As Funções dos Princípios Constitucionais no Ordenamento Jurídico
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar como a súmula nº 331 do TST pode afetar os direitos trabalhistas dos empregados em empresas prestadoras de serviços contratadas pela Administração Pública, sob a alegada afastabilidade de responsabilidade solidária da Administração no caso concreto. A Administração Pública deve observar a regra do concurso público para preencher os seus cargos e contratar diretamente o servidor público, seja este estatutário ou celetista. Há caso em que existem funcionários terceirizados, que são fruto de um contrato administrativo em que de um lado está a Administração Pública e de outro o particular, o empresário, o empregador. O contrato firmado com a Administração é precedido, em regra, por licitação pública, cuja legislação de regência afasta a responsabilidade da Administração Pública pelos encargos devidos pelos seus contratados, que no caso concreto é o empregador, o empresário. Não responde a Administração, segundo o preceito legal, por encargos decorrentes da contratação. O que não se menciona, e é aí que está a problemática do tema proposto, é em que condições não deve a administração ser responsabilizada solidariamente por atos dos seus contratados, como exemplo o inadimplemento de direitos trabalhistas. Há hipóteses mostradas no presente trabalho em que o vínculo empregatício, que formalmente é atribuído ao empregador, na verdade dar-se com a Administração, por culpa do agente público e, muitas vezes sem a conivência do empregado, que tem suas atividades geridas por tal ente, tem subordinação direta com agentes públicos, mas o seu salário, sua remuneração é paga por outra pessoa jurídica contratada pela Administração. Pode-se concluir que a Administração possa ser responsabilizada pelo inadimplemento do empregador, sem com isso, abandonar a possibilidade jurídica de recuperar as eventuais perdas diretamente daqueles servidores ou agentes públicos causadores da conduta lesiva ao patrimônio, satisfazendo com isso o interesse público e beneficiando a classe dos empregados.
Palavras chaves: empregado, inadimplemento, remuneração, responsabilidade, agente público.
1.Introdução
Neste trabalho de pesquisa pretende-se mostrar uma abordagem, sob a óptica dos princípios protetores das relações empregatícias, em prol do empregado, da aplicação da súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, que afasta, dentre outras providências, a responsabilidade, pelo menos parcialmente, dos entes públicos, por que não dizer dos agentes públicos, na contratação de serviços terceirizados.
Não é objetivo esgotar o assunto sobre a temática proposta, apenas abrir a questão para discussões doutrinárias e ampliar o debate acadêmico.
As conclusões a que se chega não têm o propósito de estabelecer um marco definitivo de parâmetros para as relações e responsabilizações dos agentes públicos com os chamados funcionários terceirizados, mas dar fundamentos a que se repense a formulação da sobredita súmula, que já foi um avanço, posto que há quem entenda que a mesma é ilegal, uma vez que afrontaria disposição literal de lei.
Serviram de base para a elaboração deste, a pesquisa bibliográfica e a experiência de campo do autor, enquanto servidor da Administração Pública Federal, que foi ocupante de Cargos em Comissão que lhe deram a atribuição de elaborar editais de licitação e contratar com particulares, junto ao Poder Judiciário, tendo sido, inclusive, ordenador de despesas. Vários pontos de vista lançados no escopo do trabalho advêm de observações e pesquisas junto a vários órgãos públicos da Administração Pública, notadamente na esfera federal.
2.Administração Pública E seus princípios, AGENTE PÚBLICO E RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
No intento de se entender o conceito de Administração Pública, tem-se por bem definir-se, primeiramente, o que vem a ser Administração. Para DI PIETRO “ o vocábulo abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar, como atividade subordinada de executar”1 .
É atividade, primordialmente, de planejamento e execução de atos administrativos visando, em última análise, à concretização de um objetivo previamente definido pelo gestor, seja este público ou particular.
Já o vocábulo Administração Pública, segundo a visão da citada autora, abrange dois sentidos, a saber:
a) sem sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incubidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;
b)em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.2
No entender de ALEXANDRINO e PAULO
a noção de administração pública pode ser entendida em sentido amplo ou em sentido estrito. No seu sentido amplo a expressão abrange tanto os órgãos governamentais (Governo), aos quais cabe traçar os planos e diretrizes de ação, quanto os órgãos administrativos, subordinados, de execução (Administração em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais. A Administração Pública em sentido amplo, portanto, compreende tanto a função política, que estabelece as diretrizes governamentais, quanto à função administrativa, que as executa [...]. O conceito de Administração Pública em sentido estrito não alcança a função política de Governo, de fixação de planos e diretrizes governamentais, mas tão-somente a função propriamente administrativa, de execução de atividades administrativas.3
Neste trabalho, adota-se a expressão Administração Pública em seu sentido estrito, ou seja, entendida como os próprios órgãos e agentes envolvidos com os atos administrativos.
