Pesquisa que busca reunir as principais impressões a respeito do processo civil na atualidade, diante da necessidade de se perquirir acerca do processo como meio na realização do direito material e de outros fins estabelecidos. Tal pretensão é animada pela proposta de reflexão com o objetivo de obter avanços no estudo do direito processual, onde as contribuições somente serão possíveis após uma tarefa de localização, isto é, da verificação conjuntural, atitude realizada com o intuito de apontar os problemas enfrentados pela processualística, onde a partir deste ponto, caminhar-se-á para incidir num pensamento crítico sobre o material coligido, doravante, sem nenhuma aspiração do exaurimento da matéria. Ademais, a temática dos valores a influenciar o processo é questão oportunizada e enfrentada, mormente pelo prisma da teoria dos princípios.

PERSPECTIVAS DO PROCESSO CIVIL NA ATUALIDADE , 1.1 INTRODUÇÃO, 1.2 O PROCESSO E A CULTURA, 1.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO CIVIL, 1.3.1 O processo justo, 1.3.2 O processo justo como proporcionalidade entre a efetividade e a segurança, 1.4 A EFETIVIDADE DO PROCESSO - INSTRUMENTALISMO, 1.4.1 O acesso à Justiça, 1.4.2 A tutela jurídica adequada, 1.4.3 A celeridade do processo como princípio constitucional explícito, 1.5 Conclusões finais.

1.1 INTRODUÇÃO

O Direito é condicionador da realidade, instrumento de controle social, cumprindo funções educativa, conservadora e transformadora[i]. Na esfera civil, desdobra-se em Direito Processual, instrumento que está a serviço do Direito Material[ii], que são as normas que regulam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida[iii]. Igualmente, ao Direito Processual, cabe regular o direito de ação, a jurisdição e o processo.

Na jurisdição, manifestação da potestas estatal desenvolve-se o processo judicial como uma das vias para a acomodação dos conflitos sociais, situação corrente no viver em sociedade, aparecendo como um dos principais fins do Direito: a pacificação social[iv],[v]. Somado a este ideal, soma-se a busca da justiça, Suum cuique tribuere, isto é, a atribuição a cada um do que é seu[vi], sempre contando com um mínimo de segurança (previsibilidade). O que, leva, desde já, a inferência, ao modo carneluttiano, destacado pela processualística, que ao processo cabe a composição da lide[vii], a ser submetida ao Estado, o qual, consta originalmente inerte, de sorte a ser respeitante das liberdades pré-existentes.

Invocado o Estado pela ação (pretensão processual), acessa-se o Judiciário, que se manifesta pela Jurisdição (poder estatal), sendo o processo o meio, como “o conjunto de atos necessários à obtenção de uma providência jurisdicional num determinado caso concreto”[viii]. Ao mesmo tempo, pode-se obter tal enunciado de sua acepção etimológica, donde procedere, significa “ir dali para frente, é fato em seguimento”, é ato humano para uma determinada direção, que nada mais é do que para a prestação jurisdicional[ix]. Ficando patente, que se almeja um resultado, e, que este seja também útil a partir da intervenção do Estado, o que faz centrar, com invulgar atenção, no meio, no instrumento: o processo judicial de resolução de conflitos[x]. É ele o caminho (que no caso é o procedimento) a ser seguido: do ajuizamento da ação até a prestação jurisdicional (uma sentença), esta última como o dever de prestação de resposta aquele direito[xi], este que contêm a pretensão do indivíduo frente ao Estado, buscando a tutela processual[xii]. Daí, tutelar, “do latim tueor, tueri = ver, olhar, observar e figuradamente, velar, vigilar”[xiii], corresponde a este débito por parte do Estado, solidificado como direito fundamental constitucional (dever prestacional)[xiv], de manifestar-se perante a representação de seus jurisdicionados (pela ação, como direito autônomo e abstrato). Ora, nesta manifestação corresponde a aplicação do Direito, mais especificamente, das normas jurídicas (escopo jurídico)[xv].

Este dever estatal, esculpido na Carta Magna, apresenta uma série de desdobramentos. A principal é de que quando se faça o uso da jurisdição, portanto, o acionamento do Estado pelo direito de ação, este aja, pelo dever de proteção e promoção deste direito fundamental, o que não elide se pensar em outros direitos sob o manto garantidor do Estado. Quando um direito individual ou até mesmo coletivo encontra-se ameaçado ou lesado, a intervenção estatal vem assegurar o status libertatis dos vários direitos que gravitam sob a proteção da ordem jurídica. A liberdade não é a única situação a ser protegida, mas sim, uma entre outras várias, consoante a idéia de Estado Democrático de Direito. Tal ilação vem acompanhada, conseqüentemente, de uma releitura do próprio ordenamento, que historicamente centralizou-se sob uma perspectiva infraconstitucional, fazendo com que, em especial, o processo ficasse compartimentalizado na simples aplicação das leis processuais contidas no CPC e na legislação esparsa, devendo, portanto, ser contextualizado. Deveras, o processo judicial, consoante a presente realidade, deve ser visto sob o influxo de valores de cunho político-constitucional e jurídico-material, tendo em vista a sua “permeabilidade”, como bem demonstrou Cândido Dinamarco. Isto é, ele é produto de uma série de circunstâncias, servindo como “espelho e salvaguarda dos valores individuais e coletivos que a ordem constitucional vigente entende cultuar.”[xvi], ou seja, há a chamada constitucionalização do processo e a preponderância dos direitos fundamentais, o que requer uma atividade organizatória na realização destes, de maneira a tornar máxime os seus efeitos: proposta concernente a um dever do Estado Democrático de Direito. Mais especificamente, afirma-se que sendo o processo o meio de aplicação do Direito objetivo, como afirmava Pontes de Miranda, reconhece-se que esta “tarefa de aplicação” nada mais é do que tornar em efeitos concretos as eficácias de cada norma jurídica (tanto no sentido jurídico, como social), tendo como premissa de que as normas são fruto da atividade do intérprete e de que estas podem se revelar na forma de regras ou princípios. Esta “aplicação das normas” passa, necessariamente, por uma tarefa que reconheça uma estrutura aplicacional, a qual não pode ficar restrita a mera subsunção, mas sim, que recorra aos postulados normativos, que dão este esperado aporte. Nisto, o processo passa a ser polarizado por estes postulados, metanormas jurídicas, e valores, donde o processo como instrumental na efetivação do direito material, atua tocado pela concretização dos valores principiológicos constitucionais coordenados em uma relação de proporcionalidade[xvii], isto é, fazendo com que estes valores sejam otimizados em uma relação de causalidade entre meio e fim.

Ora, não se está divergindo do conceito antes exposto, mas sim o rememorando[xviii], reconhecendo-lhe uma nova postura, para contemplar, sobretudo, um processo localizado culturalmente e de feição constitucional, que não fique retido nas abstrações, mas que concretize as aspirações de justiça (formal e valorativa), sem olvidar uma coordenação proporcional dos valores, principalmente aqueles subjacentes a idéia de processo constitucional[xix]: a segurança jurídica e a efetividade dos direitos[xx]. É o reconhecimento de que dos princípios, como normas jurídicas que são, também criam deveres jurídicos, papel antes legado apenas às regras. Estas últimas, como concretização dos primeiros e os valores ali contidos, não são o fim derradeiro da aplicação das normas jurídicas, mas, sim, um capítulo da interpretação jurídica[xxi]. Reconhecer a eficácia de cada espécie de norma é vital para a atividade aplicacional normativa.

Por mais que pareça, não se está propugnando por uma inovação que prime pela originalidade, mas, simplesmente dando guarida ao que já está posto, apenas necessitando pelo devido “aflorar”, assim, num posicionamento de que o instrumento da jurisdição, o processo, venha estar afinado às diretrizes que o poder legitimado (constituinte) determinou, respeitoso, mas que por diversos motivos, ainda encontra-se forte resistência em assim considerá-lo, estando, portanto, tolhido em sua eficácia:

“Destarte, antes de desqualificar o saber anterior, a nova dogmática processual incorporou-o e buscou superá-lo, ajustando-o às novas realidades. Precisamente esta ótica constitucional do processo foi fundamentalmente o passo adiante, dado nas últimas décadas, como também o organizar democraticamente as funções vinculadas a sua produção e aplicação.”[xxii].

Assim, nestas palavras de Calmon de Passos, significa, portanto, a superação da visão do antigo processo para um novo, com, pelo menos em tese, trazer ganhos no ideário democrático, trazendo maior cidadania[xxiii].

