A manutenção da natureza indenizatória do vale-transporte pago em pecúnia pelo empregador ao empregado em razão de sentença condenatória no âmbito da justiça do trabalho.
1. Delimitação do objeto
O presente artigo aborda questão muito em voga no campo do Direito do Trabalho. Trata-se de considerar se o vale-transporte pago em valor pecuniário pelo empregador ao empregado em função de sentença condenatória trabalhista perde sua natureza indenizatória, possibilitando a sua integração à remuneração e a incidência da contribuição previdenciária.
Tal tese vem de encontro ao que está expresso no artigo Art. 2º da Lei n. 7.418 de 1985, no qual está expresso que o vale-transporte, no que se refere às contribuições previdenciária, não tem natureza salarial, não incorpora à remuneração do beneficiário para quaisquer efeitos e não constitui fato gerador incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
A hipótese a ser testada aqui é a de que, mesmo havendo pagamento do vale-transporte na ocorrência de sentença condenatória no âmbito da Justiça do Trabalho que sujeite o empregador para tanto, mantém a sua natureza indenizatória, possibilitando a incidência da referida disposição legal em todos os seus matizes.
2. Tese de quem considera o contrário
Primeiramente, serão arrolados os principais argumentos daqueles que consideram que o vale-transporte perde a sua natureza indenizatória quando o seu pagamento é resultante de sentença condenatória trabalhista.
Conforme já dito, quem defende essa tese se insurge contra o art. 2º da Lei n. 7.418 de 1985. Para afastarem a incidência deste artigo de Lei, afirmam que o pagamento pecuniário do benefício, por meio de comando condenatório judicial, provocaria a retirada da natureza indenizatória do vale-transporte e de outros benéficos fiscais e trabalhistas, dentre os quais: a não incorporação à remuneração para quaisquer fins, a não consideração como fato gerador da contribuição previdenciária e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
O principal fundamento argumentativo que sustentaria essa conclusão advém da interpretação feita do artigo art. 2º da Lei n. 7.418/85, segundo a qual o legislador teria buscado beneficiar com incentivos ficais (inclusive no que tange às contribuições sociais) apenas as empresas que concedam vale-transporte aos seus funcionários em conformidade com a Legislação.
Essa interpretação é feita porque no referido artigo está expresso o seguinte, in verbis:
O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos nesta lei, no que se refere à contribuição do empregador (...). (grifo nosso)
Nesse passo, mencionam os seguintes requisitos legais que devem ser preenchidos no momento da concessão do vale-transporte para fins de se beneficiar dos efeitos fiscais constantes do discutido dispositivo legal:
i) a vedação de se substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento (art. 5 do Decreto n. 95.247/87);
ii) a faculdade de emitir o vale-transporte por meio de bilhetes simples ou múltiplos, talões, cartelas, fichas ou quaisquer processos similares (parágrafo único, do art. 23, do Decreto n. 95.247/87).
Com base nessa hermenêutica particular aos termos dispostos no texto legal acima citados, quem defende a ideia exposta nesse tópico conclui que não poderia ser concedido o benefício fiscal e trabalhista ao empregador no caso de pagamento em juízo, pois haveria a substituição dos bilhetes de vale-transporte por montante pecuniário, mesmo que por força de decisão judicial, o que lhe retiraria a natureza indenizatória.
3. Hipótese do artigo
Quem defende essa tese, faz uma interpretação forçada do disposto no art. 2º da Lei 7.418/85, buscando distorcer o sentido real da norma, que é de fácil constatação através de uma simples leitura.
Primeiramente, quando no referido dispositivo legal está expresso o termo “nas condições legais”, tal expressão diz respeito à concessão do vale transporte, e não à concessão de benefício fiscal e trabalhista expresso em suas alíneas “a”, ”b” e ”c”.
Cabe aqui atenção à sintaxe, porque a frisada expressão está disposta entre duas vírgulas no texto legal, o que caracteriza a utilização de um aposto, ou seja, uma figura gramatical que acrescenta uma informação à outra. Veja, então: “Art. 2. O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos nesta lei, no que se refere à contribuição do empregador (...)”.
Quando o legislador se utilizou dessa forma gramatical, buscou enfatizar uma idéia coligada a uma informação antecedente, que, no caso, é a expressão “O Vale-Transporte”, tudo a dizer que a concessão deste está subordinada às condições e limites impostos legalmente.
