do procedimento eleitoral – que inicia com o alistamento e encerra com a divulgação dos votos – mas também quanto à hierarquia dos tipos de ilícito de cada área de bens tutelados. Essa deficiência tem sido criticada pelos estudiosos.

A necessidade de sistematização por meio da classificação de bens jurídicos é uma exigência não apenas metódica como também axiológica. De modo geral os autores reconhecem essa necessidade embora haja divergências quanto à identificação e distribuição dos bens jurídicos. Muito a propósito, FÁVILA RIBEIRO considera que a classificação dos tipos de ilícito "é tarefa que se revela sobremodo muito difícil dado que as categorias delituosas nem sempre se ajustam comodamente aos esquemas propostos, pois várias são as hipóteses que apresentam aspectos complexos, irradiando-se de uma para outra direção, tendo-se de determinar os pontos preponderantes".

Existe unanimidade por parte dos estudiosos de que o critério de classificação que deve partir do bem jurídico tutelado. Trata-se, aliás, de consagrar o princípio da culpabilidade em razão do fato determinado, como ideal para um regime penal democrático e de garantias individuais. O homem não pode ser punido pelo que é mas somente pelo que faz. A sua conduta é a base e a razão de ser da incriminação, máxime em nosso sistema positivo que não admite a imposição de medida de segurança para o imputável. Como enfatiza ROXIN, atualmente a doutrina dominante rejeita todas as teorias que vão mais além que a culpabilidade pelo fato concreto. E assim entende com fundamento nas razões próprias do Estado de Direito.

9. Conceito de crime eleitoral

O crime eleitoral é todo aquele que ofende a liberdade e a integridade do voto direto e secreto como exercício da soberania popular. A infração poderá se caracterizar tanto no sufrágio dos representantes dos poderes Executivo e Legislativo, como em momentos preparatórios e posteriores às eleições (alistamento de eleitores; filiação partidária; registro de candidatos; atos preparatórios da votação; fiscalização, recepção, apuração e publicação dos votos, etc.). É possível também a ocorrência desse ilícito durante o plebiscito, quando a população é chamada para responder sim ou não para a solução de determinadas questões como ocorreu em 7 de setembro de 1993 quando o eleitorado definiu a forma e o sistema de governo, aprovando a República e o presidencialismo e rejeitando a monarquia constitucional e o parlamentarismo.

Conforme a lição de SUZANA DE CAMARGO GOMES, "a locução crimes eleitorais compreende todas as violações às normas que disciplinam as diversas fases e operações eleitorais e resguardam valores ínsitos à liberdade do exercício do direito ao sufrágio e autenticidade do processo eleitoral, em relação às quais a lei prevê a imposição de sanções de natureza penal". Para a mesma e talentosa magistrada e escritora, os delitos eleitorais, sob o aspecto formal, "são aquelas condutas consideradas típicas pela legislação eleitoral, ou seja, aquelas descritas no Código Eleitoral e em leis eleitorais extravagantes, e sancionadas com aplicação de penas". E, sob a perspectiva material, os ilícitos eleitorais "podem ser conceituados como todas aquelas ações ou omissões humanas, sancionadas penalmente, que atentem contra os bens jurídicos expressos no exercício dos direitos políticos e na legitimidade e regularidade dos pleitos eleitorais".

10. Classificação dos crimes eleitorais

A doutrina tem adotado a classificação dos delitos eleitorais em atenção à unidade ou pluralidade de bens jurídicos ofendidos. Para SUZANA DE CAMARGO GOMES, louvando-se em NÉLSON HUNGRIA, eles podem ser considerados específicos ou puros e acidentais. E os explica aduzindo que os primeiros são os que somente podem ser praticados na órbita eleitoral enquanto os últimos são os que, embora previstos no Código Penal ou leis especiais, se incluem no elenco dos ilícitos eleitorais quando ofendem a sua objetividade jurídica. "Entre os crimes não puramente eleitorais, destacam-se ao primeiro lance d"olhos as ofensas à honra, das quais cometidas com o fim de propaganda eleitoral, cuidam os arts. 324 e 327 do Código Eleitoral".

