“Numa sociedade que se diz mais democrática, imprescindível é o respeito e a garantia dos direitos das minorias”. Com esse entendimento, o juiz da 21ª Vara Cível de Belo Horizonte, Álvares Cabral da Silva, autorizou que um transexual realize cirurgia de redesignação de seu estado sexual, alterando seus órgãos sexuais masculinos para femininos. De acordo com os autos, o transexual, apesar de ser do sexo masculino, possui, desde a infância, todas as características psíquicas do sexo feminino. Inclusive, ele ressaltou que o seu órgão genital masculino sempre lhe causou constrangimento social e de relacionamento. Além disso, argumentou que já se submeteu a vários exames clínicos e que todos os especialistas atestaram que ele está em condições físicas, psiquiátricas e psicológicas de decidir sobre a realização da cirurgia. O magistrado, ao analisar o pedido, afirmou que o Estado deve proteger e proporcionar ao cidadão o seu bem-estar “que, somente será alcançado, nos casos de transexualidade, se o indivíduo tiver ajustado seu sexo biológico ao psicológico”, destacou O juiz evidenciou também que não há mais espaço na sociedade para a negativa da dignidade de todos indivíduos, “devendo ser respeitadas todas e quaisquer diferenças, e suas respectivas necessidades, como preceito maior de se construir uma sociedade justa e solidária”, disse. De acordo com ele, os que buscam essa cirurgia na atualidade visam, “não burlar a natureza, ou exprimir uma reação biológica de defesa, mas se situar melhor dentro do convívio social, da organização social, das relações, num processo de ajustamento, e, principalmente, consigo mesmos: alma de mulher em corpo de homem”, ressaltou o juiz. Ademais, o transexual atende os requisitos previstos para redesignação, dentre eles, desconforto com o sexo anatômico natural, permanência do distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos, e ausência de outros transtornos mentais. Requisitos que estão contidos no Conselho Nacional de Medicina, por meio da Resolução nº 1.482/97, e explícitos em laudo pericial. Além disso, o transexual é maior de idade e não possui características físicas inapropriadas para a cirurgia e irá efetuá-la em hospital público. Apesar de a cirurgia redesignadora ter fundamento também nos direitos à liberdade e saúde, previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (arts. XXV, II e III), e Constituição Federal (preâmbulo e arts. 6º, 196, 199, §4º), falta uma legislação específica para o caso. Mas, segundo o juiz, isso não pode ser óbice ao deferimento do pedido. “O direito deve realizar o equilíbrio e possibilitar que o ser humano alcance, tanto quanto possível, a felicidade pessoal, desde que não conflite com o bem coletivo. É necessário dar a ele contornos de realidade, pois o fato novo e moderno sempre antecede a lei”, disse. “Negar ao autor o seu requerimento seria o mesmo de lhe retirar o direito de ser feliz do modo que escolheu para sê-lo”, finalizou o juiz.

 

Como citar o texto:

Cirurgia de redesignação de sexo é autorizada pela Justiça. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 266. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/noticias/4800/cirurgia-redesignacao-sexo-autorizada-pela-justica. Acesso em 20 set. 2006.

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