Possibilidade de estatais aderirem a ARP firmada sob a égide da Lei nº 8.666/1993

Este artigo analisa a possibilidade de estatais aderirem a ARP firmada sob a égide da Lei nº 8.666/1993 e os requisitos a serem observados para viabilizar tal situação

A Lei nº 13.303/2016 criou um sistema de registro de preços especificamente destinado às estatais, caracterizado por ser um procedimento auxiliar das licitações que será regido por decreto do Poder Executivo (art. 66), e por critérios claros e objetivos definidos em regulamento (art. 63, parágrafo único).

Na ausência de decreto específico do Poder Executivo, entende-se viável a adoção do sistema de registro de preços previsto no Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o SRP Tradicional, ou no Decreto nº 7.581/2011, que regulamenta o SRP/RDC, desde que em conjunto com as disposições da Lei nº 13.303/2016 e do regulamento interno de licitações e contratos.

A respeito da utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidades não participantes, a chamada adesão, observa-se que o § 1º do art. 66 da Lei das Estatais dispõe que as empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços poderão aderir ao sistema de registro de preços de que trata o seu caput, qual seja o SRP/Estatais.

Sobre esse ponto, tanto é possível compreender que quis a Lei nº 13.303/2016 admitir a livre adesão entre empresas estatais de esferas federativas diferentes - em contraposição ao limite subjetivo presente no SRP tradicional e no SRP/RDC, que veda aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a atas gerenciadas por órgãos ou entidades municipais, estaduais e distritais -, quanto restringir a possibilidade de que órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional fizessem uso do SRP/Estatais.

Vejamos as considerações de Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes Torres [1]:

"Em nosso juízo, ao contemplar a possibilidade de adesão ao sistema de registro de preços por "qualquer órgão ou entidade responsável pela execução de atividades contempladas no art. 1º" da Lei, o legislador desejou romper o liame subjetivo, admitindo a livre adesão entre empresas estatais de esferas federativas diferentes. Vale notar que a referida limitação dos regimes anteriores, sofria críticas de parcela da doutrina, a exemplo das lições do Professor Jacoby Fernandes:

o Decreto dispõe acerca da impossibilidade de os respectivos órgãos federais lançarem mão da ata de registro de preços das demais esferas - estadual, distrital e/ou municipal. Relação vertical de cima para baixo: impossibilidade.

Por outro lado, o caminho inverso se faz possível, ou seja, os órgãos estaduais, distritais e municipais fica facultada a possibilidade de servirem-se de ata de registro de preço federal. Relação vertical de baixo para cima: possibilidade. Note que aqui foram utilizadas as mesmas palavras "baixo" e "cima" que tornaram-se comum para justificar a restrição da norma e merecem de nossa parte censura pela incompreensão que revelam do sistema federativo.

Para justificar tal conduta, argumentou-se que o âmbito da divulgação do edital é mais amplo em órgãos federais e que, por via oblíqua estar-se-ia permitindo a adesão do carona em atas que tiveram menor divulgação. Erigiu-se o princípio da publicidade em maior nível do que a busca da proposta mais vantajosa. A restrição impede, por exemplo, que uma licitação bem-sucedida em uma unidade federada seja fonte jurídica válida em órgão federal que não costuma licitar. Este é o caso dos hospitais federais do Rio de Janeiro que poderiam estar contratando dos mesmos fornecedores dos hospitais estaduais e municipais, sobrenado tempo e pessoal para vocacionar sua esfera administrativa para atos de consulta e controle, sem a atividade executiva de licitar.

Ademais, compreendemos que o objeto de disciplinamento do §1º do art. 66 é a legitimidade para adesão a uma ata de registro de preços advinda de licitações realizadas sob o regime da Lei nº 13.303/2016. Em outros termos, a Lei estabelece que apenas empresas públicas, sociedades de economia mistas, e suas subsidiárias legitimam-se como possíveis aderentes de atas oriundas do SRP/Estatais. Proíbe-se, assim que órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional possam valer-se dos preços registrados pelas empresas estatais."

Cotejando o regramento da matéria, observa-se que não há na Lei proibição expressa a que uma empresa pública ou sociedade de economia mista realize adesões a atas de registro de preços formalizadas sob a égide da Lei nº 8.666/1993.

