Democracia participativa e controle da administração pública: uma análise da importância do observatório social como instrumento de participação da sociedade civil

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar a importância do observatório social como instrumento de participação da sociedade civil no controle da Administração Pública. É fato que a Constituição de 1988, ao estabelecer a premissa de Estado Democrático de Direito, estabelece a moralidade e a publicidade administrativa como premissas inafastáveis do comportamento a ser seguido pela Administração Pública. Nesta linha, o acesso à informação pública se apresenta como desdobramento claro do próprio Estado Democrático de Direito e constitui direito-meio para o exercício de outros direitos dotados de elevada densidade jurídica. A Lei nº 12.527/2011, responsável por instituir o dever de transparência por parte da Administração Pública, representa, no contexto de promoção do Estado Democrático de Direito, um verdadeiro marco de ruptura. O observatório social desempenha, no contexto do Estado Democrático de Direito, uma importante ferramenta para o controle da gestão desempenhada pela Administração Pública. Tal fato decorre, principalmente, dos pilares de gestão pública e de transparência que permitem o monitoramento das atividades empreendidas pela Administração, a partir da fiscalização do cidadão, bem como o cumprimento de determinações estabelecidas no conjunto legislativo (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei de Transparência, Lei de Acesso a Informações, Lei de Licitações, entre outras), o quê confere materialidade a accountabillity societal. A metodologia empregada parte do método dedutivo, auxiliada de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.

Palavras-chave: Gestão da Adminstração Pública. Participação da Sociedade. Observatório Social. Transparência.

Abstract: The aim of this article is to analyze the importance of the social observatory as an instrument of civil society participation in the control of Public Administration. It is a fact that the 1988 Constitution, in establishing the premise of the Democratic State of Law, establishes morality and administrative publicity as unassailable premises of the behavior to be followed by the Public Administration. In this line, access to public information is a clear development of the Democratic State of Law itself and constitutes a right-medium for the exercise of other rights with a high legal density. Law 12,527 / 2011, responsible for establishing the duty of transparency by the Public Administration, represents, in the context of promoting the Democratic State of Law, a true framework of rupture. In the context of the Democratic State of Law, the social observatory plays an important tool to control the management performed by the Public Administration. This is due mainly to the pillars of public management and transparency that allow the monitoring of the activities undertaken by the Administration, based on the citizens supervision, as well as compliance with determinations established in the legislative package (Multi-Year Plan, Budgetary Guidelines Law, Law of Transparency, Law of Access to Information, Law of Tenders, among others), which confers materiality to societal accountabillity. The methodology used is part of the deductive method, aided by literature review and bibliographical research as research techniques.

Keywords: Public Administration Management. Participation of the Company. Social Observatory. Transparency.

 

1 NOTAS INICIAIS: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O RECONHECIMENTO DE UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA

Em linhas introdutórias, a concepção de Estado de Direito por um Texto Constitucional teria duplo aspecto, a saber: imposição de limites ao exercício do poder estatal e a criação de uma autêntica garantia constitucional aos cidadãos. Assim, a acepção de Estado de Direito perpassa por introduzir uma garantia aos cidadãos contra os arbítrios do poder público. Trata-se de reafirmar que o Estado de Direito, em uma órbita administrativa, encontra vinculação direta ao ideário de supremacia do interesse público. Dessa forma, não há que se confundir o interesse que a Administração Pública possui, enquanto síntese de todos os seus cidadãos, com o interesse privado daquele que atua em nome da Administração Pública.

No que alude à democracia, conquanto seja difícil alcançar a unanimidade na determinação precisa de seus aspectos elementares, é imprescindível estabelecer uma definição mínima. Desta feita, a democracia substancializa um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que afixam quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos a serem empregados para a consecução(BOBBIO, 1992). “A democracia, assim, estaria essencialmente relacionada à formação e atuação do governo”, conforme aduz Oliveira (1997, p. 272).

Doutro ângulo, a democracia, enquanto clara manifestação do “governo do povo, pelo povo e para o povo”, plasma o ideário de que a titularidade do poder estatal, em um regime democrático, encontra-se centrado no povo. Trata-se da manifestação mais robusta da soberania popular. A partir de tal dinâmica, alcança-se a concepção de legitimidade, que, nos dizeres de Moreira Neto, consiste em “submissão do poder estatal à percepção das necessidades e dos interesses do grupo nacional que lhe dá existência” (MOREIRA NETO, 1992, p. 65).