1.2 O PROCESSO E A CULTURA

“Se no processo se fazem sentir a vontade e o pensamento do grupo, expressos em hábitos, costumes, símbolos, fórmulas ricas de sentido, métodos e normas de comportamento, então não se pode recusar a esta atividade vária e multiforme o caráter de fato cultural”[xxiv], aliás, o Direito é uma experiência histórica - cultural, como assinala Miguel Reale, onde cultura é “Tudo aquilo que o homem realiza na História, na objetividade de fins especificamente humanos” ou “o cabedal de bens objetivados pelo espírito humano[xxv], alertando que não se trata apenas da reunião de conhecimentos, mas, sim, de uma atitude que requer a perspectiva de aprimoramento, enfim, que estes sejam uma “razão de vida”, como ensina o festejado mestre.

Não obstante os diversos avanços no estudo do processo, se tem notado na crítica hodierna, de que o processualista tem ficado a remoer ao redor de si mesmo, assim, com os olhos obscurecidos, numa postura estática, deixa de se ater aos aspectos de aperfeiçoamento e melhoria que deveriam, por outro lado, animá-lo. Certamente, por não estar afeito às mudanças de perspectiva, num claro imobilismo, torna imperiosa a tarefa de reconstrução de sentidos. A latitude, ou seja, o alcance das considerações que haverão de surgir decorrem da confluência do material pré-concebido, proveniente da longa construção realizada pelos “cientistas” do direito processual, e que está a receber elementos originados do ambiente que agora se situa, necessitando, acima de tudo, de implementação. Nestes termos, “Enquanto os seres da natureza se adaptam ao seu mundo, o ser humano, como ser da cultura, adapta o seu mundo de acordo com seus interesses e valores dominantes (...) na cultura a ordem jurídica reinventa a utilização da força justificando-a segundo parâmetros eticamente aceitáveis.”[xxvi]. Esta confluência da cultura com o ordenamento jurídico é exposto por Daniel F. Mitidiero, referendando ensino de Umberto Santarelli, apondo que:

“existe uma radical coerência entre os valores em que as diversas sociedades procuram esteio e os instrumentos que os respectivos ordenamentos jurídicos elaboram para efetivá-los concretamente, o que denota a essencial historicidade do povo. Aliás, muitos são os exemplos que comprovam o inabalável liame que está a jungir o processo civil e a cultura social.”[xxvii].

Como foi dito, o Direito é um fenômeno cultural. Ele está imbricado às condições históricas e políticas, decorrendo disto que o processo também está a serviço, bem ou mal, das ideologias[xxviii] reinantes em determinada sociedade. Assim, já descortinara Ovídio Baptista, apontando o compromisso do sistema processual civil brasileiro com o paradigma racionalista, donde tal comprometimento ocasionara a “geometrização” da “ciência” processual, algo típico das ciências exatas, e por outro lado, importa, “antes de mais nada, que se tenha liberto o jurista da ‘interpretação retrospectiva’, vício que consiste em apreciar e interpretar  novos institutos com olhos na prática antiquada do direito.”[xxix], portanto, longe de assimilar um conceito de ideologia negativo, propugna-se por uma decorrente da cultura como o aperfeiçoamento tocado pelos valores constitucionais. No entanto, colhem-se ainda os frutos de uma legislação processualística (1973), como abaliza Botelho de Mesquita, de proposital ideologização por razões institucionais vinculadas a história política recente (leia-se, a partir de 1964 com o “movimento revolucionário”), que teve como conseqüências, dentre as quais, o desgaste do Poder Judiciário (é posto em desconfiança pelo Executivo e Legislativo), redundando em comprometimento de sua eficiência (apresentando-se aos olhos dos demais como inoperante e inacessível)[xxx].

Nesta mostra, oportuno se faz invocar o professor alemão Konrad Hesse, que de longa data já havia despertado para o estudo do “condicionamento recíproco existente entre a Constituição jurídica e a realidade político-social”[xxxi], onde o renomado constitucionalista havia observado que há um verdadeiro embricamento do texto  constitucional com a realidade, donde para que a Constituição alcançasse máxima eficácia se deveria contemplar, então, o painel erigido pela “realidade histórica”. Mutatis mutandis, se este condicionamento deveria ocorrer para com a própria Constituição, quão mais deveria para com o direito processual e seus institutos[xxxii].

Para Hermes Zanetti Júnior a pedra de toque deste enfrentamento do direito processual com a “realidade” seriam os direitos fundamentais, pois, citando Cappelletti aduz: “É preciso utilizar os direitos fundamentais como programa de reformas e método de pensamento[xxxiii]. A constatação acima vem a desembocar no modelo processual, que Daniel Francisco Mitidiero chama de formalismo-valorativo, que nada mais é que o recolhimento de valores constitucionais para dentro do processo, ocorrendo, para tanto, verbis:

“à força do caráter nitidamente instrumental do processo, trazendo novamente ao plano dos operadores do processo a busca pelo justo. O método é o instrumental, e a racionalidade que perpassa o fenômeno é a racionalidade prática (quer na sua vertente processual, tópica-retórica, quer na sua vertente material), resgatando-se, em um outro nível qualitativo, o pensamento problemático para o direito processual civil. O processo deixa de ser visto como mera técnica, tal como um verdadeiro instrumento ético, sem que se deixe de reconhecer, no entanto, a sua estruturação igualmente técnica. Tal é o momento que ora se está a viver: formalismo-valorativo, em que a valores constitucionais impregnam a técnica do processo, escrevendo mesmo, como bem observa Vittorio Denti, um novo ‘capitolo di storia della nostra cultura giuridica’.”[xxxiv].

Portanto, os valores vêm a se agregar ao processo. Confere-se, deste modo, ao processo especial conotação que tem como fonte o fenômeno da constitucionalização por via da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais (CF, art. 5º, § 1º), e, logo, dos valores ali imanentes. A forma como estes valores adentram o processo deve ser visto a partir da teoria dos princípios, matéria exposta no próximo título.

1.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO CIVIL

Após um longo período de “legitimação duvidosa” se erigiu, pelo projeto democrático a Constituição da República Federativa do Brasil, no ano de 1988, a qual teve, como um dos méritos deixar de ser um mero programa político dirigido ao Poder Legislativo[xxxv], trazendo em seu seio uma série de prerrogativas, inabolíveis, constituindo-se o seu núcleo: os direitos fundamentais. Esta mudança faz aportar uma brilhante luz, da qual dimanam raios, os quais se somam as silhuetas de cada iluminado. É a Supremacia da Constituição[xxxvi], com os seus valores que se projetam no ordenamento jurídico em diferentes graus de concreção[xxxvii].

O próprio processo é eleito como direito fundamental pelo constituinte originário[xxxviii], contando com uma série de prerrogativas e qualidades. Tal postura vem a salientar da sua importância, que na linha do que fora supramencionado, além dos dispositivos específicos, o processo está a receber valores provenientes de outros direitos fundamentais, e que figuram como finalidades a serem alcançadas. O processo como meio na consecução do direito material violado ou ameaçado (instrumental), não resta encarcerado nas relações entre particulares, mas como é cediço, também figura como meio para a efetivação dos deveres estatais (“cobrar” do Estado, v.g. uma prestação positiva relacionada com direito à saúde). Como categoria autônoma, o processo possui uma estrutura. Nesta estrutura, o procedimento, deve ser agregado dos caracteres específicos para o alcance das finalidades do processo. Nele, o território da técnica processual, não deve haver o pretexto para um distanciamento quanto aos fins almejados do processo[xxxix], onde, deve-se equilibrar o primado na técnica (da “racionalidade do processo”, calcado em ônus e preclusões), e a imperativa necessidade da efetividade dos direitos. Há a obrigação de equilíbrio, pois, não se deve exagerar, na busca desenfreada da efetividade, colocando-se em excessivo detrimento a segurança, pondo em risco a idéia de previsibilidade e segurança jurídica tão necessárias e caras para o Direito. Destarte, a polarização valorativa constitucional do processo somente vem acrescentar contornos a uma atitude participativa, num envolvimento dialético, como a previsão do contraditório[xl] e do princípio do devido processo legal, que, por sinal, são valores também presentes na Constituição de 1988.