Existem crimes propriamente eleitorais e crimes impropriamente eleitorais. Os primeiros estão previstos exclusivamente no Código Eleitoral e nos diplomas especiais de natureza eleitoral como, p. ex., Lei n.º 6.091, de 15.8.1974; Lei n.º 8.713, de 30.9.1993 e Lei n.º 9.100, de 29.9.1995. Os demais são infrações previstas tanto na legislação penal eleitoral como no Código Penal.

São crimes propriamente eleitorais os descritos no Código Eleitoral pelos arts. 242 a 246 (alistamento eleitoral); arts. 247 a 249 e 255 a 259 (propaganda eleitoral); 260 a 265 (sufrágio universal); arts. 268 a 275 (votação); arts. 276 a 280 (apuração e contagem de votos) e arts. 281 a 283 (administração da Justiça Eleitoral). Exemplos de crimes propriamente eleitorais constantes de leis especiais: fornecimento gratuito de transporte (Lei n.º 6.091/74) e doação irregular para campanha eleitoral (Lei n.º 8.713/93 e Lei n.º 9.100/95).

São crimes impropriamente eleitorais, entre outros, os definidos pelos arts. 250 a 253 (ofensa à honra de pessoa viva e à memória de pessoa morta); art. 266 (corrupção); art. 267 (violência ou grave ameaça); arts. 276 e 278 (falsidade material e falsidade ideológica).

Pertencem a esta mesma categoria os delitos previstos no Código Penal, como os vários tipos de dano, falsidade documental e ideológica, de falso reconhecimento de firma ou letra, de certidão ou atestado ideologicamente falso. Vários deles já estão inseridos no Código Eleitoral.

11. A orientação deste anteprojeto

Declara o art. 285 do anteprojeto: "Quando o fato estiver previsto no Código Penal ou em leis especiais, será aplicável este Código, considerando-se: I – os motivos e os objetivos do agente; II - a lesão real ou potencial aos bens jurídicos referidos no art. 283". E o parágrafo único completa: "A pena aplicável, neste caso, será a cominada pelo Código Penal ou lei especial, se o crime não estiver previsto neste Código".

O disegno di legge reconhece a divisão bipartida designando como crimes propriamente eleitorais os previstos exclusivamente no sistema positivo eleitoral (Código e leis extravagantes) e crimes impropriamente eleitorais os descritos no Código Penal ou em leis especiais mas que, em face das circunstâncias indicadas pelo art. 285, são submetidos ao regime do direito penal eleitoral. Há ressalvas como, por exemplo, os crimes contra a honra e contra a administração da Justiça Eleitoral que são previstos diretamente no Anteprojeto em face de sua grande ocorrência no tempo da propaganda eleitoral e das peculiaridades agora introduzidas em setores como o da exceção da verdade e a nova causa de extinção da punibilidade (art. 295,II). Como crimes impropriamente eleitorais, mencionam-se as hipóteses de furto, apropriação indébita e tráfico de influência, previstos no Código Penal mas sem correspondência típica no Código Eleitoral.

A opção pela denominação crimes propriamente e crimes impropriamente eleitorais tem assento na linguagem tradicional como se poderá verificar em NELSON HUNGRIA, que utiliza os vocábulos puro e próprio, indistintamente: "Puramente militares são os crimes próprios dos militares, isto é, que só por êstes podem ser praticados (ex.: deserção, insubordinação, cobardia, etc.). Não estão abrangidos, portanto, os chamados "crimes militares impróprios" ".

(Publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico em 22/11/2005)

 

Como citar o texto:

AGUIAR, Adriana..Anteprojeto de revisão dos delitos eleitorais: considerações gerais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 155. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/928/anteprojeto-revisao-delitos-eleitorais-consideracoes-gerais. Acesso em 5 dez. 2005.

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