A subjetividade dos critérios adotados nas transgressões disciplinares nos regulamentos militares

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o Princípio da Legalidade ante as aplicações de punições disciplinares militares, uma vez que, como órgãos da Administração Pública as forças militares, sejam estas federais ou estaduais devem se pautar, sobretudo neste princípio, uma vez que a Carta Magna versa que cabe a estes agentes a manutenção da ordem pública.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia empregada na condução do presente é o indutivo, auxiliado por revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.

 

DESENVOLVIMENTO

A Administração Pública é dotada de vários preceitos e normas que visam assegurar a eficiência de seu funcionamento. Tais preceitos são por diversas vezes positivados em dispositivos legais para que tenham o seu efetivo cumprimento assegurado. E dentre estes preceitos e normas, o Princípio da Legalidade é tido como a base de sustentação para o real funcionamento da “máquina administrativa”. Este princípio deve ser integralmente observado, para que haja o embasamento das ações. Entes ou indivíduos que ajam em desacordo com o que versa neste princípio estarão sujeitos às sanções impostas nos dispositivos disciplinares de seus órgãos.

Nas instituições militares, tanto estaduais quanto federais ocorre de forma semelhante, seus atos devem ser pautados, para que tenham toda legitimidade possível, no Princípio da Legalidade. E os agentes de segurança pública, ao exercerem suas funções, devem buscar trazer em suas ações toda legitimidade possível para que tenha uma validação destes atos, mas também para que estes atos tenham uma aprovação da população que é a principal interessada nas ações legítimas destas instituições. Cabe a estas instituições o fiel cumprimento de princípios basilares, como a hierarquia e a disciplina. Qualquer desvio de conduta que seja em desacordo com tais princípios são passíveis de sanções por parte dos órgãos a que estes agentes estão sujeitos.

Porém, ocorre que os agentes de segurança pública devem, assim como os demais integrantes da Administração Pública, agir conforme os dispositivos legais. Só que estes primeiros além de cumprir fielmente tais normas positivadas ainda devem observar alguns dispositivos disciplinares que são por diversas vezes regulamentados por meio de decretos executivos, sob pena de ter sua liberdade tolhida. O que traz uma questão à tona: como pode os agentes de segurança pública cumprir fielmente os dispositivos legais e serem submetidos a observarem dispositivos que tem sua legitimidade questionada?

 

DISCUSSÃO

O Princípio da Legalidade é um dos principais princípios norteadores das ações desempenhadas pela Administração Pública. Este princípio, essencialmente traz em si a ideia de que todo e qualquer ato administrativo deve se pautar na Lei. Qualquer ato diverso ao que se encontra positivado em dispositivos legais pode ser considerado ilegal, à margem da lei, fazendo com que este ato seja invalidado.

Este princípio está inserido na Carta Magna no artigo 37, caput, que diz da seguinte forma: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (BRASIL, 1988.)

Sobre este princípio, Mello define da seguinte maneira:

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. (MELLO, 2009, p. 101)

A Constituição Federal em seu artigo 5º já afirma isso ao expor em seu inciso II que diz que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” (BRASIL, 1988.). Ainda versando sobre a Constituição Federal, é nela que se encontram inseridas as funções dos agentes de segurança pública. O artigo 144, nos seus incisos I a V encontram-se descritos tanto as prerrogativas dos agentes de segurança pública quanto os órgãos que as compõem, como pode ser visto a seguir:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I -polícia federal;

II -polícia rodoviária federal;

III -polícia ferroviária federal;

IV -polícias civis;

V-polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988.)

Como pode ser visto no dispositivo acima citado, é evidente a responsabilidade do Estado em manter através de suas forças de segurança pública. Porém estes mesmos agentes que devem assegurar a manutenção da Ordem Pública, e que devem fazê-lo de maneira legal, observando os dispositivos legais, tem também a obrigação de observar e acatar os regulamentos que cada um destes órgãos possuem.