Pode-se resumir que: (a) a Constituição aparece como fonte de valores; (b) o processo está para alcançar a adequabilidade de resultados harmônicos com estes valores[xli]. Os valores estão contidos nos princípios[xlii], estes, juntos com as regras, que são suas concretizações, dão suporte normativo para os direitos. Os chamados direitos fundamentais os são [“fundamentais”] pelas peculiaridades que lhes dão primazia, essencialidade. Historicamente os direitos fundamentais representaram o ponto de conciliação entre o arbítrio do Estado absolutista e os reclames da sociedade[xliii]. Bem que se pode qualificá-los como um modelo articulador, que da síntese entre ambas as noções, resultam na formulação da idéia de Estado de Direito, “como el corolario de la soberania popular, a través de cuyo principio da ley no sólo implica un deber, sino también un derecho para el individuo[xliv]. Outrossim, os direitos fundamentais, consoante o magistério de Willis S. Guerra Filho, são aqueles direitos do homem que são positivados em determinada ordem jurídica, estes diferindo dos primeiros, pois os direitos do homem apresentam-se como “pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas”[xlv]. Pode-se dizer, em linhas gerais, que os direitos humanos encontram-se fundamentados nas necessidades do homem[xlvi], e, que “De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direito humanos”[xlvii], o que, por razões obvias, por si só já justifica a tremenda necessidade de resguardá-los. Os direitos fundamentais (portanto, direitos do homem positivados) trazem novas luzes para compreensão hodierna do Estado, no qual, há uma constante preocupação com o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais[xlviii]. Outrossim, os direitos fundamentais representam o núcleo do Estado Democrático de Direito, figurando como idéia bem próxima ao do colimado pelo bem comum (finalidade primordial deste).

Sobre o impacto dos direitos fundamentais e sua funcionalidade, em magnífico texto, o ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes, já havia planificado que:

“Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais - tanto aquele que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais - formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático”[xlix].

Em apertada síntese, seguindo o escólio de Gilmar Ferreira Mendes, pode-se afirmar que os direitos fundamentais cumprem diferentes funções na ordem jurídica, se comportando como: (a) direitos de defesa, assegurando “a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público”[l]; (b) normas de proteção de institutos jurídicos; (c) garantias positivas do exercício das liberdades, que estão “Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não-intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais” (p. 96); (d) deveres de proteção, no qual o Estado deverá garantir os direitos fundamentais dos indivíduos quando estes vierem a sofrer agressões de terceiros.

Da lição do precitado, pode-se recolher também, digno de nota, que os direitos fundamentais como garantias positivas (alínea “c” supra), fracionam-se no: (c.1) direito a prestações positivas, a qual não se restringe apenas a de se ter liberdade frente ao estado, “mas de desfrutar essa liberdade mediante atuação do Estado[li]; e no (c.2) direito à organização e ao procedimento, o primeiro, direito fundamental relacionado à infra-estrutura estatal e o segundo, geralmente de índole normativa, destinado “a ordenar a fruição de determinados direitos ou garantias, como é o caso das garantias processuais-constitucionais (direito de acesso à justiça; direito de proteção judiciária; direito de defesa).” (p. 98). Ora, neste último é que bem se situa a temática exposta. Sem embargos, o processo, na Constituição, reveste-se de admirável caracterização. Ele próprio passa a ser visto ao mesmo tempo como um direito e uma garantia constitucional fundamental, qualificado de maneira que se encontra vinculado à proteção dos direitos tidos como mais importantes do homem, ou seja, os fundamentais, com a conseqüente atribuição, ao processo, de meio para a realização das pretensões individuais e coletivas que poderão ter suporte nestes valores (pois, são direitos subjetivos quando contidos em normas), sendo o próprio processo o local para a materialização (conformação) dos direitos fundamentais (como a igualdade, devido processo, etc), decorrente disto, se pode considerá-lo como direito constitucional aplicado[lii], assim:

“Daí a idéia, substancialmente correta, de que o direito processual é o direito constitucional aplicado, a significar essencialmente que o processo não se esgota dentro dos quadros de uma mera realização do direito material, constituindo, sim, mais amplamente, a ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e pacificação social.” [liii].

Esta forma de ver até aqui o processo não figura tanta novidade como parece ser. Já em doutrina antiga, do fim do século XIX, João Mendes Júnior apontava que o processo deita raízes na constituição, e de que, no processo, determinadas formalidades são necessárias para o respeito das garantias constitucionais[liv]. No mesmo diapasão, Paulo Roberto de Gouvêa Medina, cita o supracitado autor e outro contemporâneo deste, João Barbalho, demonstrando que antes desta “tendência à constitucionalização do processo” já havia quem percebia “o estreito liame existente entre as normas processuais e a Constituição”[lv]. O direito processual não está contido apenas na legislação infraconstitucional, de maneira que, sustenta Willis Santiago Guerra Filho que a Constituição também possui a natureza de uma lei processual, agasalhando “a fixação de certos modelos de conduta, pela atribuição de direitos, deveres e garantias fundamentais, onde se vai encontrar a orientação para saber a que se objetiva atingir com a organização delineada nas normas de procedimento.”[lvi].

Desta maneira, pode-se afirmar, tranqüilamente, que o processo, decorrente do direito fundamental de acesso ao Judiciário (art. 5º, XXV, CF), pode ser considerado, também, como uma verdadeira garantia constitucional[lvii], pois, de nada servem os direitos ou as declarações que as contém se não existissem maneiras de salvaguardá-los. Para tanto, servem as garantias para se “fazer reais e efetivos esses direitos”[lviii]. É o que perfila Maurice Hauriou, que “não basta que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será discutido e violado”[lix]. No mesmo sentido, alvitra Francisco G. M. de Lima, não é suficiente apenas a previsão de direitos fundamentais, mas “É preciso mais, uma política pública e um querer na aplicação destes direitos, a fim de não se tornarem direitos de papel.”[lx], todavia, como é cediço, o papel dos governantes não é levado tão a sério como deveria, decorrendo disto, que na defesa/reivindicação dos direitos do cidadão, mister se faz a existência de meios que busquem esta efetivação, destarte, são as garantias, “como instrumentos assecuratórios dos direitos”[lxi]. Logo, pode-se dizer que a idéia de garantia está ligada a concepção de efetividade, pois atua como meio para a realização dos direitos. Sem embargo, pode-se afirmar que o processo como garantia é gênero (que tem como núcleo o princípio do devido processo legal), do qual a efetividade aparece como espécie. Deveras, há uma linha bastante tênue entre os dois. O catedrático uruguaio, Adolfo Gelsi Bidart, destacou que a “Garantía implica tutela, amparo; tiene una finalidad exclusiva y secundaria (para otro), para pre-venir un riesgo o adoptar las medidas necesarias para que algo se realice eficazmente. Efectividad de otra medida, es lo que pretende lograrse mediante la medida que garantiza.[lxii],[lxiii].

Mas, não apenas no garantismo que se esgota a função do Estado frente aos direitos fundamentais, há, além do dever de protegê-los, o dever de torná-los efetivos[lxiv]. É agir no sentido da realização dos mesmos, onde a própria estrutura estatal vigia a integridade das garantias. Dalla Via, apoiado em Galeoti, propõe que “las garantias constitucionales son las intituciones idoneas para asegurar la integridad de la Constitución y hacer probable y menos incierta su observancia como regla suprema de los poderes públicos.”[lxv], onde, “El Poder Judicial, como ‘control de los controles’, representa la mayor garantia de la seguridad jurídica en nuestro sistema; por ello la necesidad de preservar su pretigio[lxvi]. Ademais, existem as “dimensões de natureza prestacional na medida que o Estado deve criar órgãos judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e procedimento) e assegurar prestações (...) [como A.J.G], tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de pagamento de meios económicos.”[lxvii].

Destarte, neste desenrolar, de constitucionalização do processo, faz com que este se encaminhe: (a) por uma orientação democrática, que se propicia o seu colorimento com valores sociais, que guiam-no para a realização do bem comum, e, também, impende que as decisões judiciais, sejam o mais possível, orientadas para o ideal de justiça; (b) para o depósito na função jurisdicional da realização dos almejos constitucionais; (c) uma constante busca da efetividade dos direitos, através de uma releitura dos postulados da ciência processual até então postos, principalmente pela via hermenêutica[lxviii].

1.3.1 O processo justo

O processo passa ser visto não como instituto estanque, isolado, mas sim, ponto de convergência de valores, de modo especial, dos constitucionais. Estes o sustentam e dão-lhe conteúdos. Diante disto, não pode mais ficar restringido aos postulados clássicos e a legislação infraconstitucional, pois, que sem olvidar as construções que foram erigidas pela processualística, estas devem ser revistas pela ótica constitucional, como já exaustivamente batido.