Assim, a concessão do benefício fiscal nada tem a ver com as condições a serem respeitadas no momento da concessão do vale-transporte, podendo-se ler o referido dispositivo legal da seguinte forma: “O Vale-Transporte, no que se refere à contribuição do empregador: b) não constitui base de incidência da contribuição previdenciária. (grifo nosso)”.
Essa última leitura do dispositivo legal é expressão literal do fundamento que inspirou o legislador quando da criação do artigo art. 6° do Decreto n. 95.247/87, que regulamenta a Lei 7.418/85, in verbis:
O Vale-Transporte, no que se refere à contribuição do empregador:
I - não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração do beneficiário para quaisquer efeitos;
II - não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Apesar desse ponto, que por si esgotaria o assunto, concomitantemente, outra constatação emerge da leitura da Lei n. 7.418/85 e de seu Decreto Regulamentar n. 95.247 de 1987. Trata-se do fato de o legislador ter criado dois sistemas, um para a concessão do vale-transporte pelo empregador ao trabalhador, e outro atinente à natureza jurídica do vale-transporte para fins fiscais e trabalhistas.
A tabela exposta logo abaixo demonstra bem isso.
SISTEMA LEGAL REGULADOR DA FORMA DE CONCESSÃO DO VALE – TRANSPORTE – DECRETO 95.247/ 87
ARTIGO REGRA DE CONCESSÃO
Art. 2° O Vale-transporte constitui benefício que empregador antecipara ao trabalhador para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa
Art. 5° É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou em qualquer outra forma de pagamento, salvo na hipótese de falta ou insuficiência de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, caso no qual o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver, por causa própria, a despesa para seu deslocamento.
Art. 23 O responsável pela emissão e comercialização do Vale-Transporte poderá adotar a forma que melhor lhe convier à segurança e facilidade de distribuição, podendo emiti-lo na forma de bilhetes simples ou múltiplos, talões, cartelas, fichas ou quaisquer processos similares.
SISTEMA LEGAL DO VALE-TRANSPORTE QUANTO À SUA NATUREZA JURÍDICA PARA FINS FISCAIS E TRABALHISTAS – LEI 7.418 /85
ARTIGO REGRA DE CONCESSÃO
Art. 2° O Vale-transporte no que se refere à contribuição do empregador:
I) Não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos;
II) Não constitui base incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; e,
III) Não se configura como rendimento tributável do trabalhador
Portanto, o confronto entre os dois sistemas demonstra não haver correlação entre a concessão do vale-transporte e a concessão do benefício fiscal, abarcando cada um, um subsistema autônomo na regulação do vale-transporte perante a Lei 7.418/85 e o Decreto 95.247/87.
Afora esse ponto, existe outro.
A forma como o vale-transporte é concedido, como no caso de seu pagamento em pecúnia pelo empregador em juízo, não tem o condão para afastar a sua natureza indenizatória e a concessão do benefício fiscal constante do artigo 2° da Lei 7.418/85, haja vista que não há previsão legal expressa que autorize esta conversão. Entendimento contrário provocaria violação ao princípio da legalidade.
Por fim, o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) já arregimentou a presente tese, basta ver vários de seus julgados. Transcreve-se um, ipsis litteris:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. VALE-TRANSPORTE. NÃO INCIDÊNCIA. Os arts. 2º, -a- e -b-, da Lei nº 7.418/85 e 214, § 9º, do Decreto nº 3.048/99 prevêem expressamente que não incide contribuição previdenciária sobre o vale-transporte. Desse modo, ainda que o benefício em comento tenha sido recebido em pecúnia, não sofre a incidência da contribuição previdenciária, uma vez que remanesce a sua natureza indenizatória. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR 2801 2801/2003-431-02-40.5. Rel. Walmir Oliveira da Costa. 1ª Turma. Publicação: DJ 12/12/2008).
4. Conclusão
Portanto, é equivocada a opinião de quem defende a tese de que o vale-transporte pago em pecúnia, em razão de sentença condenatória na Justiça do Trabalho, perca a sua natureza indenizatória, o que não possibilitaria a já frisada concessão de benefício fiscal.
5. Bibliografia
BRASIL. Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1964. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L7418.htm>.
_______ Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de 1987. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/D95247.htm>.
BRASIL. TST. AIRR 2801 2801/2003-431-02-40.5. Rel. Walmir Oliveira da Costa. 1ª Turma. Publicação: DJ 12/12/2008.
Data de elaboração: fevereiro/2010
Luciano Batista de Oliveira
Advogado atuante na área de Direito Tributário e ImobiliárioPós-graduado em Direito Imobiliário - FMU
Aluno da Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) em 2008.