Esta obrigatoriedade ainda é maior no que diz respeito aos órgãos militares de segurança pública, descritos no inciso V da Carta Magna: as polícias militares e os corpos de bombeiros militares. Estes órgãos em particular devem seguir de maneira integral os regulamentos disciplinares, os quais tem como princípios basilares a hierarquia e a disciplina. Sobre estes princípios o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro-RDPMERJ, traz em seu bojo a definição sobre o tema em seus artigos 5º e 6º, que versam da seguinte maneira:

Art 5º- A Hierarquia Policial Militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, por postos e graduações.

Parágrafo Único- A ordenação dos postos e graduações na Polícia Militar se faz conforme preceitua o Estatuto dos Policiais Militares.

Art 6º- A Disciplina Policial Militar é rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do Organismo Policial Militar. (RIO DE JANEIRO, 1983).

Porém ocorre de uma forma controversa esta obrigatoriedade de os órgãos militares de segurança pública em acatarem de forma integral estes regulamentos, sob pena de sanções disciplinares, ocorrendo até por muitas vezes a sanção disciplinar de cerceamento da liberdade.

O que gera discussão é o fato de estas penas serem impostas através de dispositivos que são meramente atos administrativos, editados por diversas vezes através de decretos do Poder Executivo. Desta forma, surgem vários questionamentos, como este de que como um ato administrativo pode cercear a liberdade de um indivíduo. Sobre isto, o Código Penal traz em seu artigo 1º a seguinte assertiva: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. (BRASIL, 1984.)

O legislador constituinte asseverou no texto constitucional no seu artigo 5º, inciso LXI: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. (BRASIL, 1988). Há que se notar que o legislador fez uma ressalva no que diz respeito à possibilidade de ocorrer prisão fora do flagrante delito ou de ordem escrita e fundamentada pela autoridade judiciária para os casos de transgressão disciplinar ou crime militar, mas este também trouxe ao final deste inciso que tais prisões devem ser definidas em lei, o que não ocorre, uma vez que os regulamentos disciplinares não são dispositivos legais, mas sim, conforme mencionado anteriormente meros atos administrativos.

Outro fato a ser considerado é o que Cunha descreveu a transgressão disciplinar como uma contravenção que fere os valores da vida militar, da hierarquia e da disciplina. Ora, se nos casos de contravenções comuns não se sanciona o infrator com penas privativas de liberdade, como pode se admitir que nos casos de transgressão disciplinar militar, definidas da forma mencionada, sejam os agentes punidos com o cerceamento de seu direito constitucional de ir e vir?

Não pode se negar, porém a necessidade do instituto dos Regulamentos Disciplinares Militares, pois são estes que elencam valores indispensáveis ao bom andamento dos serviços militares, além de promoverem a manutenção dos valores basilares das instituições militares, a hierarquia e a disciplina. As autoridades administrativas militares ainda não recepcionaram e não aceitaram a questão do princípio da anterioridade da transgressão disciplinar militar, pois entendem que a autoridade deve ter discricionariedade para impor punição aos seus subordinados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto acima, é necessário que, para que se tenha uma maior legitimidade nas ações dos agentes de segurança pública, estes devem agir e seguir os princípios norteadores da administração pública, sobretudo o Princípio da Legalidade. É evidente que as forças de segurança pública militares devem se pautar aos seus princípios basilares- a hierarquia e a disciplina, sob os quais estas instituições estão fundamentadas, mas é imperioso que estes princípios devem estar descritos em dispositivos legais, e não somente em disposições administrativas.

                                                                     

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html> Acesso em 19 mai. 2018.

________. Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Disponível em:. Acesso em 19 mai. 2018.

CUNHA, Irineu Ozires. O Julgamento da Transgressão Disciplinar e as Causas de Justificação. Disponível em:. Acesso em 19 mai. 2018.

RIO DE JANEIRO (ESTADO). Decreto nº 6.579, de 05 de março de 1983. Aprova o regulamento disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – RDPM e dá outras providências. Disponível em:. Acesso em 19 mai. 2018.

Data da conclusão/última revisão: 20/5/2018

 

 

 

Mayko de Oliveira Andrade e Tauã Lima Verdan Rangel

Mayko de Oliveira Andrade: Graduando do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.

Tauã Lima Verdan Rangel: Professor Orientador. Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF - Linha de Pesquisa: Conflitos Socioambientais, Rurais e Urbanos. Mestre em Ciências Jurídica e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Professor do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.