Cerca o estudo do processo o fenômeno da funcionalização do processo[lxix], concomitante a idéia de instrumentalismo (meio para a realização de determinado fim) a ser harmonizado com o formalismo reinante, pois este último é que lhe dá o arcabouço mínimo. Da junção destas duas concepções, o funcionalismo relativiza a rigidez formalista, para que em determinadas situações, agregue-se uma valoração específica (que está positivada na CF) que está mais acorde temporalmente com os ditames jurídicos desta era. Há, em outras palavras, o que o preclaro professor Carlos Alberto de Oliveira tem ensinado, de que o processo liga-se a dois valores essenciais: a segurança (clássico valor liberal) e a efetividade (reclamo do Estado Democrático de Direito)[lxx] (o formalismo está para o primeiro como o funcionalismo está para o segundo, cabendo definir nas próximas páginas quais as características desta “efetividade”), e nisto este autor combate o que chama de “formalismo excessivo”, pois mirado o processo por uma perspectiva constitucional, verifica-se que há um afastamento das construções conceituais meramente técnicas, com a inserção do processo dentro de uma realidade política e social. Contudo, cria-se uma dicotomia, por um rito embasado em garantias formais e de outro lado o “desejo de dispor de um mecanismo eficiente e funcional”[lxxi]. Há a necessidade da tão mencionada harmonização que, em último caso, ocorre por via da aplicação do Direito pelo órgão judicial[lxxii], e, quando conseguida, tem-se o processo justo que é aquele onde estejam coordenados proporcionalmente a segurança e a efetividade[lxxiii]. Neste trabalho, verifica-se que esta “flexibilização” do formalismo, passa necessariamente pela exata compreensão da teoria dos princípios. Assim, não é um afrouxamento desmesurado, mas propositalmente amarrado a determinada construção conceitual.

O modelo processual do formalismo-valorativo conduz a tal asserção. Os diversos valores, sobremodo, da exigência de concretização dos direitos fundamentais, reclamam tal postura. A Constituição é o ponto de partida na pesquisa destes valores. Assim, ao se buscar os valores esculpidos no texto constitucional para aplicá-los no processo, o jurista deve:

“(...) analisar seus conceitos e normas com os olhos lavados nas límpidas águas que brotam da fonte basilar do ordenamento jurídico, tentando, assim, encontrar soluções para a falta de efetividade processual. Este papel preponderante assumido pela Constituição no modelo do Estado Democrático implica em conseqüências, como se nota destas últimas considerações, em todos os ramos do Direito, assim como nas próprias estruturas fundantes do Estado.”[lxxiv].

Neste diapasão, repise-se de que o processo passa a ser concebido não mais como uma série de atos concatenados tendentes a um fim, mas sim, que seja um vero instrumento de garantia dos direitos esculpidos na Constituição, para torná-los efetivos e realizados. Entretanto, há de se sublinhar o cerne que subsidia a construção até agora apresentada. Está a se falar do princípio do devido processo legal[lxxv] que aparece como elemento central da constitucionalização do processo. Este princípio também está ligado a idéia de processo justo, como assinala Sérgio Luís Wetzel de Mattos[lxxvi]. Ou seja, o processo justo é aquele dotado de um mínimo de garantias em relação aos meios e aos resultados[lxxvii], isto é, que venere o devido processo legal, o que se torna indispensável, concorde o lembrete do Paulo Lucon, que aquilatou, verbis:

“Garantido o ingresso em juízo e até mesmo a obtenção de um provimento final de mérito, é indispensável que o processo se haja feito com aquelas garantias mínimas:

a) de meios, pela observância dos princípios e garantias estabelecidas;

b) de resultados, mediante a oferta de julgamentos justos, ou seja, portadores de tutela jurisdicional a quem efetivamente tenha razão.”[lxxviii].

Outrossim, são as observações ventiladas concernentes ao devido processo em sua feição substancial, assim sendo, não devendo ser confundidas com a pura vinculação a um processo criado por lei, acerca apenas da forma, como pode querer se extrair do exposto na concepção processual do devido processo, mas ao contrário, pelo viés substantivo, “o due process não é apenas um processo legal ou ordenado, mas, além disso, um processo justo e adequado, para a imposição de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Trata-se de um processo materialmente informado por princípios básicos de justiça.”[lxxix], decorrendo disto, que há o dever de razoabilidade[lxxx] dos atos estatais. Não é outro, senão o alvitre do ilustre professor Fabrizio Camerini, verbis:

“Uma vez adotado em sentido substantivo, o princípio do devido processo legal garante a razoabilidade de leis e decisões. Ocorre, pois, adoção de princípios que não se excluem, ao contrário devem conviver harmoniosamente como medida de manutenção de instrumentos satisfatórios para a evolução do direito, em especial na esfera jurisprudencial.”[lxxxi].

Mas, neste trabalho, além do dever de razoabilidade, defende-se de que deverá haver o dever de proporcionalidade, como ressai desta defendida relação entre os meios empregados e os resultados almejados. O dever de proporcionalidade perpassa o devido processo legal encontrando fundamento na própria necessidade de concretização dos direitos fundamentais. Destarte, com as atenções voltadas para a concretização da justiça, o justo processo é característica marcante do Estado Democrático de Direito, contemplando as garantias constitucionais mínimas como salientara Sérgio Luiz Wetzel (ou, como se pode entender, formalidades mínimas). Estas perfazem, na feliz enumeração do processualista gaúcho: igualdade das partes, o contraditório e a ampla defesa, o direito à prova, a inadmissibilidade de utilização de provas ilicitamente obtidas, a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais, a publicidade dos atos processuais, o juiz natural, a imparcialidade do juiz, o termo do processo em prazo razoável, o duplo grau de jurisdição e o procedimento regular[lxxxii]. Deste modo, para que o desiderato da justiça concreta seja alcançado, aquele que acessa o Judiciário deverá ter garantido aqueles elementos mínimos contidos na cláusula do due process, sob pena de fragilização na concretização de tal princípio.

O processo justo, nada mais é que a “protecção alargada de direitos fundamentais quer nas dimensões processuais quer nas dimensões substantivas”[lxxxiii] como observa o mestre Canotilho. Enfim, no devido processo legal é que se tem o núcleo de sentido do processo judicial na Constituição, devendo ser compreendido, mormente no que tange a sua estrutura básica, silhueta proveniente dos elementos mínimos do due process, os quais, friza-se, não são absolutos, requerendo uma atividade aplicacional, determinando suas esferas mínimas[lxxxiv], denotando, daí, uma relação de proporcionalidade entre efetividade e segurança[lxxxv].

Sem medo de errar, no devido processo legal é que deverá ser auferido o intento de harmonização proposto acima, entre a segurança e a efetividade[lxxxvi]. Há um modelo com um mínimo de garantias e que se apresenta como o arcabouço que remeterá ao plantel de valores a receberem atenção.

Ademais, o processo justo, é aquele respeitoso da forma, sendo nele concretizado os valores constitucionais em proporcionalidade e razoabilidade. A justiça tem aporte na Constituição como um princípio[lxxxvii], contudo não é um primado, mas do contrário, um fim que deverá estar em composição harmônica com a segurança jurídica (certeza e estrutura organizada), onde, esta concordância deve ser desempenhada, entre outras ocasiões: (a) na apreciação da prova, (b) no enquadramento do fato em normas e categorias jurídicas, (c) na interpretação do direito positivo[lxxxviii], (d) na teoria das nulidades[lxxxix] etc. Neste prisma, pondera Sérgio Corazza:

“Por mais que a justiça, no caso concreto, seja um dogma de difícil alcance, ou até de alcance impossível – já que justiça é sinônimo de verdade, e, como é cediço, a verdade material plena e absoluta não se sustenta –, a prestação jurisdicional necessita, sempre, guardar estrita relação com esse dogma. Quanto mais próxima estiver a prestação jurisdicional do dogma da justiça, orientando-se pela busca da verdade material no caso concreto, obviamente, em maior consonância estará com o Princípio Constitucional da Máxima de Justiça.”[xc].

Como palavra última, neste título sobre a constitucionalização do processo, sobressai a busca do processo justo que também significa a coordenação entre os princípios processuais e o direito substancial[xci]. Por outro lado, no mister do justo, há a necessidade de interação legislativa para compor os diferentes valores que são reclamados, mas, não olvidando que a aplicação do direito é uma atividade de “acomodação do geral ao concreto, a requerer incessante trabalho de adaptação e até de criação”[xcii], então, recaindo no juiz a tarefa de aplicar o direito objetivo, que diante das necessidades da vida e as próprias lacunas da legislação, deverá afrouxar o rigor formalista, mas, sempre garimpando as respostas dentro do próprio ordenamento. Assim, proclama-se a salvaguarda dos direito fundamentais, que, sendo necessário, utilizar-se-á até o uso de um expediente de “correção da lei pelo órgão judicial”, pode-se dizer a razoabilidade dos atos estatais, não se tratando de mera interpretação, mas sim “de correção da própria lei, orientada pelas normas constitucionais e pela primazia de valor de determinados bens jurídicos dela deduzidos, mediante interpretação mais favorável aos direitos fundamentais”[xciii]. Trata-se de uma interpretação ampliativa do âmbito de alcance do direito fundamental, em franca oposição àquilo que o restrinja, buscando sempre, a maior proteção, àquilo que o satisfaça em maior grau[xciv]. Todavia, cumpre voltar a atenção as espécies normativas em jogo, como se verá a seguir.