Denota-se, portanto, que o controle da legalidade é oriundo do Estado de Direito, no qual o Estado possui claras limitações no que atina ao exercício da supremacia do interesse público, bem como as vedações, de índole constitucional, da deturpação de tal interesse para o atendimento dos interesses particulares daqueles agentes que atuam em seu nome. Já o Estado Democrático de Direito institucionaliza o controle da legitimidade. Diante de tal cenário, Canotilho (1992, p. 421) frisa que a consagração constitucional da acepção de democracia atende o escopo de alça-la a um autêntico princípio informador do Estado e da sociedade. Sem embargos, o sentido constitucional de tal corolário implica na democratização da democracia, isto é, a condução e a propagação do ideal democrático para além dos marcos fronteiriços do território político.

Com ênfase, a configuração da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e o tratamento conferido à Administração Pública são convergência que, em conjunto, contribuem para uma maior democratização da Administração Pública. Assim sendo, em diversos momentos, o Texto Constitucional de 1988 estabeleceu como norte uma maior participação popular na Administração Pública e, em especial, por meio da democracia pelo processo. Ao lado disso, “Teve início no Brasil a real democratização administrativa, a ser implementada por intermédio da participação popular na Administração pública e, principalmente, por meio da democracia pelo processo” (OLIVEIRA, 1997, p. 273).

Em tal cenário, é forçoso reconhecer que processo e participação são institutos indissociáveis. Logo, o processo administrativo, sobretudo no que toca aos procedimentos estabelecidos para fiscalização dos contratos públicos, viabiliza o exercício efetivo da participação da sociedade civil. Trata-se de ferramenta jurídica idônea a regular a relação entre governantes e governados e governantes e gastos com o erário público. A participação, desse modo, constitui postulado inafastável da democracia e o processo é, em si mesmo, democrático e, portanto, participativo, sob pena de não ser legítimo.

No que se refere à realidade institucional brasileiro, a confluência entre democracia e Estado de Direito, levada a cabo pelo atual Texto Constitucional, mais que apresentar um qualificativo da forma assumida pelo Estado Federal, foi responsável pela atribuição aos cidadãos de um direito de primeira ordem e dotado de importância inquestionável: o direito de participação nas decisões estatais. Em tal conjuntura, reconhecer a convergência daqueles elementos implica na aproximação do particular da Administração Pública, atalhando as barreiras existentes entre Estado e sociedade, o que se efetiva por meio da participação da sociedade civil.

Concebida como a possibilidade de intervenção direta ou indireta do cidadão na gestão da Administração pública, de caráter consultivo ou deliberativo, a participação popular na Administração pública – ou participação administrativa – é considerada um dos principais meios para tornar efetiva a democracia administrativa (OLIVEIRA, 1997, p. 274).

A participação da sociedade civil na esfera administrativa visa conferir legitimidade aos atos praticados, conquanto, de maneira incidental, possa desdobrar-se no controle de legalidade. Extrai-se, em tal lógica, a existência de uma dupla função da participação, a saber: uma função legitimadora, que visa assegurar uma maior legitimidade político-democrática às decisões da Administração Pública e a o exercício da função administrativa; e uma função corretiva, ou seja, o objetivo se traduz em ampliar a correção das decisões administrativas, a partir do ponto de vista técnico-funcional e sob o prisma da sua justiça interna.

 

2 O ACESSO À INFORMAÇÃO COMO DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência(BRASIL, 1988). Nesta toada, quadra ter em mente os seguintes apontamentos:

Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais (SERESUELA, 2002, s.p.).

É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 21).

Tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas” (GASPARINI, 2012, p. 61).

No mais, ao se ter em visão, a dinamicidade que influencia a contínua construção do Direito, conferindo, via de consequência, mutabilidade diante das contemporâneas situações apresentadas pela sociedade, é possível salientar que a construção da tábua principiológica não está adstrita apenas aos preceitos dispostos nos diplomas normativos e no texto constitucional. Ao reverso, é uma construção que também encontra escora no âmbito doutrinário, tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Pátrios, das situações concretas colocadas sob o alvitre. Afora isso, segundo Carvalho Filho,

[...] doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela sua aceitação geral como regras de proceder da Administração. É por esse motivo que os denominamos de princípios reconhecidos, para acentuar exatamente essa aceitação (CARVALHO FILHO, 2011, p. 34).

Consagrado no texto da Carta Magna de 1988, no caput do artigo 37, o princípio da moralidade, como vetor de orientação e inspiração da Administração Pública, impõe que

[...] o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto (CARVALHO FILHO, 2011, p. 23).

Neste diapasão, pode-se salientar que o mandamento em exame exige que o agente público oriente a sua conduta nos padrões éticos, cujo fim último se desdobra em lograr a consecução do bem comum, independente da esfera de poder ou nível político-administrativo da Federação em que sua atuação esteja fincada. Ao lado disso, cuida destacar que o preceito em comento se apresenta, no cenário contemporâneo, como o bastião de validade de todo ato da Administração Pública.