O ente público, ao executar tais atos por intermédio de seus agentes, objetivando à consecução de seus fins, deve observar alguns princípios basilares. Estes são, no dizer de BARRETO, ALEXANDRINO e PAULO
as diretrizes mestras de um sistema, como os fundamentos ou regras fundamentais de uma ciência[...]. São os princípios que conferem coerência e consistência a determinado conjunto de normas, possibilitando sua compreensão como um sistema orgânico. Com efeito, os princípios consistem em proposições de caráter genérico que norteiam o elaborador das normas de direito e orientam o intérprete dessas normas.4
Vários desses princípios são aplicáveis tanto no campo das relações particulares quanto das relações com entes públicos. Dentre os princípios aplicáveis à Administração Pública, podem-se citar: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esta regra está estampada na Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 37. Podem-se, citar, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o da autotela, o da indisponibilidade do interesse público e o da continuidade dos serviços públicos.
Serão enfatizados, para delimitação temática, os princípios da legalidade, o da moralidade e o da indisponibilidade do interesse público.
Na verdade, não é a administração pública, por si só, que deve observar os princípios constitucionalmente impostos; são os agentes públicos que a compõem, como dito anteriormente, que o devem, ao praticar os atos que lhe são exigidos por força de função ou cargo que ocupam.
Destaque-se, aqui, o princípio da legalidade que a todos obriga. Este princípio impõe ao administrador público, ao agente público e aos administrados de forma geral os requisitos que devem observar na prática de seus atos. Impõe-se demonstrar que ao administrador só pode fazer aquilo que a lei permite, da forma como permite e quando admite. A margem de discricionariedade do agente público é, por isso, mitigada. Pouco ou quase nada resta a ele praticar que não esteja amparado por disposição legal. Até no campo da discricionariedade, há amarras estabelecendo limites onde o administrador público, diga-se, o agente público, pode e, por vezes, deve agir.
No dizer de ALEXANDRINO e PAULO “inexistindo previsão legal para uma hipótese, não há possibilidade de atuação administrativa, pois a vontade da Administração é a vontade expressa na lei, sendo irrelevante as opiniões ou convicções pessoais de seus agentes”. 5
O principio da moralidade, por sua vez, exige que o agente, na sua conduta, seja ético, aja de forma a satisfazer o que se convencionou chamar de moral administrativa. No dizer de DI PIETRO, exige-se que a Administração aja “consoante a moral, os bons constumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e equidade, a idéia comum de hostidade”.6
Quanto ao princípio da indisponibilidade, é forçoso citar que os atos administrativos devem ser sempre calcados no interesse público, devem ser voltados a atender a tais interesses, deixando de lado as convicções e interesses pessoais dos agentes que os praticam. Por óbvio, em consequência da aplicação desse princípio decorre que, fazendo uso dos ensinamentos de ALEXANDRINO e PAULO “os bens e interesses públicos são indisponíveis, vale dizer, não pertencem à Administração, tampouco a seus agentes públicos. A eles cabe apenas a sua gestão, em prol da coletividade, verdadeira titular dos direitos e interesses públicos”. 7 O que deve prevalecer é o interesse público que se sobrepõe ao interesse dos particulares, sejam estes agentes públicos ou terceiros interessados (administrados).
O agente público, por sua vez, deve observar normas de conduta, quando do exercício de suas atribuições. O termo agente público deve ser entendido como o servidor público, estatutário ou celetista, a quem incube a prática de atos administrativos para consecução dos fins, objetivos e metas da Administração Pública. Deve o agente, nesta condição, observar o formalismo da sua conduta e os princípios que regem a prática dos seus atos, para que os mesmos gozem de presunção de legitimidade e estejam de acordo com os ditames legais.