1.3.2 O processo justo como proporcionalidade entre a efetividade e a segurança

Sobre o suporte dos direitos fundamentais, segue-se a lição de Alexy, segundo o qual estes decorrem de uma norma jusfundamental válida[xcv]. Neste diapasão, localiza-se a norma, como o produto da “interpretação sistemática de textos normativos” [xcvi], isto é, uma “atividade criativa” que busca o significado de determinado dispositivo (texto normativo)[xcvii], partindo-se dos significados mínimos (núcleos de sentido) do texto, numa reconstrução, para “concretizar o ordenamento jurídico diante do caso concreto.”[xcviii]. O que conduz a definição de Eros Grau de que “(...) a interpretação (= interpretação/aplicação) opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos ainda: opera a sua inserção na vida.”[xcix]. Ora, a interpretação do Direito não se esgota na esfera abstrata, necessitando, sim, a sua inclusão no mundo dos fatos[c], noção que desborda a simples subsunção, já tão castigada pela crítica da doutrina recente[ci].

Ainda, as normas poderão ser, tanto princípios ou regras[cii]. Sobre o que diferencia estas duas espécies de normas, Dworkin foi um dos primeiros a atentar para a distinção, que residiria no modo de aplicação, onde as regras são aplicáveis no tudo-ou-nada, enquanto que os princípios possuem uma dimensão de peso ou importância[ciii]. A partir destas conceituações, Alexy deixou a sua lição de que os princípios são mandatos de optimização, ou seja, “son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes[civ] e, as regras, “son normas que sólo pueden ser cumplidas o no”, isto é, são mandamentos definitivos[cv]. Desta feita, nos ensinos dos dois precitados constata-se que na essência as duas posições, antes de se afastarem, caminham muito próximas. Nesta esteira, grande contribuição é deixada pelo prof. gaúcho Humberto Ávila, que após fazer um inventário das posições sobre o tema, tendo como meta a superação destas, de sorte que assinalou:

“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhe dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.”[cvi].

Como visto, as normas poderão ser princípios ou regras. Os valores encontram-se albergados nos princípios e, de modo mediato, nas regras.

No que tange ao processo civil, a importância da teoria dos princípios adentra área em que reinava o formalismo com primado na segurança jurídica. A efetividade, com seus vários desdobramentos, e como valor constitucional que é, também reclama concretização. No entanto, como já alertava o professor Barbosa Moreira, a efetividade não deve ser erigida a um valor absoluto[cvii]. Deve-se encontrar um “ponto ideal”, a qual, inicialmente cabe ao Poder Legislativo definir estes contornos, onde impende, em última análise, ao Poder Judiciário atuar.

Dessarte, os princípios que informam o processo encontram-se em constante tensão. Como já assinalado, dois grupos de direitos fundamentais urgem por serem concretizados (como deveres de prestações), pertinentes a segurança jurídica e a efetividade[cviii], aparecendo como valores instrumentais, imbricados, reclamando a devida acomodação de modo a ajustarem-se para alcançar o status de um processo justo, o qual passa, necessariamente pelo respeito das garantias mínimas do due process. Há uma coordenação de valores de maneira conformativa, avaliando-se se estes meios, no caso concreto, de sorte que, sejam adequados, necessários e proporcionais em sentido estrito, para o alcance dos fins almejados, assim, arranjados de maneira que potencialmente possam alcançar estes escopos do processo[cix].

Esta busca da conciliação entre valores, deveras, reside no estudo dos postulados normativos e também das eficácias dos princípios e das regras. Sobre os postulados estes são metanormas jurídicas de segundo grau que “estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras”[cx], enfim, determinam deveres estruturais os quais determinam “a vinculação entre elementos e impõem determinada relação entre eles”[cxi], sendo que este elementos poderão ser, além de normas, bens, interesses, valores, direitos, razões, etc. Diferem-se dos princípios pois não prescrevem um fim, mas estruturam a consecução deste fim, e, também, “não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos.”[cxii]. Outrossim, não se confundem com as regras, pois não descrevem comportamentos, apenas estruturam a aplicação destas. Mas, mesmo assim, é corrente a afirmativa de que a proporcionalidade é um princípio. Alexy já havia infirmado tal assertiva, deixando exposto que os exames realizados para aferir a causalidade nos meios aos fins (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito) “não podem ser ponderadas”[cxiii], chamando a proporcionalidade de “máxima”.

1.3.2.1 A proporcionalidade - conceito. A proporcionalidade nada mais é nos dias de hoje do que o instrumental correspondente à busca do justo-meio aristotélico[cxiv], numa estrutura formal mais sofisticada a ser empregada neste intento[cxv]. Depreende-se tal ilação da seguinte passagem do estudo de Eduardo C. B. Bittar, verbis:

“Para que se determine a mediedade da conduta social, é necessária a adequação de meios e fins, ou seja, que meios adequados para a atualização de fins eleitos se concatenem na operosidade prática da conduta. A boa conduta social é nada mais que o resultado da <> eleição dos meios para que se alcance o objetivo almejado. Predica-se de <> a eleição de meios adequados para a realização do aspecto teleológico da ação, isto pois a prudência (phrónesis) nada mais é do que a disposição racional direcionada para a ação, no sentido da atualização de um bem.”[cxvi].

Num primeiro momento o termo proporcionalidade leva a diversas manifestações, dentre as idéias de proporção, adequação, medida justa, prudente ou apropriada à exigência, noções bem contíguas ao próprio Direito, contudo, o postulado da proporcionalidade, não se confunde com o exposto, pois se aplica apenas as “situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais”[cxvii]: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.  Trata-se de um postulado normativo específico, isto é, “exigem o relacionamento entre elementos específicos, com critério que devem orientar a relação entre eles.”[cxviii].

Na clássica lição de Bonavides “O princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) pretende, por conseguinte, instituir, como acentua Gentz, a relação entre fim e meio, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso (‘eine Übermasskontrolle’).”[cxix]. Tal pontuação vem ao encontro do que fora afirmado por Canotilho, de que a proporcionalidade tem similitude com a proibição de excesso[cxx]. No entanto, magistralmente Humberto Ávila já havia demonstrado que o primeiro não se confunde com este último, pois, este “veda a restrição da eficácia mínima de princípios, mesmo na ausência de um fim externo a ser atingido, enquanto a proporcionalidade exige uma relação proporcional de um meio relativamente a um fim.”[cxxi]. Por outro lado, também há a constante confusão, demonstrando fungibilidade entre o postulado da razoabilidade e o da proporcionalidade, o que por sua vez Jairo Gilberto Schäfer rebate. A diferença começa nos sistemas em que são oriundas: a razoabilidade deita suas raízes na construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, que objetivando conter desvios do Poder Legislativo, concebeu o due process of law como condição de legalidade dos atos do poder público, por seu turno, a proporcionalidade origina-se do direito alemão, decorrendo do princípio da legalidade[cxxii]. Humberto Ávila, em lição afiançada por Eros Roberto Grau, sintetiza o ponto de crucial divergência entre os dois postulados normativos aplicacionais, pois enquanto a proporcionalidade faz referência de causalidade entre um meio e um fim, a razoabilidade, ao contrário, em suas três facetas, como equidade, congruência e equivalência, aparece, respectivamente, como “dever de harmonização do geral com o individual”, ou “como dever de harmonização do Direito com suas condições externas”, ou como “dever de vinculação entre duas grandezas”[cxxiii]. O Legislativo poderá prever regras de solução a colisão de princípios, entretanto, nada que infirme a possibilidade da intervenção do Judiciário, pois cabe a ele “interpretar e aplicar a regra legislativa aos casos de colisão previstos pelo legislador.”[cxxiv]. Ademais, calha ressaltar que a doutrina parece ser unânime em afirmar que “a proporcionalidade não é simples rótulo para justificar escolhas arbitrárias dos juízes[cxxv].