Nesta esteira, não se trata de um instrumento sistematizador de um conceito atrelado à moral comum; ao reverso, está assentado em uma moral jurídica, compreendida como o conjunto de ordenanças normativas de condutas retiradas da disciplina interior da Administração. Assim, a moralidade administrativa, distintamente da moralidade comum, é constituída por disciplinas de boa administração, a saber: pelo conjunto de disposições finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também, pelo ideário geral de administração e pela ideia de função administrativa. De acordo com Meirelles,

O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública seria ilegítima (MEIRELLES, 2012, p. 91).

O corolário em destaque, como preceito norteador da Administração Pública, expressamente insculpido no texto constitucional e como requisito de validade dos atos administrativos, encontra seu substrato de edificação no sistema de direito, mormente no ordenamento jurídico-constitucional, sendo certo que os valores humanos que inspiram e subjazem a esse ordenamento constituem, em muitos casos, a concretização normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou do patrimônio ético e moral consagrado pelo senso comum da sociedade. Ademais, o aviltamento ao axioma em análise se caracteriza pela desarmonia entre a expressão formal do ato, substancializada na aparência, e a sua manifestação real, consistente na substância, criada e decorrente de impulsos subjetivos essencialmente viciados no que se refere aos motivos, à causa ou à finalidade da atuação administrativa.

Quadra rememorar que a atividade estatal, independente do domínio institucional de sua incidência, está fundamentalmente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos, os quais ressoam a consagração constitucional do preceito da moralidade administrativa, que se qualifica com valor constitucional emoldura de essência ética e içada à condição de axioma fundamental no processo de poder, subordinando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e seus agentes, da autoridade concedida pelo ordenamento normativo. Assim, o postulado em realce norteia a atuação do Poder Público, conferindo, por via de consequência, substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se alicerça a própria ordem positiva do Estado. Desta sorte, é patente que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao estabelecer limitações ao exercício do poder estatal, legitima, de maneira proeminente, o controle de todos os atos do poder público que ofendam os valores éticos que devam sustentar, imperiosamente, o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles esteja alocados.

Com realce, o preceito da moralidade administrativa apresenta primazia sobre os demais corolários constitucionalmente formulados, porquanto é constituído, em sua essência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Nesta esteira, toda atuação administrativa tem como ponto de partida os influxos decorrentes do cânone em exame e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante de seu conteúdo. “Assim, o que se exige no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa”, conforme o magistério de Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 213-214). Com o escopo de fortalecer as ponderações estruturadas, cuida trazer à colação a manifestação apresentada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ao apreciar o Recurso Extraordinário N° 579.951/RN, notadamente no que concerne ao princípio da moralidade, quando, com bastante pertinência, evidencia que:

Essa moralidade não é o elemento do ato administrativo, como ressalta Gordillo, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota García de Enterria, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um núcleo fixo (Begriffhern) ou zona de certeza, que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso (BRASIL, 2008).

Como bem pontua Ávila (2006, p. 38), o corolário constitucional da moralidade administrativa, em razão de sua essência, “estabelece um estado de confiabilidade, honestidade, estabilidade e continuidade nas relações entre o poder público e o particular, para cuja promoção são necessários comportamentos sérios, motivados, leais e contínuos”. Alinhando-se a tais ponderações, não se pode olvidar que a partir da realidade inaugurada pela Carta de Outubro de 1988, a observância do baldrame em estudo, especialmente por parte dos agentes que integram a Administração Pública, passou a reunir aspectos e característicos que figuram como verdadeiros pressupostos de validade dos atos, independentes de estarem arrimados, ou não, em competência discricionária.

Ora, não se pode olvidar que o preceito constitucional em exposição reunião valores de essência ética que sustentam a acepção de moralidade jurídica, notadamente no que se refere à atuação do administrador. Inclusive, há que se destacar que o STF, ao se manifestar em processo que trazia em seu bojo o assunto em comento, em oportunidade pretérita, consolidou o entendimento no qual o baldrame da moralidade administrativa condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais.

Desta sorte, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, a atividade estatal está imperiosamente submetida à observância de parâmetros ético-jurídicos, que são refletidos de modo claro na consagração do princípio da moralidade no caput do artigo 37 da Carta de 1988. Nesta esteira, é possível colacionar robusto entendimento jurisprudencial que sustenta as ponderações vertida até o momento, consoante se inferem dos arestos:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade (...). O princípio da moralidade administrativa - Enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico - Condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. - A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (...) (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2.661 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 05.06.2002/ Publicado no DJ em 23.08.2002, p. 70).

Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas. Direito líquido e certo. Recurso provido. 1. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa surgida entre os candidatos. 2. A partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo. 3. Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado. 4. Recurso provido para determinar a investidura da recorrente no cargo de Médico Generalista para o qual foi devidamente aprovada. (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ RMS nº 26.507-RJ/ Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho/ Julgado em 18.09.2008/ Publicado no DJe em 20.10.2008).

O postulado em destaque tem o condão de conferir substância, ao tempo em que atribui expressão a uma plural tábua de valores éticos, servido, também, como pilar fundante da ordem positiva do Estado. Além do entalhado, patente se revela a necessidade de salientar que tal dogma legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam, ofendam ou inobservem os valores éticos que devem sustentar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. Ao lado disso, ao espancar a respeito do princípio da moralidade administrativa, importante destacar a robusta e singular lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim versa:

De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos (MELLO, 2013, p. 109-110).

     A partir do dever imposto à Administração Pública, advindo do princípio da moralidade administrativa, é perceptível que o acesso à informação constitui verdadeiro corolário desdobrado. Trata-se, neste aspecto, de reconhecer o acesso à informação como uma das bases do sistema interamericano de Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida por Pacto de São José da Costa Rica, foi subscrita em 1969 e entrou em vigência em 1978. Nacionalmente, os mecanismos de informação pública são dotados de contemporaneidade. Com o fim da ditadura civil-militar e o fomento pela redemocratização do país, o acesso à informação ganha espaço, passando a ser incluído no bojo da nova Constituição de 1988.

O texto afixa três mecanismos assegurando sobredito direito, quais sejam: o inciso XXXIII do artigo 5º, o inciso II do §3º do artigo 37 e o §2º do artigo 216. Conquanto esteja previsto no Texto Constitucional, desde a sua promulgação, o direito à informação carecia de um instrumento legislativo estabelecido com o escopo exclusivo de promover sua regulação. Sobre o aludido, Medeiros, Magalhães e Pereira (2014, p. 58) afirmam que “pelo contrário, o que se percebeu foi que, em nosso país, foi uma cultura pródiga de produzir decretos e legislações sobre o sigilo de documentos públicos”.

O direito à informação encontra vinculação direta com a liberdade de expressão e configura verdadeiro direito público subjetivo, no qual cada cidadão tem direito a formar seu livre convencimento a partir de informações prestadas. A partir de um recorte essencialmente individual, o direito em comento atende o papel de maximizar o exercício de uma autonomia pessoal e fomenta o exercício da cidadania e de uma gestão administrativa democrática, na modalidade de participação da sociedade civil. De acordo com Bucci,

O direito individual ao acesso à informação pública está interligado com o exercício da cidadania em fiscalizar os atos governamentais. Não deve ser confundido com o direito de informação a dados pessoais em poder do Estado, já que este está inserido no rol de garantias de direito à informação, que contém, também, o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e não é abarcado pelo DAIP [direito ao acesso à informação pública] (BUCCI, 2009, s.p.).

Outro aspecto que sobreleva anotar é o aspecto coletivo que todo bem público possui, logo, as informações contidas no Estado Democrático de Direito materializa res publica, sendo carecido o seu conhecimento pela sociedade, que é responsável por conferir legitimidade ao exercício do poder. Materializa-se, dessa forma, a única medida eficaz que há para o controle institucional, porquanto sem o exercício de tal direito inerente à cidadania, subsistirá o sufocamento do interesse público em detrimento do interesse pessoal que será convertido em corrupção.

Além disso, ao reconhecer a informação pública como um bem público, é forçoso apontar que tais tem caráter não distributivo, isto é, são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. Logo, o direito à informação pública configura um direito indisponível, tendo, além de natureza pública, aspecto individual e coletivo simultaneamente. Bucci (2009) sustenta que o direito à informação pública encontra relação direta com o corolário da publicidade que o Estado se atém, pois subsiste a necessidade da transparência dos fatos e atos praticados ou de sua omissão.

Logo, não há se falar em um direito coletivo, pois, se assim o fosse, incidiria a supressão de um direito individual contido na Carta de 1988, bem como alguns direitos encontrariam obstáculos para sua efetiva concretização, a exemplo da liberdade de expressão. O direito à informação pública é um apenas, contudo os interesses coletivos a ele vinculados assumem natureza transindividual, consistindo em três espécies, quais sejam: (i) interesse individual homogêneo, consistente naquele ligado a um indivíduo, porém há um grupo que também goza dos mesmos interesses; (ii) interesses coletivos, assim compreendidos como aqueles que são titulares um grupo, categoria ou classe; e (iii) interesses difusos, nos quais há uma indeterminação de titulares.