Caso os servidores públicos descumpram preceitos legais, respondem civil, administrativa e penalmente pelas suas ações. Ressalve-se que, na esfera do campo de abrangência civil, estão incluídas, por envolverem reparação de danos patrimoniais ao erário, as possíveis indenizações por responsabilização dos agentes públicos no inadimplemento de obrigações decorrentes de relações de emprego com pessoas contratadas pela Administração Pública.
Impende-se destacar, neste ponto, que a responsabilização do agente público na citada esfera somente se dá quando esse agir com culpa ou dolo. Nestas hipóteses, pode e deve a Administração Pública, nesta condição, intentar ação de regresso contra o servidor ou servidores faltosos.
3.O empregado, Os Princípios TUTELARES da relação de emprego E A responsabilidade da Adminstração Pública na Contratação de Serviços Terceirizados
Se por um lado, o Direito Administrativo estabelece como campo de sua atuação a Administração Pública, elegendo princípios e normas que devem ser seguidos pelos seus agentes e administrados, também deve observar os princípios e normas que regulam as relações de emprego, quando de um lado está a Administração Pública, seja como contratante de serviços ou simplesmente tomador desses, como se observam nos chamados serviços terceirizados.
O empregado, como parte hipossuficiente na relação de emprego, goza de proteção do Direito do Trabalho. Exatamente por essa condição, e a História mostra isso, é que foram estabelecidos determinados princípios que devem nortear a conduta dos empregadores, quando da realização do contrato de trabalho.
Na legislação brasileira, convencionou-se denominar empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Esse é o enunciado ipsi literi do art. 3º da CLT.
Para caracterização dessa relação empregatícia, serão necessários, no dizer de BARRETO, ALEXANDRINO E PAULO 8 cinco elementos essenciais na definição de empregado: ser ele pessoa física; haja continuidade da relação de emprego, ou seja, o empregado não pode ser trabalhador eventual, pelo contrário, presta seus serviços de forma contínua, com habitualidade na prestação laboral; dependência, ou seja, o empregado é dirigido por outra pessoa, o seu patrão ou representante daquele e fica subordinado a suas orientações e ordens; pagamento de salário, ou seja, o empregado recebe remuneração pelos serviços que presta e, por último, a pessoalidade, que exige que o trabalhador preste pessoalmente os serviços ao empregador, não podendo fazer-se substituir por outra pessoa sem o consentimento daquele.
É no caso concreto que o intérprete deve avaliar se estão ou não presentes os requisitos necessários a que se considere a relação de trabalho como de emprego ou não. Resumindo este conceito, SUSSEKIND assim se expressa:
Aí estão os elementos caracterizadores da relação de emprego:pessoalidade na prestação de serviços não eventuais pelo trabalhador sob a dependência hierárquica resultante da subordinação jurídica ao empregador, o qual lhe paga salários e, por assumir os riscos do empreendimento, detém o poder de comando da empresa, exercendo-o através dos poderes diretivo e disciplinar.9
Ora, como visto pela própria definição de empregado, quem dirige a atividade é o empregador. O empregado é dependente daquele, tanto do ponto de vista de condução das atividades por ele desenvolvidas como com relação ao pagamento de salários como contraprestação pelo seu trabalho.
Vê-se a condição de fragilidade do empregado em relação à condição do seu empregador. Para tentar equilibrar essas forças, surgiram os chamados princípios tutelares das relações de emprego. Protegê-lo, pois, cabe ao Estado, fiscalizando a aplicação dos princípios e normas que as tutelam.
Como princípios norteadores das relações empregatícias, podem-se citar, apenas a guisa de exemplificação, o princípio da liberdade do trabalho, o princípio do direito de organização sindical, o princípio das garantias mínimas do trabalhador, o princípio da multinormatividade do direito do trabalho, o princípio da norma favorável ao trabalhador, o princípio da igualdade salarial, o principio da justa remuneração, o direito à previdência social e o princípio da condição mais benéfica. Acrescente-se, ainda, o princípio protetor, o princípio da razoabilidade e o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, para dizer apenas alguns.
Como fins de delimitação temática, elegem-se para comentários, nesta oportunidade, os princípios da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e o princípio protetor, nas suas três subdivisões: in dubio pro operario, a prevalência da norma favorável ao trabalhador e a preservação da condição mais benéfica.
É conseqüência da aplicação do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas a imposição normativa que proíbe que o trabalhador, na sua condição de hipossuficiente, renuncie a direitos que lhe são legalmente conferidos. É a vontade da lei que deve prevalecer, não a do empregado, diante de sua fragilidade perante o empregador.