Como já demonstrado, a interpretação (aplicação) do Direito provém dos núcleos de sentidos dos textos normativos, os quais oferecem limites à construção de sentido, estes, portanto, não devem ser menosprezados, como ensina Humberto Ávila[cxxvi], não obstante, deve ser observada a questão da eficácia de cada espécie de norma, seja princípio ou regra. Atente-se, a diferença de concretização em cada espécie de norma. Significa, pois, que cada princípio propugna um estado ideal de coisas, um fim. Os princípios têm função de complementariedade e integratividade a outros princípios, sobremaneira, preponderância quando há diferença hierárquica (constitucional --> infraconstitucional). Pode-se ocorrer até uma colisão de princípios, este, conforme já passado, possuem preponderância apenas prima facie, devendo-se recorrer ao sopesamento (verificação da dimensão de peso de cada princípio). Já em relação às regras a principal anotação é de que elas devem ser aplicadas e somente devem ser superadas se “houver razões extraordinárias para isto, cuja avaliação perpassa o postulado da razoabilidade”[cxxvii], isto é, há um grande ônus argumentativo, chamado por Ávila de função eficacial de trincheira. Nas regras, o legislador já pré ponderou determinadas situações em abstrato. Assim, em condições normais, as regras devem ser aplicadas, tendo em vista o reforço argumentativo neste sentido. Quando estas não atinjam as suas finalidades ou em situações não previstas pelo legislador (extraordinárias), através dos postulados normativos, evidencia-se uma posição em que esta situação deve ser elevada à esfera das finalidades sobrejacentes, isto é, ao domínio dos princípios. Vencida a eficácia de trincheira, o princípio que dá subsídio para uma determinada regra (esta que não satisfez a exigência de um determinado postulado normativo) é colocado em análise com outros princípios (que já serviram também para a constatação da insuficiência daquela regra) e agora são colocados “de frente” (princípios <--> princípios) para a realização do sopesamento, situação em que atuam os postulados, novamente. Desta maneira, evidencia-se que a lógica da teoria dos princípios, não é a preponderância exaltada aos princípios, mas sim, que se prevalece a aplicação das regras, até o momento em que estas  não cumpram com o desiderato (fim) mediato a elas ou por razões extremas, mas, este deixar de aplicar é dependente de um gravame: a forte argumentação, do contrário, permanece a aplicação da regra. Destarte, elide-se a simples invocação de princípios para se deixar de aplicar uma determinada regra. Há um ônus e este deve ser satisfeito, sob pena de causação de insegurança jurídica. Ademais, há o dever de fundamentação das decisões judiciais que é preceito constitucional. Há um pensamento de que uma regra infraconstitucional sempre deve ceder para uma norma constitucional (seja princípio ou regra). Tal pensamento não representa integralmente a teoria dos princípios, pela simples razão de que a mencionada regra poderá estar aportada em outro princípio constitucional, que não aquele que foi invocado para “invalidar” a regra infraconstitucional. Cada regra possui determinada abertura semântica (v.g. há maior vagueza das cláusulas gerais), espaço para atuação da eficácia integrativa e interpretativa dos princípios, o que não suprimi a possibilidade da aplicação dos princípios e desaplicação desta, desde que respeitado o roteiro antes explicitado: da prioridade aplicacional das regras e o ônus argumentativo para a inversão desta ordem. Conforme já se apontou[cxxviii], há a necessidade de uma maior precisão nestas delimitações. Para mais informações, vide a obra do professor Humberto Ávila já citada[cxxix]. Logo abaixo será discorrido a que grau ocorre esta “intervenção”.

Acerca do fundamento do postulado da proporcionalidade, o Brasil não possui positivado este como o fazem Portugal e Alemanha. Assim, segundo Raquel Denize Stumm[cxxx], não é uníssono o coro dos doutrinadores acerca da fundamentação jurídica deste postulado, encontrando-se derivado tanto do Estado de Direito[cxxxi], como do devido processo legal[cxxxii] ou como decorrente do conteúdo dos direitos fundamentais. Defendendo esta última concepção, Willis Santiago Guerra Filho salienta que tendo o constituinte brasileiro optado por um “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, CF), consagrando um rol extenso de direitos fundamentais, que logicamente se imbricam, “co-implica na adoção de um princípio regulador dos conflitos dos conflitos na aplicação dos demais e, ao mesmo tempo, voltado para a proteção daqueles direitos.”[cxxxiii], assim, no dizer de Helenilson Cunha Pontes, a proporcionalidade arvora-se como dever a vincular todos os entes públicos, como instrumento necessário para a concretização dos direitos fundamentais, não retido apenas nestes, mas estendido a todos os direitos e garantias fundamentais[cxxxiv]. Nota-se, mesmo que sendo, em alguns casos de forma não explícita, o postulado vem sendo utilizado pela mais alta Corte do país, como relata o Ministro Gilmar Mendes[cxxxv].

1.3.2.1 Exames inerentes à proporcionalidade: Tradicionalmente chamados de “sub-princípios” ou de “conteúdos ou elementos parciais” ou mesmo como faz Alexy, de “máximas parciais”. Terminologia mais adequada seria mesmo a de exames, que se configuram como as três exigências nas quais se desdobra a proporcionalidade em sentido amplo:

1.3.2.1.1 Adequação ou conformidade: É o exame que “exige uma relação entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do fim.”[cxxxvi], este deve dizer se determinada medida representa “o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público.”[cxxxvii], ou se, “a medida seja suscetível de atingir o objetivo escolhido”[cxxxviii]. Ainda, Canotilho refere-se que este exame deve pressupor o exame e a prova de que o meio tenha aptidão e conformidade conforme os fins justificativos de sua adoção[cxxxix]. No entanto, perquire-se qual seria a profundidade deste exame. De maneira inigualável na doutrina pátria, Humberto Ávila[cxl], assentou: (a) sobre o dever de escolha do meio mais intenso, melhor e mais seguro, os Poderes devem escolher aquele que promova minimamente o fim; (b) sobre como deve ser analisada a relação de adequação, esta pode ser vista nas seguintes dimensões, dependendo do tipo de situação: (b.1 abstração e concretude, b.2 generalidade e particularidade, b.3 antecedência e posteridade), na qual predomina o valor heurístico, preponderando “juízos do tipo probabilístico e indutivo”; (c) sobre a intensidade de controle das decisões adotadas pela Administração, opta-se por um “modelo fraco”, na qual respeita-se o princípio da separação dos Poderes, podendo agir o Judiciário somente diante de uma inadequação evidente e não justificável.

1.3.2.1.2 Necessidade, da exigibilidade ou da menor ingerência possível: “envolve a verificação da existência de meios que sejam alternativos àquele inicialmente escolhido pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo, e que possam promover igualmente o fim sem restringir, na mesma intensidade, os direitos fundamentais afetados.”[cxli], isto é, questiona-se neste exame, se não há outro meio alternativo e que promova o fim colimado com menor restrição possível aos direitos fundamentais. Desta forma, “a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária.”[cxlii]. Canotilho[cxliii] alvitra que para uma “maior operacionalidade prática” deste exame, devem ser auferidos, conseqüentemente com uma menor “desvantagem” possível ao direito, os seguintes itens: (a) exigibilidade material, que envolve a própria restrição ao direito;  (b) exigibilidade espacial, referindo-se ao âmbito da intervenção do direito; (c) exigibilidade temporal, em relação a uma limitação rigorosa da restrição no tempo; (d) exigibilidade pessoal, onde os interesses sacrificados devem se circunscrever “à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados”. Como deixado evidenciar no exame da adequação, “a verificação do meio menos restritivo deve indicar o meio mais suave, em geral e nos casos evidentes.”[cxliv], observando, que a escolha do meio alternativo reside não somente no grau de restrição, mas a que grau aquele meio promove o fim, o que poderá levar ao enfrentamento da seguinte questão, muita restrição e grande promoção do fim ou, ao contrário, pouca restrição e precária realização do fim, o que leva a inafastável ponderação entre o grau de restrição e o grau de promoção[cxlv].

1.3.2.1.3 Proporcionalidade em sentido estrito: é aquele que “exige a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais.”[cxlvi], ou, como aponta Willis Santiago Guerra, há uma determinação para que “se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o ‘conteúdo essencial’ (Wesensgehalt) de direito fundamental (...)”[cxlvii].

“Assim, o juízo de harmonização ou sopesamento formulado no bojo do princípio da proporcionalidade em sentido estrito deve atender, dentro do possível, às situações pessoais dos sujeitos submetidos à regulação (no caso da edição de ato normativo de alta generalidade) e à atuação estatal concreta, considerando as vantagens e desvantagens que a medida estatal busca e efetivamente gera (relação meio-fim) ao patrimônio juridicamente protegido prima-facie daqueles sujeitos, segundo os parâmetros gerais do sistema jurídico veiculados normativamente pelas normas - objetivo constitucionalmente fixadas.”[cxlviii].

Portanto, perquiri-se em sede deste exame se a restrição do direito fundamental é justificado pela consecução do fim, isto é, se a vantagem trazida pelo grau de realização do fim por aquele meio justifica a restrição ao direito fundamental.

1.3.2.1.4 A intensidade do controle dos outros Poderes pelo Poder Judiciário

A questão do controle dos outros Poderes pelo Poder Judiciário já havia preocupado a doutrina alemã, como aduz Bonavides[cxlix]. Deve se ter em mente que a separação dos Poderes foi concebida como um instrumento no “intuito de viabilizar uma efetividade às conquistas obtidas com o movimento constitucionalista”, que tem como epicentro os direitos fundamentais[cl].