Com efeito, a despeito de terem tratado expressamente sobre quem estaria autorizado a aderir a atas oriunda do SRP/Estatais (art. 66, § 1º, da Lei nº 13.303/2016), a Lei foi omissa em relação à possibilidade de que as estatais continuassem aderindo a atas firmadas por órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional.

Além disso, subsiste no Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o SRP Tradicional, assim como no Decreto nº 7.581/2011, que regulamenta o SRP/RDC, previsão de que pode figurar como aderente “órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços”.

Aliás, mesmo após a alteração dada pelo Decreto nº 9.488/2018, que ocorreu já durante a vigência da Lei nº 13.303/16, o Decreto nº 7.892/2013 continua a permitir que a adesão seja realizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, senão vejamos:

“Art. 22.  Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador."

Nesse ponto, é importante registrar que a criação de um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais não retira destas a condição de integrante da administração pública federal, nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 200/1967:

"Art. 4º A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista;

d) fundações públicas."

Assim sendo, percebe-se que não só inexiste vedação na Lei nº 13.303/2016 de que as estatais realizem adesões a atas de registro de preços firmadas pela administração direta, autárquica e fundacional, como há respaldo nos decretos que regulamentam o SRP tradicional e o SRP/RDC para que o procedimento seja levado a efeito.

Ora, se eventual registro de preços no âmbito da estatal (enquanto não editado decreto específico do Poder Executivo) pode se valer das diretrizes constantes no Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o SRP Tradicional, ou no Decreto nº 7.581/2011, que regulamenta o SRP/RDC, não há razão para impedir a adesão a atas realizadas com amparo nos mesmos dispositivos legais, desde que observados os requisitos que serão abordados na sequência.

Ainda sobre a matéria, Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres[2] entendem que “a ausência de vedação no texto legal não significa ampla liberdade para adesões entre os sistemas”. Em verdade, para os autores, "a viabilidade da referida adesão depende do atendimento de dois requisitos: compatibilidade das condições registradas com o regime da Lei nº 13.303/16; e previsão específica no regulamento interno".

Em seguida, os mesmos doutrinadores acrescentam:

"Considerando as significativas diferenças existentes entre os regimes licitatórios, que influenciam, inclusive, na precificação engendrada pelos interessados, a referida compatibilidade deverá ser cabalmente demonstrada, devendo ser rechaçada quando, por exemplo, o certame originário tiver se valido de exigências e condições vedadas no regime da Lei nº 13.303/2016. O mesmo ocorrerá em relação aos objetos que não representem pronta entrega, em razão de a execução contratual postergar-se no tempo e atrair a incidência das cláusulas exorbitantes que não são admitidas no regime da Lei das Estatais.

Portanto, o exame da compatibilidade entre os regimes somente se mostrará afirmativo, caso a integralidade das condições licitadas e registradas pudessem ser utilizadas pela empresa pública ou sociedade de economia mista aderente, na hipótese de estes promoverem seus próprios certames."

Das lições acima, depreende-se que, de forma geral, só haverá compatibilidade se as condições licitadas e registradas pelo órgão gerenciador, o que inclui os atos e procedimentos realizados, puderem ser utilizadas pela estatal aderente na ocasião da realização de seus próprios certames. É que, a teor do art. 68 da Lei nº 13.303/2016, os contratos por ela regidos se regulam pelos preceitos de direito privado, enquanto naqueles regidos Lei nº 8.666/1993 preponderam as chamadas cláusulas exorbitantes.

Desta feita, em se tratando de objeto que requer a celebração de contrato, ou havendo no edital ou anexos exigência de que a formalização da contratação se dê por tal instrumento, a adesão não é viável, haja vista a incidência de cláusulas exorbitantes, as quais não são admitidas no regime da Lei das Estatais.

Tratando-se, entretanto, de fornecimento de bens para entrega imediata e pronto pagamento (sem obrigações futuras), a adesão se mostra, a princípio, viável, sendo que mesmo nesses casos, é importante anotar, o regime de sanções a ser aplicado é o da Lei das Estatais, como ocorre quando da realização de licitação com a adoção da modalidade pregão para a aquisição de bens e serviços comuns (art. 32, IV, da Lei nº 13.303/2016).