Além disso, o direito à informação pública apresenta um escopo muito maior do que conseguir a concreção em si mesmo, eis que não é um direito autônomo, mas sim um instrumento necessário para efetivação da participação da sociedade civil, da liberdade de expressão e, por meio, um meio dotado de eficácia para se promover a exigibilidade dos direitos sociais contidos na Carta de 1988. Logo, o direito em comento materializa um pré-requisito para o livre exercício da cidadania, abarcado na participação da política do Estado, tal como na requisição de direitos inerentes ao ser humano.

Dessa forma, não se trata apenas de um direito constitucional fundamental, mas sim um direito humano, cujo fito maior é promover o alcance e a concretização de outros direitos igualmente constitucionais fundamentais e humanos. Reconhece-se que o direito à informação, em termos gerais e com especial ênfase para a informação pública, substancializa um importante direito-meio para a consecução de outros direitos que são indissociáveis do Estado Democrático de Direito.

 

A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO EM PAUTA: A PROEMINÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E O DIREITO À TRANSPARÊNCIA DAS INFORMAÇÕES ADMINISTRATIVAS

Importante mandamento entalhado nas linhas da Constituição Federal, no que concerne à atuação da Administração Pública, é o princípio da publicidade, disposto, de maneira expressa, no art. 37, caput. Pela dicção de tal preceito, “os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui  fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 28). Tal fato tem como arrimo de sustentação a premissa que, apenas com a transparência das condutas da Administração Pública, por meio de sua publicização, é que os cidadãos poderão aquilatar, ou não, a legalidade dos perpetrados, bem como se estes se revestem de eficiência.

Como bem destacou Wlassak (2002, s.p.), "a publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível”, com o escopo de assegurar que os administrados tenham, a todo momento, o conhecimento do desenvolvimento das atividades dos administradores. Em igual substrato ensina Meirelles (2012, p. 96), ao abordar o princípio em tela, destacando que “a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade”. Deste modo, sendo o ato considerado como irregular, mesmo havendo publicidade, esta não terá o condão de convalidá-lo; em mesmo sentido, ainda que seja regular, a dispensa de sua publicização não será comportada, quando a lei ou o regulamente, de maneira expressa, a exigir. Acerca do princípio da publicidade, a lição de Mello:

Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida (MELO, 2010, p. 114).

Neste diapasão, quadra destacar que o princípio da publicidade não está adstrito apenas à Administração Pública, enquanto manifestação do Poder Executivo, mas também se estende aos demais Poderes constituídos. O princípio da publicidade também se aplica à elaboração das leis em si, o que já foi definido na Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998. Fortalecendo tais ponderações, o articulista Wlassak, ao orientar a incidência do princípio da publicidade no âmbito do Poder Judiciário, frisa que:

No que diz respeito ao Judiciário, a própria Constituição estatui regra específica quanto à publicidade de seus atos (inciso IX do art. 93). Sabedores que somos da necessidade de fundamentação dos atos judiciais, para que se possa contrastá-los, é na publicidade destes atos que se constrói a ponte entre o juiz e o cidadão. Todos os seus atos, com exceção dos que possam atingir a intimidade dos envolvidos ou quando o interesse social assim o exigir (o que, convenhamos, deixa ao juiz um amplo poder de decidir o que seria este "interesse social"), o que está estampado no inciso LX do art. 5º da Constituição - "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" (WLASSAK, 2002, s.p) (destaque nosso).

Nagib Slaibi Filho, com grande técnica, bem resume a dupla vertente do princípio da publicidade no âmbito de atuação do Judiciário:

Vemos, assim, que o princípio da publicidade, no Poder Judiciário, funciona em dois níveis: no primeiro, no sentido de publicidade ampla, absoluta ou externa em que a atuação do Estado-juiz deve ser levada ao conhecimento de toda a sociedade, como fator de legitimação do exercício do poder e, no segundo, como publicidade relativa, restrita ou interna em que se restringe o conhecimento dos atos processuais tão-somente às partes e advogados (SLAIBI FILHO, 1998, p. 132).