Como dito, o princípio protetor é subdividido em três vertentes, cujo ponto comum é de proteger o trabalhador, colocando-o em condições mais favoráveis e benéficas em relação ao seu empregador, seja como parte na lide trabalhista, seja como beneficiário na interpretação de norma de natureza trabalhista ou aplicação de normas durante o tempo das relações trabalhistas. Neste sentido, são os ensinamentos de NASCIMENTO, ao dizer que
O primeiro, o in dubio pro operario, é o princípio de interpretação do direito do trabalho, significando que, diante de um texto jurídico possa oferecer dúvidas a respeito do seu verdadeiro sentido e alcance, o intérprete deverá pender, dentre as hipóteses interpretativas cabíveis, para a mais benéfica para o trabalhador. O segundo, a prevalência da norma favorável ao trabalhador, é o princípio de hierarquia para dar solução ao problema da aplicação do direito do trabalho no caso concreto quando duas ou mais normas dispuserem sobre o mesmo tipo de direito, caso em que será a que prioritária será a que favorecer o trabalhador. O terceiro, o princípio da condição mais benéfica, tem a função de solucionar o problema da aplicação da norma no tempo para resguardar as vantagens que o trabalhador tem nos casos de transformações prejudiciais que poderiam afetá-los, sendo, portanto, a aplicação, no direito do trabalho, do princípio do direito adquirido do direito comum. 10
Fala-se, como dito, em proteger o empregado diante do empregador. Mas essa proteção não é apenas diante do seu patrono, posto que o beneficiário direto da força de trabalho pode não ser exatamente a mesma pessoa que o emprega. Pode ser um terceiro estranho, a princípio, àquela relação de emprego. Neste caso, pode-se estar diante da denominada terceirização.
O fenômeno da terceirização é relativamente antigo. Surgiu como forma de acelerar o processo de crescimento econômico das empresas, posto que através dela dar-se prioridade a atividade-fim do empreendimento, delegando o exercício de atividade-meio a outras empresas ou prestadoras de serviços, como são comumente chamadas. Há no caso três figuras: o empregado, o empregador e o tomador dos serviços. O empregado mantém vínculo empregatício com o seu empregador, mas quem se beneficia de seu labor é o tomador dos serviços, que remunera o empregador (a empresa, a pessoa jurídica prestadora dos serviços).
Percebe-se, como visto, que nesta relação o empregado fica entre dois entes (empregador e tomador), ambos, a princípio, com maiores poderes do que aquele, tanto em relação ao direcionamento das atividades laborativas, quanto em relação aos aspectos econômicos envolvidos.
Dificilmente as empresas conseguiriam, atualmente, prescindir da terceirização e permanecerem competitivas no plano internacional, considerando a especialização da produção e a redução de custos que possibilita. 11
Para disciplinar essa relação laborativa, o Tribunal Superior do Trabalho fez editar o súmula nº 331, estabelecendo em seu inciso IV, a responsabilidade subsidiária dos tomadores de serviços quanto às obrigações inadimplidas, por parte do empregador, na vigência do contrato de prestação de serviços in verbis:
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.
Como visto, a própria Administração Pública responde subsidiariamente pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas que decorrem das relações de emprego durante a vigência de contrato de prestação de serviços, figurando esta como parte.
Há quem entenda que a súmula acima é flagrantemente ilegal, posto que contraria as disposições do seu art.. 71, § 1º da Lei nº 8.666/93, que trata sobre normas gerais de licitações e contratos da Administração Pública. É o caso de MOTTA, ao afirmar que “ Incumbe ao contratado o pagamento de encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais, isentando a Administração Pública desse ônus também no caso de inadimplência do contratado.12 ”
Em sentido contrário, favorável a aplicabilidade da referida súmula, DELGADO, afirma que
a Súmula 331, IV, não poderia, efetivamente, absorver e reportar-se ao privilégio da isenção responsabilizatória contido no art. 71, § 1º, da Lei de Licitações – por ser tal privilégio flagrantemente inconstitucional. A súmula enfocada, tratando, obviamente, de toda a ordem justrabalhista, não poderia incorporar em sua proposta interpretativa da ordem jurídica – proposta construída após largo debate jurisprudencial – regra legal afrontante de antiga tradição constitucional do país e de texto expresso da Carta de 1988.Não poderia, de fato, incorporar tal regra jurídica pela simples razão de que norma inconstitucional não deve produzir efeitos. 13
Por certo, há várias razões que vão ao encontro do entendimento do jurista acima citado. Apenas a título exemplificativo, são citados casos verificados na Administração Pública que chamam a atenção para a prática abusiva de contratar por terceirização, mesmo que se trate de atividade-meio.