Fora propugnado um controle fraco por parte do Judiciário, o que afasta a possibilidade de uma insindicabilidade das decisões do Poder Legislativo pelo Judiciário. Na assaz lição de Humberto Ávila[cli]:

I - Maior deve ser o controle pelo Judiciário, porquanto, maior deve ser justificada a restrição a um determinado direito fundamental, quanto maior for: (a) a segurança do juízo realizada pelo Judiciário; (b) a justificação evidentemente equívoca da restrição ao direito fundamental feita pelo Legislativo; (c) a restrição ao bem jurídico constitucionalmente protegido; (d) a importância e a hierarquia sintática do bem jurídico constitucionalmente protegido. Portanto, parece lícito dizer que o princípio democrático exige proporcionalidade a justificar os atos do Poder Legislativo.

II - Menor deve ser o controle pelo Judiciário, porquanto, menos deve ser justificada a restrição a um determinado direito fundamental, quanto maior for: (a) duvidoso o efeito futuro da lei; (b) difícil e técnico for o juízo exigido; (c) a abertura permissiva constitucional ao Legislativo tendo, assim, prerrogativa de ponderação.

Destarte, o ponto decisivo, é que “caberá ao Poder Judiciário verificar se o legislador fez uma avaliação objetiva e sustentável do material fático e técnico disponível, se esgotou as fontes de conhecimento para prever os efeitos da regra do modo mais seguro possível e se orientou pelo estágio atual do conhecimento e da experiência.”[clii]. Por outro lado, tendo o Legislativo realizado todas estas exigências, sua decisão é justificável “e impede que o Poder Judiciário simplesmente substitua a sua avaliação.”[cliii].

Desta maneira, como afirma Ávila, este controle da justificabilidade da medida adotada pelo Poder Legislativo somente é conseguido após o feitio a ser realizado pelo Judiciário, deste modo, não há uma posição rígida e prévia anterior a este controle[cliv].

Ademais, a proporcionalidade encontra campo no processo civil no que tange a esfera aplicacional das normas, decorrendo como um dever imposto por um Estado Democrático de Direito[clv] a tornarem concretos os direitos fundamentais, fazendo com que as duas grandezas (a segurança e a efetividade) estejam conformados de maneira a propiciar o atingimento dos escopos processuais.

1.4 A EFETIVIDADE DO PROCESSO - INSTRUMENTALISMO

Como fora evidenciado nas páginas que aqui antecederam, demonstrou-se o fenômeno da constitucionalização do processo, o qual acompanha uma evolução cultural - social: (a) o próprio processo recebe uma roupagem que o aquilatou (a qual tem como núcleo o devido processo legal); (b) os demais valores que a “Constituição cidadã” privilegiou, caracterizados como deveres do Estado, para não ficarem na carência de efetividade, requerem, dentre outras atitudes (como a legislativa), a intermediação do Judiciário, como v.g., do cidadão premido de seu direito, que proibida a justiça de mão-própria pelo Estado, nada mais resta, senão invocar o próprio Estado, para este manifestar o seu poder, e atender aquele reclamo[clvi]. Este agir do Estado e o resultado a ser alcançado devem ser úteis, isto é, mesmo aquele que pleiteia direito inexistente (direito de ação abstrato), deve ter um aparato a sua disposição, de tal forma que justifique o monopólio de justiça, tendo a agilidade, a efetividade e tantos outros adjetivos concernentes a uma atuação digna. É a conseqüência da funcionalidade dos direitos fundamentais.

Outrossim, a efetividade[clvii] aparece como um princípio que está na finalidade de trazer para a realidade os direitos garantidos. Assim, o processo é efetivo quando munido de tal maneira que tenha o maior potencial para conseguir tornar o direito material invocado (logicamente, se totalmente procedente a ação) concedido (não apenas declarado) em sua inteireza, em tempo hábil, com acesso ao Estado de maneira facilitada, sem óbices que dificultem este ingresso.

Então, antes de avançar-se neste estudo, cabe alargar um pouco o presente estudo e reiterar que o iter para que seja tornado efetivo qualquer direito, em que figure o Estado como devedor (seja, v.g. da tutela jurisdicional ou educação básica), perpassam por atitudes dos legisladores e dos administradores dos recursos financeiros (Poderes Executivo e Legislativo, v.g. em prever procedimentos céleres, aparelhar tecnologicamente os fóruns, construir escolas, etc), e o Poder Judiciário, este que deve interpretar a lei, concretizando os valores principiológicos constitucionais coordenados em uma relação de proporcionalidade. Traz-se, ainda a colação, conforme foi mencionado de que o indivíduo tem o direito a ações positivas por parte do Estado[clviii] ancorados nos direitos fundamentais, e que via de conseqüência, poderá, como abona Canotilho, com legitimidade até a atuação positiva por parte do Poder Judiciário (mesmo que caiba, preponderantemente a outro Poder), não se limitando a uma ação negativa, na qual se desaplica os atos normativos tendo em vista a sua contrariedade à Constituição, mas, sim que “a força normativa das regras e princípios constitucionais vincula todos os poderes públicos (mesmo os de controlo), obrigando-os a uma tarefa positiva de concretização e desenvolvimento do direito constitucional.”[clix]. Outrossim, o problema está na tarefa de definir a eficácia de cada norma[clx].

1.4.1 O acesso à Justiça

Diretamente relacionado a efetividade do Judiciário (Estado) está o prius que é o próprio acesso a este. O acesso à justiça, como foi destacado pelo juiz do Tribunal Constitucional Alemão, Siegfried Bross, aparece como o acesso às instâncias judiciárias de forma assegurada a qualquer pessoa sem maiores ônus[clxi]. Segundo o ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo, apoiado nas lições de Capelletti e Garth, de que o acesso à Justiça serve “para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado: ‘primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos’.”[clxii].

Assim, disserta Marcus Firmino Santiago, defendendo que o acesso à Justiça relaciona-se com os princípios da dignidade da pessoa humana e no desiderato de uma sociedade justa e solidária:

“No modelo estatal contemporâneo, centrado na idéia de valorização do ser humano, adquire grande relevância o direito fundamental de acesso à justiça, consectário do sistema de proteção da dignidade humana, sem cuja realização jamais seria possível pensar em tornar realidade o sonho de uma sociedade justa e solidária. Isto porque, por maior e mais cuidadosamente elaborada que seja a pauta de direitos fundamentais gravada na Constituição brasileira, pouca utilidade teria se não se conferisse posição proeminente ao direito de acesso à justiça, garantia cuja não observância acaba por esvaziar o sentido deste sistema protetivo diante da ausência de mecanismos capacitados a garantir sua realização.”[clxiii].

Por outro lado, também Marinoni assinala que o tópico do acesso à Justiça está ligado à noção de justiça social e cidadania, indo além, já encarando o iter processual em suas várias possibilidades, sempre visando condições melhores nesta atividade[clxiv]. Afinal, a idéia de acesso à Justiça perpassa v.g. o simples ingresso de uma lide para ser julgada pelo Judiciário, mas vai além, encontrando-se agregada de outros valores que informam-no, o qual este deve estar conformado, como v.g. a celeridade[clxv] e a efetividade.

1.4.2 A tutela jurídica adequada

Em passo posterior, já “acessado o Judiciário”, cumpre que a jurisdição seja prestada da melhor maneira possível. Trata-se de um verdadeiro dever estatal o agir desta maneira[clxvi]. Nisto, a efetividade é tema central de muitas reflexões, sendo caminho percorrido pelos mais afamados juristas, dentre os quais, invoca-se o célebre estudo que remonta ao ano de 1982, do professor Barbosa Moreira, que enunciou os seguintes pontos, tidos como essenciais, pertinentes à temática da efetividade do processo, que pela completude de sua observação, é profícuo se transcrever na inteireza:

“a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento quer resultem de expressa previsão normativa, quer se possam inferir do sistema;

b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos;

c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade;

d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento;

e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias.”[clxvii].

Então, em síntese deste autor, pode-se dizer que a efetividade do processo redunda em: tutela adequada e utilizável, o tanto quanto possível na busca da “verdade real”; o asseguramento do resultado prático; tudo isto com celeridade e economia. Igualmente, nesta linha, em 1987, Kazuo Watanabe, ao ser publicada a sua tese de doutorado, já havia alertado sobre a significativa preocupação que estava ocupando os processualistas. Estava falando, a propósito, da “efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos[clxviii]. Tal discussão, vivíssima na atualidade, dá azo a uma série de reflexões e alterações legislativas, que podem ser observadas, chamando atenção, a teor da efetividade do Judiciário, a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, os projetos de lei que tramitam no Congresso para uma nova sistemática da execução forçada (já com prós e contras), e a recente regulação acerca do agravo (já alvo de diversas manifestações críticas)[clxix].