A este respeito, Edgar Guimarães e José Anacleto Abduch [3] defendem que "quando da adoção do pregão para licitar bens e serviços comuns, serão utilizados apenas os dispositivos da lei que versem sobre modalidade, vale dizer, rito ou procedimento. Não se aplica, à guisa de exemplo, nas contratações e licitações das estatais o regime de sanções previsto no artigo 7º da Lei do Pregão, vez que a Lei nº 13.303/16 conta com regime sancionatório próprio".

Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres [4] ressaltam que a adoção de entendimento diverso configuraria "situação esdrúxula, pois a estatal, nestas licitações simples, teria um poder sancionatório maior que em licitações para certames complexos (como uma grande obra), uma vez que o regime sancionatório da Lei nº 13.303/2016 é relativamente mais fraco que o poder sancionatório estabelecido pela Lei nº 10.520/2002".

Assim, na medida em que a Lei das Estatais contempla regime jurídico próprio, apenas incidirá o regramento definido pela Lei nº 10.520/2002 no que concerne às regras de procedimento. As disposições de cunho material deverão seguir a Lei nº 13.303/2016.

É pertinente salientar que a modalidade pregão, estabelecida como preferencial pela Lei nº 13.303/2016 para a aquisição de bens e serviços comuns pelas empresas estatais, é também utilizada pela administração direta, autárquica e fundacional em tais aquisições. 

Dito isso, se o regime sancionatório aplicável será o da Lei das Estatais quando esta expressamente prevê que a licitação adotará a modalidade pregão, é razoável que a aquisição decorrente de adesão a ata de registro de preços, a qual sequer será formalizada por instrumento contratual, também o faça, assegurando a compatibilidade a ser observada.

Pelo mesmo raciocínio, as hipóteses de rescisão da contratação, assim como as de vedação ou impedimento de participar de licitações, são aquelas previstas na Lei nº 13.303/2016 e no regulamento interno de licitações e contratos da estatal, devendo-se, ainda, avaliar, no que diz respeito à compatibilidade, se o fornecedor atenderia as condições de habilitação exigidas nestes regramentos.

Para que não surjam controvérsias durante a execução do objeto, é indispensável que o fornecedor seja expressamente cientificado sobre a aplicabilidade de tais regras, o que deve ser feito quando da consulta a respeito da aceitação ou não do fornecimento decorrente de adesão.

Quanto ao segundo requisito, decorre da imposição de que o regulamento interno de licitações e contratos disponha sobre os temas relacionados nos incisos do art. 40 da Lei nº 13.303/2016, assim como do art. 71 do Decreto nº 8.945/2016, que condiciona a aplicabilidade dos procedimentos auxiliares à edição do regulamento interno de licitações e contratos.

Para mais, há uma tendência de que o Tribunal de Contas da União assim se posicione, haja vista o que restou decidido no Acórdão nº 4.222/2017, que trata da possibilidade de que entidades do Sistema S façam adesão a atas de registro de preços de órgão ou entidades da Administração Pública, situação cujo cenário é comparável ao das estatais, senão vejamos:

"O fato é que, no caso do Senai, o Regulamento de Licitações e Contratos não prevê a adesão à ata de registro de preços de órgão ou ente da administração pública. Seu art. 38-A apenas dispõe que "o registro de preço realizado por departamento do SENAI poderá ser objeto de adesão de outro departamento da entidade e por serviço social autônomo, desde que previsto no instrumento convocatório". Inexistindo previsão legal, não socorre o responsável a justificativa, sem comprovação, de que os valores eram inferiores aos da pesquisa de preços realizada, e não há como considerar regular a referida adesão."

Em conclusão, é viável que estatais realizem adesão a ata de registro de preços firmada sob a égide da Lei nº 8.666/1993, desde que atendidos dois requisitos: compatibilidade das condições registradas com o regime da lei nº 13.303/16 e do regulamento interno de licitações e contratos; e previsão específica no regulamento interno de licitações e contratos.

Data da conclusão/última revisão:

 

 

 

Bárbara Dantas Neri e Marcela Jácome Lopes Boaz

Advogadas.