É o caso de funcionários que, ano após ano, licitação após licitação, são mantidos em seus posto de trabalho, exercendo as suas atividades laborativas, a pedido de agentes públicos, junto aos mesmos tomadores de serviços, seja lá quem for a pessoa contratada. São copeiras, garçons, serviçais, motoristas, vigilantes etc. que permanecem continuamente prestando serviços aos órgãos tomadores. Esse fenômeno é comum no Poder Judiciário Federal, a quem compete observar e fazer observar os preceitos legais.
Afastar a responsabilidade solidária da Administração, nos casos acima citados, é contemplar o ilícito em detrimento do trabalhador, que deve ser protegido na relação de emprego, ainda mais quando essa relação está oculta sob a figura da terceirização. Há, nos casos concretos, subordinação direta com os agentes públicos representantes dos tomadores de serviços, que muitas vezes são quem orientam a execução das atividades e rotinas diárias. Os serviços são pagos aos prestadores dos serviços contratados, que repassam para o empregado a título de remuneração, juntamente com os encargos trabalhistas e sociais que advêm da relação empregatícia.
Pensar diferente seria querer afastar a aplicação dos princípios de proteção ao trabalho, tão discutidos e exemplificados ao longo deste texto, em especial o da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, o in dubio pro operario, o da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador e preservação da condição mais benéfica.
É sabido que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, é fato. Entretanto, a conduta do agente público, que deveria pautar-se pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, não são observados no exemplo dado. De um lado, a Administração deve zelar pelo interesse público quando da edição de seus atos. De outro, os agentes devem pautar-se pela legalidade de suas condutas.
O trabalhador, em situação de necessidade, submete-se e até suplica os favores dos agentes públicos para manter-se no emprego, pois grande parte das empresas que atuam neste ramo mantém quadro de funcionários apenas para atender a demandas de um contrato específico do qual se sagrou vitoriosa em uma licitação.
Como a Administração tem o poder de fiscalizar os atos de seus agentes e dos administrados de uma forma geral e tendo ação de regresso contra servidor faltoso, impõe-se como solução que melhor contempla os princípios que regem as relações de emprego e os administrativos, pois se salvaguardaria a coisa pública, é responsabilizar a Administração Pública, mesmo que subsidiariamente, pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas e obrigar os órgãos de controle de atos administrativos a fazer cumprir as normas e regulamentos, imputando a responsabilidade por danos patrimoniais sofridos pela Administração a seus agentes, quando estes agirem com culpa ou dolo, descumprindo preceito legal.
Esse é atualmente o entendimento do TST, exposto no súmula nº 331. Vê-se, por outro lado, que esse cognição ainda não alberga de forma adequada os princípios norteadores das relações empregatícias, em especial os da proteção ao trabalhador, posto que, apesar de caracterizado, nos exemplos citados, o vínculo empregatício com a Administração Pública, este não é reconhecido como tal.
Em caso de inadimplemento do empregador e de seu possível fracasso financeiro ou até sua falência, ficarão os empregados sem recebimento de suas verbas indenizatórias, quando forem desfeitos os vínculos empregatícios, situação que enseja uma maior reflexão, posto que nos casos relatados não se observam os princípios protetores das relações trabalhistas, nem pelos empregadores, nem pelos tomadores de serviços, inclusive a Administração Pública.
Para evitar tal situação, clama-se pela edição de nova súmula, desta feita para fazer inserir entre suas exigências, que a Administração responda solidariamente pelos encargos trabalhistas inadimplidos durante a relação de emprego, quando da contratação, por entes públicos, de serviços terceirizados, nos casos em que agentes ajam com dolo ou culpa, em descumprimento de preceitos legais.