Posto isto, é de se observar que a efetividade do processo é um assunto constante na pauta dos processualistas, aonde vem provar tal ilação o trabalho de Luiz Guilherme Marinoni, no qual já se vinha proporcionando uma releitura do direito processual, pugnando por “uma preocupação com o resultado jurídico-substancial do processo, conduzindo a uma relativização do fenômeno direito-processo”[clxx]. Mais recentemente, Marinoni demonstra sua convicção de que deve ser afiançada a “técnica processual” e a preocupação com os direitos fundamentais[clxxi]. Ao mesmo tempo, José dos Santos Bedaque, com orientação em Dinamarco, já havia alertado sobre a importância do caráter instrumental do processo, sendo imperioso que se reconheça que a autonomia do direito processual foi alcançada a um caro custo, em detrimento da efetiva tutela dos direitos, donde, deste esforço, resultou-se em deixar num patamar de abandono o direito material, situação esta que se quer modificar, reconhecendo apenas uma relativa autonomia do direito processual e sublinhando a sua interdependência com o direito substantivo, sendo que assim,

 “Na concepção de direito processual não se pode prescindir do direito material, sob pena de transformar aquela ciência num desinteressante sistema de formalidades e prazos. Sua razão de ser consiste no objetivo a ser alcançado, que é assegurar a integridade da ordem jurídica, possibilitando às pessoas meios adequados para a defesa de seus interesses.”[clxxii].

Como fora demonstrado alhures, a Jurisdição se caracterizou por seu caráter declarativo dos direitos. Por outro lado, as formas com que o direito processual protegia e efetivava pelo direito de ação o direito material eram insuficientes, visto que se encontravam óbices pela limitação das tutelas que este podia dispor, ou seja, consubstanciado nas eficácias condenatória, constitutiva e declaratória, como ensina a doutrina dominante. Decorrente disto, a locução “efetividade do processo” está relacionada à necessidade de tutelas que realmente venham a tornar realizado o direito material. Assim, Bedaque anotou: “para cada tipo de situação de direito material deve existir uma tutela jurisdicional adequada, isto é, diferenciada pelo procedimento”[clxxiii]. Portanto, para este autor a efetividade é uma questão de procedimento adequado. Sobre esta insuficiência das tutelas existentes, manifestou-se Marinoni que a classificação trinária das sentenças é insatisfatória para a proteção/efetivação dos direitos, logo, mais adequada uma classificação quinária, que incluiria entre as já citadas, a mandamental[clxxiv] e a executiva lato sensu, tendo como principais vantagens a possibilidade de uma tutela inibitória, na prevenção do ilícito, assim como ações que não necessitariam de uma execução posterior[clxxv]. Ademais, o mister da efetividade também contempla que existam meios adequados à tutela de direitos transindividuais, justiça das decisões[clxxvi], dentre outras formas para que o direito invocado seja verdadeiramente tutelado. Muito destes anseios já formam contemplados, como, verbi gratia, a antecipação de tutela do art. 273, CPC (implementada pela Lei 8.952, de 13.12.1994 e alterações posteriores), as tutelas de fazer, não-fazer e entregar coisa certa dos arts. 461 e 461-A, restrições em sede recursal, etc.

Estudando o assunto declinado, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier anotam que, deve-se aparelhar o Judiciário, de maneira que, as decisões judiciais sejam cumpridas[clxxvii], e que tenham aptidão para produzir resultados concretos, em tempo hábil. Como explanam os referidos autores, alguns meios “intimidativos” foram colocados pelo legislador, como o novo art. 14 do CPC (nova redação pela Lei 10.358/2001), que traz uma ampliação daqueles que são tidos como sujeitos no processo, e que por via de conseqüência, encontram-se vinculados a deveres processuais[clxxviii].  Portanto, resume-se o pensamento dos precitados na seguinte passagem, verbis:

“É hoje inafastável a conclusão no sentido de que o direito de acesso à justiça, erigido à dignidade de garantia constitucional, quer dizer bem mais do que a possibilidade de se obterem provimento ‘formais’, isto é, decisões judiciais dotadas apenas potencialmente da aptidão de operar transformações no mundo real. Quando se fala em direito de acesso à justiça, o que se quer dizer é direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, ou seja, o direito à obtenção de procedimentos que sejam realmente capazes de promover, nos planos jurídico e empírico, as alterações requeridas pelas partes e garantidas pelo sistema.”[clxxix].

Por outro lado, o termo efetividade está relacionado com a questão da celeridade do processo. Ovídio Baptista já havia salientado que a concepção de processo anda longe da idéia de instantaneidade[clxxx] e que há uma “natural morosidade”, onde ainda, neste renomado autor gaúcho, afirma-se que há a tendência da superação do processo calcado no procedimento ordinário, este ligado à idéia de plenariedade e, com efeito, demorado, o qual em suas vantagens não se consegue superar “as enormes e insuportáveis desvantagens desse tipo procedimental, exacerbadamente moroso e complicado, a ponto de tornar-se inadequado ao nosso tempo e às novas exigências decorrentes de uma sociedade urbana de massa.”[clxxxi]. Marinoni também já havia pronunciado que a “lentidão” seria sinônima de inefetividade do processo, ainda apontando que esta situação decorre da: (a) falta de estrutura do Judiciário, (b) uma “indústria” que se beneficia pela demora, pela qual há parcela de culpa por parte dos causídicos, (c) universalização do procedimento ordinário[clxxxii]. Para o citado “A lentidão do processo pode transformar o princípio da igualdade processual, na expressão de Calamandrei, em ‘coisa irrisória’. A morosidade gera a descrença do povo na justiça (...) o cidadão tem direito a uma justiça que lhe garanta uma resposta dentro de um prazo razoável.”[clxxxiii].

De postremeiro, resta evidenciado que a referência a efetividade do processo não se circunscreve a tutela adequada dos direitos, mas, sim, qualidade que se faz imperiosa, podendo ser resumida (a) acesso à justiça, (b) tutela adequada ao direito material, em relação os meios (procedimento) e fins (direito realizado concretamente), (c) celeridade do processo.

1.4.3 A celeridade do processo como princípio constitucional explícito

A celeridade, como ideal, procura combater sua principal antítese que é a morosidade. Como bem assinala Getúlio Dorneles Fernandes da Silva, verbis:

“Relativamente à morosidade, o professor Décio Freitas, em matéria publicada na imprensa, disse que ‘a morosidade e a insuficiência da prestação jurisdicional figuram entre as causas dos graves déficits da democracia brasileira. Num país democrático, a Justiça deve ser o escudo dos direitos e das liberdades dos cidadãos. Cabe-lhe defender os cidadãos contra os abusos dos demais poderes. Desnecessário dizer que precisa ser amplamente democratizada, ao alcance dos pobres e dos fracos, justamente aqueles que mais têm fome e sede  de justiça’.”[clxxxiv].

Pois bem, colocada esta importante observação, de que a morosidade atenta contra o ideário democrático[clxxxv] (via de conseqüência ao desrespeito aos direitos fundamentais), e também, contra o próprio desenvolvimento da noção já registrada de cidadania, calha, portanto, evidenciar, que a efetividade abarca também a própria desenvoltura do processo de maneira célere. Sérgio Luís Wetzel entendia que a celeridade resta acomodada dentro da cláusula do devido processo[clxxxvi], o que não invalida a alocação da mesma, junto da efetividade do processo. Realmente, sobre a efetividade vinha-se entendendo que advinha do direito à adequada tutela jurisdicional que, por via de conseqüência, era dimanada do princípio constitucional da inafastabilidade, previsto no art. 5º, XXXV, CF[clxxxvii]. Acerca da celeridade, subentendido no primeiro, hoje encontra fundamento constitucional expresso, conforme se depreende do art. 5º, LXXVIII da CF[clxxxviii], que foi acrescido pela EC 45/2004[clxxxix]. Comentando tal dispositivo, o professor Sérgio Bermudes se manifestou da seguinte maneira:

“É a celeridade da tramitação que alcança a duração razoável, ou seja, a duração necessária à conclusão do processo (...) A celeridade da tramitação traduz-se na presteza da prática de cada ato do processo, porquanto a demora, na prática de um deles repercute, negativamente, no conjunto, como acontece com a retenção de um trem num dos pontos de parada do seu percurso. Atos praticados celeremente asseguram a duração razoável, senão rápida do processo, o qual outra coisa não é, desde a etimologia, que um conjunto de atos que se sucedem para a consecução de determinado fim.”[cxc].

 

Como citar o texto:

MATTE, Fabiano Tacachi..Perspectivas do processo civil na atualidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 155. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/938/perspectivas-processo-civil-atualidade. Acesso em 5 dez. 2005.

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