Valiosas são as lições do doutrinador Gasparini que, ao abordar acerca dos efeitos da publicação oficial, destaca que:

Entre outros, são efeitos da publicação oficial: I – presumir o conhecimento dos interessados em relação ao comportamento da Administração direta, indireta ou fundacional; II – desencadear o decurso dos prazos de interposição de recursos; III – marcar o início dos prazos de decadência e prescrição; IV – impedir a alegação de ignorância em relação ao comportamento da Administração Pública direta e indireta. Diga-se que o princípio da publicidade no deve ser desvirtuado. Com efeito, mesmo a pretexto de atendê-lo, é vedado mencionar nomes ou veicular símbolos ou imagens que possam caracterizar promoção pessoal de autoridade ou servidor público […] . Essas disposições são de observância imediata, não necessitando para sua aplicação de qualquer regulamentação (GASPARINI, 2012, p. 12).

Desta feita, a par de tais ponderações, para que o princípio da publicidade tenha seus mandamentos cumpridos, imperiosa se faz a ampla e irrestrita publicização dos atos da Administração, direta, indireta e fundacional, em veículo informativo (jornal ou congênere) de ampla circulação. A publicidade, como supernorma de inspiração da Administração Pública, compreendendo tanto direta e indiretamente, não confere a faculdade de veicular seus atos, mas sim a obrigação de tal fato. Ora, tão-somente por meio do esposado alhures é que o administrado/cidadão pode exercer, sem qualquer restrição, barreira ou limitação, a análise da legalidade dos atos praticados pela Administração Pública, bem como comprovar se estes alcançam a eficiência que devem ambicionar.

É fato que a transparência, enquanto desdobramento dos princípios norteadores da Administração Pública, estimula a participação da sociedade civil, bem como a informação divulgada traz aproximação da sociedade de gestão exercida por seus representantes. “As entidades públicas têm o dever de promover a transparência de sua administração e a sociedade tem o direito ao acesso e o acompanhamento da administração pública” (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p. 05), com fins de promover a consolidação da cidadania.

Dessa maneira, a transparência viabiliza um ambiente de análise e reflexão, contudo, para isso, é imprescindível que os gestores públicos apresentem suas tomadas de decisões, como também as divulguem de maneira potencializada nos meios de comunicações acessíveis à população. Para tanto, deve-se superar a perspectiva que as informações fiquem condicionadas e limitadas ao círculo de alguns servidores e assessores apenas. Há que se reconhecer que a transparência, enquanto corolário do princípio da publicidade, opõe-se à teoria arcana imperii, dominante no período do poder absoluto. A teoria em comento preconizava que o poder do príncipe é mais eficaz, logo, mais condizente com seu objetivo. Dessa forma, quanto mais oculto estava dos olhares indiscretos do vulgo, mais se aproximava da semelhança de Deus, invisível.

Ao promover o afastamento do cidadão, o gestor fortalece seu poder e confirma o autoritarismo. A transparência, em tal cenário, é a forma de evitar tal conduta, pois a divulgação das ações contribui para a análise crítica da gestão pública. A doutrina encontra sustentação em dois pontos. O primeiro é inerente à própria natureza do sumo poder, cujas ações serão bem sucedidas quanto mais rápidas e previsíveis se comportarem; o controle público, mesmo que exercido apenas por uma assembleia de notáveis, tem o condão de retardar a decisão e impedir a surpresa. Logo,

As medidas realizadas às ocultas e postas em prática de imediato enfraquece o controle social e distancia cada vez mais os governantes dos governados. Dessa forma não há possibilidade de reação dos populares diante das medidas adotadas (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p.05).

O segundo argumento é oriundo do desprezo do vulgo, considerado, em tal contexto, como um “animal selvagem” que reclamava domesticação, já que, uma vez dominado por forças mais fortes, era impedido de formar uma opinião racional do bem comum, egoísta de visão estreita, presa fácil dos demagogos que se utilizariam para a obtenção de vantagens. Os dominantes depreciam a capacidade dos dominados de exercer a cidadania de forma consciente. Assim, utilizam da evasiva alegação e pretexto para se esquivar de dificuldades que o cidadão possa criar. Os governantes adotam o engano como estratégia para manter seus privilégios.

De acordo com Pires (2011, p. 61), a participação da sociedade civil pressiona as instituições a serem mais céleres e transparentes, bem como proporciona um suporte de legitimidade às decisões de direção. Consiste em uma instância política da comunidade de usuários de um serviço público, inclusive no que se refere à fiscalização dos contratos estabelecidos pela Administração Pública. “A entidade ao dar transparência de seus dados, abre espaço para futuras reivindicações sociais que visem a um maior detalhamento e à ampliação das informações disponibilizadas” (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p. 06).