Com isso, garante-se o pagamente dos encargos trabalhistas eventualmente inadimplidos, não apenas em relação a salários atrasados ou depósitos do FGTS que deixaram de ser recolhidos. Todos os encargos devem ser assumidos pela Administração sejam estes salários, férias, décimo terceiro salário, descanso semanal remunerados etc, utilizando-se dos meios para, em ação de regresso, cobrar os prejuízos causados pelos seus agentes e, além disso, habilitar-se para receber parcelas eventualmente pagas aos contratados, aos empregadores que tenham agido com má-fé ou má administração dos contratos com a Administração.
Assim, de um lado respeitam-se os princípios protetores das relações empregatícias, em prol do trabalhador, e, de outro, salvaguardam-se os bens públicos, o erário, contra maus agentes ou maus administradores de empresas prestadoras de serviços, quando em contratações com a Administração Pública.
CONCLUSÃO
Viu-se durante o desenvolvimento deste trabalho que a Administração Pública envolve uma série de atividades, desenvolvidas por agentes públicos, para atender, primordialmente, ao interesse público, que deve prevalecer sobre os interesses dos particulares.
Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Os agentes públicos, por sua vez, devem responder penal, administrativa e civilmente por suas condutas dolosas ou culposas.
Ao se garantir ação de regresso contra servidor faltoso, estar-se a garantir a responsabilização da Administração por seus atos, em primeira linha. Somente ao depois é que a Administração Pública deve tomar as devidas providências para responsabilizar seus agentes, garantido àqueles ampla defesa e contraditório, no intuito de recuperar eventuais perdas provocadas ao erário ou penalizar a má conduta dos seus agentes.
A Administração Pública não age por si mesma. Precisa da ação de seus agentes para concretização de seus objetivos e metas institucionais.
Na contratação de prestadores de serviços precisa a Administração, através de seus agentes, observar os ditames legais.
Caso a administração contrate com prestadores de serviços que lhe disponibilize mão-de-obra, por exemplo, é preciso garantir total isenção nestas contratações, sob pena de se ter caracterizado o vínculo empregatício não com o prestador de serviços, pessoa jurídica contratada pela Administração, única e exclusivamente, mas também com a Administração, que, considerando-se os princípios protetores das relações empregatícias, impõe a responsabilização, inicialmente, de forma subsidiária, em relação a eventuais inadimplementos existentes durante o vínculo contratual firmado com o particular.
Clama-se, em observância à força impositiva dos princípios protetores das relações empregatícias, pela edição de nova súmula que contemple não apenas a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, diante da má conduta de seus agentes ou má administração do objeto contratual pelos prestadores de serviços, mas a responsabilidade solidária, para fazer valer os direitos dos trabalhadores, garantindo-se o direito de regresso da Administração contra o servidor ou servidores faltosos e possibilitando a eventual recuperação de perdas em ação própria contra os maus empregadores, prestadores de serviços.
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BRITO JÚNIOR, William de Almeida. A Súmula nº 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho frente à Lei de Licitações e Contratos . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 650, 19 abr. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6591>. Acesso em: 13 mar. 2008 .
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. Artigo apresentado ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, oferecido pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e Curso PRIMA, sob a orientação do Prof. MSc Wendell Lima Lopes Medeiros e co-orientação da Prof. Suzane Ribeiro Vismara.
2. Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e Curso Prima, 2008.
3. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 53
4. Op. cit, p. 54
5. ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2007, p. 13 e 14
6. BARRETO, Gláucia, ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito do trabalho, 8 ed, rev. e atual. até a EC nº 48/2005. Rio de Janeiro, Impetus, 2007, p. 27.
7. Op cit., p. 118.
8. Op cit., p. 298.
9. Op. cit. p. 131
10.Op. Cit, p. 62, 63, 64 e 65.
1 .SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 146.
12 .NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 23 ed., rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2008, p.367.
3. BARRETO, Gláucia, ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito do trabalho, 8 ed. rev. e atual. até a EC nº 48/2005. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 77.
14.MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos: estudos e comentários sobre as Leis 8.666/93 e 8.987/95, com a redação dada pela Lei 9.648 de 27/5/98. 8ª ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.305.
15.DELGADO, Maurício Godinho Curso de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 455.
Data de elaboração: março/2008
Maurício Marcelino Alves
Contador doTribunal Regional Eleitoral de Alagoas-Analista Judiciário;Pós Graduado em Controladoria Empresarial;
Pós Graduado em Auditoria Contábil;
Pós Graduando em Direito Tributário pela UNISUL.