Estatuto do desarmamento ou estatuto de controle?

O Estatuto do Desarmamento Lei 10.826 entrou em vigor em 22 de dezembro de 2003, no  dia seguinte à sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assim que  foi publicado no Diário Oficial da União. Portanto, começou a vigorar no dia 23 de dezembro de 2003. Esta lei visa o controle do porte de arma para os Civis, delimitando requisitos para que consiga obter o porte de arma. Este será um porte de circunstância subjetiva, ou seja, é de caráter personalíssimo não podendo ser transferida a arma para seus parentes automaticamente. Antes de analisarmos dogmaticamente os preceitos da lei, analisaremos como é este controle.

Para se obter o porte era tão somente preciso uma mera formalização na Polícia Militar sem maiores burocracias. Agora com a lei, é a Polícia Federal (SINARM) o Órgão encarregado e responsável pelo registro da arma se esta for de uso permitido, variando o calibre. O registro é necessário, pois é este o documento de identificação da arma, que deverá conter todos os dados que identifiquem de maneira clara a arma e seu proprietário. O SINARM ( POLICIA FEDERAL) é que é encarregado do cadastro. Os Civis só andarão armados se conseguirem o porte de arma concedido pela Polícia Federal, portanto. Os Órgãos que tiverem regulação própria como os Militares, os Magistrados, Promotores terão direito mediante seu regulamento, devendo os militares terem o cadastro no SIGMA (Comando do Exercito).

Na verdade esta lei dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM, definindo crimes e dando outras providências. Assim, é um estatuto de controle e não de proibição como está sendo colocado pela imprensa.

DIFERENÇA ENTRE PLEBISCITO E REFERENDO

Convém distinguir por plebiscito e referendo. A diferença é simples. O plebiscito é anterior ao ato legislativo ou administrativo sendo o povo que aprova ou não. Já o referendo é convocado após a edição da norma, devendo o povo ratificá-la ou não.

Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6o desta Lei.

§ 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.

REFERENDO E DEMOCRACIA

Ocorreu no  dia 23 de outubro de 2005 que os cidadãos brasileiros com mais de 18 e menos 70 anos votaram obrigatoriamente sobre a proibição ou não da comercialização. O referendo foi  uma manobra que seduziu a Democracia. Ouvir a opinião popular parece sedutor, fascinante. Mas, contudo se torna perigoso querer passar uma questão tão técnica para as mãos dos civis. O Estado deveria dispor de mecanismos de aproximação, ou seja, educação. Deu  a entender que estávamos votando pelo sim ou pelo não do desarmamento e não era  isso, era a comercialização, que entende o Estado ser de fiel agrado para diminuir a criminalidade.

A CRIMINALIDADE

Há, contudo estudos sobre o crime, seus aspectos sociais, individuais. Investigação científica depende de uma prévia visão do homem e da sociedade. “Na escola clássica (séc. XIII e XIX) o homem é dotado de livre-arbítrio e vive em uma sociedade consensual (existe um consenso em torno de valores fundamentais). A escola positiva (séc. XIX) e a sociologia criminal (séc. XIX  e XX) negam o livre-arbítrio e a criminologia nova, o consenso social. É do desdobramento dessas questões fundamentais em torno da natureza humana e da ordem social que surgem as perguntas e as respostas ao problema do crime, ou seja, as teorias científicas sobre o crime”. Não faremos aqui um estudo aprofundado sobre o tema que requer um estudo complexo. Mas afirmamos sem medo de errar que o crime antes de tudo é um problema social, pois está na sociedade, está no âmbito publico. O crime como fator social engloba vários fatores, como socioeconômico, individual-social, educação, sentimento volitivo estigmatizado, e outros, enfim, fatores que precisam ser estudados e levados a sério. Não se pode tratar o crime como um problema fácil. Nosso índice de criminalidade é altíssimo e disto decorre fatores que irão além do controle do armamento que irá ajudar a reduzir o índice mas não será a solução definitiva.

DESARMAR OS BANDIDOS?

Como bem ministra o Procurador de Justiça Dr. Edson Miguel Filho, “um assaltante armado de revólver é preso vagando pela rua. Levado à delegacia sai junto com o policial que o prendeu. Não fica preso, porque porte ilegal de arma de fogo é infração penal de menor potencial ofensivo. Ou melhor, não ficava preso. Agora, com a Lei 10.826/03, porte ilegal de arma é infração penal grave – dá cadeia”!