Santos (2012), em complemento, diz que a informação precisa, suficiente e de fácil entendimento para o cidadão comum é imprescindível para o controle social. Em tal linha, a transparência e a participação social são conceitos indissociáveis, interdependentes e intercambiáveis. Revestindo a transparência na concepção de accountability inquina-a como um instrumento robusto de participação da sociedade civil. A ampliação da transparência auxilia diretamente no envolvimento das distintas classes sociais no acompanhamento da gestão. A divulgação das informações em grupos restritos e direcionado inibe o seu aspecto de promoção da democracia, atentando contra os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, enquanto pilares norteadores da Administração Pública.

 

4 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO OBSERVATÓRIO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

A partir das ponderações apresentadas, tem-se, no território nacional, como principais ferramentas de controle social: Conselhos de Política Pública, observatório social, orçamento participativo, audiência pública e ouvidoria. Para o presente, o recorte proposto analisará a importância do observatório social, cujo processo de efetivação, no território nacional, dá-se a partir de 1990. Em aludido período, as organizações não governamentais (ONG’s) apresentaram papel importante como mecanismo de catalisação dos movimentos e aspirações sociais e políticas da população brasileira.

De acordo com Maia (2010), os observatórios sociais materializam instituições independentes que se ocupam das tarefas de acompanhar os gastos e fiscalizar as contas públicas e que foram instituídos a partir das iniciativas autônomas da sociedade, encontrando-se, pois, desvinculados de qualquer esfera de poder ou centro de influência normativa. Além disso, de acordo com o magistério apresentado por Figueiredo e Santos (2013, p. 14-15), o controle social proporcionado por instituições independentes, sem a influência do poder público, contribui diretamente para uma ação orientada ao atendimento dos interesses da sociedade civil com a ausência da influência das autoridades governamentais.

Assim sendo, o órgão formado por apenas representantes da sociedade civil possui um conhecimento maior acerca das reais necessidades da população, tal como os anseios e as perspectivas. Além disso, o fato do observatório social ser constituído exclusivamente por representantes da sociedade civil o distinguiu dos outros mecanismos de controle social. “A essência comum dos OS’s envolve três aspectos: o trabalho coletivo e participativo; múltiplos olhares para a realidade a ser monitorada ou controlada; a sistematização e conhecimento das informações e a sua divulgação ampla e irrestrita” (QUEIROZ, 2017, p. 60).

No que atina ao controle social, os Observatórios Sociais se organizam em rede, coordenados pelo Observatório Social do Brasil, possuindo modelo de gestão estruturado com planejamento estratégico e disseminação de metodologia padronizada. Tal atuação promove a capacitação e o oferecimento de suporte técnico aos OS’s, além de estabelecer direcionamento para parcerias estaduais e nacionais, bem como assessorado o melhor desempenho das ações locais. De acordo com Gohn (1997), as características definem o modelo de organizações-movimento, inspiradas nas ONG’s internacionais nos anos de 1990 e se caracterizam pela relevância conferida na autoestruturação da política interna de captação de recursos; constituição de uma base de adeptos e militantes; articulação com a sociedade civil e política por meio de políticas de parcerias; envolvimento em projetos sociais operacionais; e política de formação e qualificação de membros participantes.

Os observatórios constituem pessoa jurídica de direito privados, de fins não econômicos e que constituem um espaço democrático, responsável pela reunião do maior número de entidades representativas da sociedade civil, apolíticas, apartidárias, que não participam ou se envolvem em movimento ou manifestações partidárias. Além disso, cumprindo o comando contido na Lei nº 9.790/99, os observatórios são regidos por estatutos próprios e pelas disposições legais aplicáveis, podendo, inclusive, se configurar como uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), com prazo de atuação indeterminado.

Queiroz (2007) afirma que a lei supramencionada permitiu a constituição de novas formas de articulação entre o Estado e o terceiro setor, o que se deu por meio da criação do termo de parceria, instrumento de visa a melhoria na qualidade dos serviços e transparência nos processos de utilização dos recursos públicos, através de planejamento e controle administrativo. Em complemento, Pires (2011) alude que a participação social objetiva pressionar as instituições a serem mais ágeis e transparentes, como também propiciar um suporte de legitimidade às decisões de direção.

Ademais, os observatórios são pautados na convergência entre justiça social, vigilância e participação social, bem como engajamento do cidadão e isenção partidária. Em acréscimo, Cortina (2005) estabelece que a cidadania plena é constituída por cidadania política, direito de participação em uma comunidade política; cidadania social, que implica em justiça como exigência ética da sociedade de bem viver; cidadania econômica, consistente na participação na gestação e transformação produtiva com equidade; cidadania civil, cujo desdobramento dá-se em relação aos valores de liberdade, igualdade, solidariedade e diálogo; cidadania intercultural, afirmação da intelectualidade como projeto ético e político.

