“Somente o fato da ocorrência de agressão verbal a um árbitro, não gera o direito à indenização por danos morais. Se assim fosse, tal fato tornar-se-ia fonte inesgotável de renda”. Nessa reflexão, o juiz da 14ª Vara Cível de Belo Horizonte, Estevão Lucchesi de Carvalho, não acatou os pedidos de indenização por danos morais, feitos por um árbitro de futebol e seu assistente.

 

O magistrado avaliou as adversidades presentes no meio futebolístico e concluiu que não há quem participe do evento que escape de um dissabor. Mas, ressaltou: “não se quer, aqui, legitimar ações grotescas, como xingamentos e outros fatos depreciativos, mas é relevante notar que cabe à própria Federação Mineira de Futebol, ou ao próprio time envolvido, corrigir e punir atos que possam constituir transgressão de conduta ou que possam acarretar, nos campos, ambiente não adequado e que acabam por insuflar violência”.

Os árbitros, integrantes do quadro da CBF, relataram que foram escalados para arbitrarem uma partida de futebol entre duas equipes mineiras, numa disputa pelo Campeonato Mineiro de 2004. Num certo momento do jogo, um pênalti foi marcado. Por discordarem dessa marcação, o técnico, o dirigente esportivo e outros integrantes da equipe contestaram e invadiram o campo. Após o controle do tumulto, o árbitro expulsou o técnico do time em razão de agressões verbais e da invasão de campo. O dirigente do clube concedeu entrevistas a inúmeras emissoras de rádio e televisão, com dizeres infames e indecorosos contra os árbitros.

Segundo os árbitros, os atos feriram a moral, a honra e a dignidade deles, causando-lhes danos irreversíveis. Alegaram que as injúrias e as acusações geraram grande repercussão na imprensa. A situação causou-lhes aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem estar psicológico. Depois do ocorrido, eles mal podiam sair de casa. Disseram que não são criminosos, marginais ou ladrões, como foi bradado. “São pais de família, homens que espelham o crescimento e formação dos filhos”, desabafaram.

Pediram indenização em face do clube de futebol, do técnico e do dirigente desportivo.

Os acusados argumentaram que não tiveram a intenção de ofender moralmente os árbitros. Agiram com exaltação provocada pela situação, e que todo o comportamento foi fruto de erro dos árbitros.

O magistrado falou que os árbitros são “reconhecidamente” pessoas qualificadas no cenário nacional, e profissionais de grande experiência. Considerou que avaliar e julgar os fatos em fração de segundos, sem o recurso dos diversos ângulos proporcionados pela TV, é missão difícil. Por isso, “são passíveis de justificáveis erros e merecedores de nossa maior compreensão”, avaliou.

O juiz lembrou que o futebol é a paixão dos brasileiros. Ressaltou que, dentro dos campos, ocorrem fatos que, em outros locais, seriam tidos como irregulares ou nocivos, mas, em face dos sentimentos ali colocados, não podem ser supervalorizados. A linguagem desabrida, nessas circunstâncias, nem sempre será considerada ofensa à honra pessoal. Ela deve ser avaliada com reserva, porque usada em situação de extrema emoção e estresse. “Embora reconheça que ainda estamos longe de sermos uma nação mais civilizada, seria quase impossível imaginarmos uma partida de futebol completamente isenta de emoções mais hostis ou discussões indesejáveis”, ponderou.

Nesse raciocínio, o magistrado concluiu que o abalo psicológico que os árbitros alegaram ter sofrido “é decorrente de um fato natural à seara futebolística, próprio das partidas competitivas deste esporte, não sendo plausível ou prudente cobrar de quem quer que seja pelos dissabores inerentes a esse tipo de atividade”.

Essa decisão está sujeita a recurso.

 

Como citar o texto:

Agressão verbal a árbitros de futebol não justifica pedido de indenização. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 294. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/noticias/5106/agressao-verbal-arbitros-futebol-nao-justifica-pedido-indenizacao. Acesso em 3 abr. 2007.

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