Assim é o bandido que o estatuto visa pegar, e não o cidadão de bem como é colocado por muitos. Visa intimidar o bandido, ainda que este resista, porém, a punição agora é mais severa. Difícil é entender e saber quem é o cidadão de bem!

Querer desarmar o bandido é interessante, mas este severamente compra armas e continuará comprando armas ilegais, mas com o dispositivo novo da lei 10.826 de 2003 se pego for com arma de uso restrito terá vedação de sua liberdade, mas se for registrada em seu nome cabe fiança e responderá o processo em liberdade, mas bandido não tem arma registrada.

ESTATUTO DE CONTROLE

Entendemos pela dogmática jurídica, com um estudo da lei, que não se trata de estatuto de desarmamento e sim de controle, o próprio  artigo 35 que possibilitou  o referendo é de controle respectivamente, apenas visando a proibição da comercialização dentro do país para venda não concedida, ou seja, quem não pode ter o porte não poderá comprá-la. As entidades comprarão suas armas comercializadas aqui mesmo.

REFERENDO OU ILUSÃO?

Por ser sedutor demais em uma Democracia a consulta popular deste do 23 de outubro foi sedutor, isso  pela forma que foi colocada. Temos uma mídia bem criativa, mas muitas das vezes alienantes. Não mudou muita coisa com o sim ou com o não.

Mas acreditamos que o Estatuto com seus dispositivos veio para controlar mesmo. É um começo, mas exigirá mais de nosso Estado.

ESTADO AUSENTE?

Em meados da década de 80 surgiu um movimento intelectual que defendia a tese de que o Estado usava o Direito Penal como um simbolismo de sua presença. Ou seja, Direito Penal Simbólico. Era um dialogo do Estado para com o Cidadão. O Ente maior, por meio de medidas isoladas, dizia estar ciente do problema e vivo, fazia crer que percebia a realidade e que estava tomando as medidas necessárias. O Direito Penal não raras vezes servira de símbolo, não importando punir o sujeito para que este interiorize as normas de comportamento social e se regenere, mas sim mostrar para a sociedade que o culpado ou inocente, foi punido!

O ARTIGO 6º

Este dispositivo disciplina taxativamente o porte e quem tem o direito. Taxas são cobradas para dificultar mesmo a pretensão ao registro. São cominadas penas para a infringencia legal a esta lei.

O QUE MUDOU?

As mudanças nem o próprio legislador parecia saber. Corremos o risco de criminalizar muitas pessoas de bem por conta de uma proibição que prejudica o controle para os que possuírem o direito a terem uma arma.

Não mudou muito. Apenas se transferiu um foco, prender uma pessoa por porte ilegal sem que esse tenha direito à fiança todavia por ter ele matado ou roubado alguém? Incongruência inafiançar um crime de menor pena por um de efeito maior e pena mais elevada.

MEIOS DE EXECUÇÃO

Os meios de execução para se cometer o crime são de espécies variadas. As chamadas armas brancas sem dúvida matam muito neste País. Não dispomos de um meio eficiente para evitar que homicídios aconteçam em massa. Mas quando falamos em homicídios em massa olhamos para uma sociedade anômala. Criminalidade em excesso é um problema social muito serio. O Estado não dispõe da educação suficiente para prevenir os excessos, é um Estado simbólico no Direito de Punir. A repressão aparece sempre depois do fato já cometido, do fato crime. Aqui teremos a prevenção terciária que será a punição ao criminoso. A prevenção primária com  as instituições informais como a família, a escola, o trabalho não atendem aos seus fins educacionais, surgindo um segundo momento, a prevenção secundária que já é a polícia e seu momento de busca nas ruas da cidade, repressão com prevenção. Assim, meios de execução não faltarão para o individuo que quiser cometer homicídio.

CONCLUSÃO

Não obstante, não mudou muita coisa pelo sim ou pelo não. Teses pela paz. Teses pelo não querem o direito de legitima defesa. As entidades previstas no artigo 6º continuam comprando legalmente suas armas comercializadas aqui no País. Pegar o bandido sem o registro é o enfoque da lei. O objeto jurídico tutelado é o registro além da incolumidade pública. A educação não é satisfatório neste país o que possibilita ilusões e fascínios vazios. Controlar é necessário, mas sair dizendo em pseudo-proibições é falácia levada à plebe brasileira.

(Texto elaborado em outubro/2005 e atualizado em junho/06)

 

 

 

Leonardo Serradourada Silva

Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Goiás - UCG - Goiânia-GO.