No mais, os observatórios desempenham suas atividades fundamentadas em quatro pilares: gestão pública, transparência, educação fiscal e ambiente de negócios. Para fins propostos, serão enfocados os pilares da gestão pública e da transparência. “As ações praticadas nos quatro pilares são pautadas em levantamento de informações através de visitas de campo, identificação dos pontos críticos a melhorar, utilizando metodologias adequadas e referendadas administrativamente” (QUEIROZ, 2017, p. 66). Dessa forma, sobrevindo a identificação da situação e estudo preliminar, é elaborado um relatório com apontamentos das falhas e as consequentes propostas e orientações aos gestores, a fim de promoverem as correções.

É importante assinalar que o relatório de sugestões é apresentado ao gestor, com o escopo primordial de apoiar e colaborar com a melhoria e aprimoramento dos processos e resultados apresentados pelos gestores públicos, independentemente de partidos políticos. Veja-se que o objetivo dos observatórios, ao emitir tais relatórios, não é conferir publicização ou notoriedade, mas sim permitir que haja uma reflexão sobre a gestão e, a partir disso, estabelecer mecanismos de aprimoramento e correções. Queiroz aduz:

A partir do momento que o gestor imediato se propõe a resolver os problemas identificados, mantêm-se os acompanhamentos para certificar que tais procedimentos terão continuidade. Já se o gestor rejeitar, ignorar ou atuar de forma mascarada, ou seja, não cumprir efetivamente o que foi proposto, de forma que não se concretize as melhorias esperadas, as demandas contidas nos relatórios de sugestões podem ser apresentadas às instâncias superiores tais como o Legislativo. Se o desacordo partir do Executivo, ou vice e versa, não surtindo efeito se busca, ainda, a Promotoria Pública, o Tribunal de Contas entre outros órgãos de controle e fiscalização (QUEIROZ, 2017, p. 66).

Para Meireles (2012), o controle exercido pelos observatórios substancializa assume uma importância fundamental dentro de uma conjuntura de Estado Democrático de Direito, no qual o administrador tem o dever de prestar contas do exercício de sua gestão, assim como responder por seus atos e o cidadão tem o direito de acompanhar e fiscalizar os atos praticados pelo gestor público. Nesta linha, como desdobramento do pilar da “gestão pública”, encontram-se as atividades que primam pela economia das compras públicas e a qualidade na aplicação dos recursos. Para tanto, os observatórios acompanham as publicações oficiais (Diário Oficial) dos editais de licitação, por exemplo, dos municípios, inclusive os gastos da Câmara Municipal.

Os editais, em tal contexto, são analisados a partir de um modelo previamente definido, com o objetivo de estabelecer as características dos produtos e/ou serviços licitados, verificar possíveis irregularidades acerca das especificações e, também, comparar preços constantes dos editais com preços praticados no mercado. Queiroz afiança, ainda, que outras atividades desempenhadas podem ser enumeradas, tais como:

[...] monitoramento da execução orçamentária, inventário de recursos humanos, inventário dos prédios públicos municipais, diagnóstico dos portais da transparência, diagnóstico da merenda escolar, entre outros. Somados a esta análise segue o acompanhamento do certame a contratação e entrega dos itens licitados, minimizando fraudes e contribuindo para a melhor aplicação dos recursos (QUEIROZ, 2017, p. 67).

Ao executar tal rol de ações, os observatórios estão desempenhando diretamente controle social de gestão pública, reconhecendo-se que o controle social se opera de várias formas, tais como: pedido de vistas de processos administrativos e judiciais nos órgãos públicos em que estiverem disponíveis; leituras do Diário Oficial; participação em pregões; requerimento ou petição solicitando certidões ou informações em órgãos públicos; cartas; denúncias; representações, reclamações e ações judiciais. Queiroz, ainda, assinala que:

[...] a atuação dos Observatórios em relação ao poder Executivo envolve o monitoramento dos processos licitatórios incluindo as etapas de elaboração de Ofício de impugnação; conhecimento a autoridades competentes; envio de demanda à Câmara Municipal (quando há tempo hábil para resolução da inconsistência); remessa ao Ministério Público; remessa ao Tribunal de contas; participação de pregão presencial; acompanhamento de pregão eletrônico; entrega dos produtos e serviços adquiridos. Entre outras ações, estão as ações de monitoramento das obras realizadas com recursos públicos municipais, como construções e reformas de escolas; postos de saúde; compras e armazenagem de produtos e serviços para manutenção de atendimento público; folha de pagamentos; insumo para realização de processos administrativos; monitoramento de qualidade e eficiência nos serviços públicos e nas atividades administrativas (QUEIROZ, 2017, p. 68).

O pilar da transparência, por sua vez, implica nas ações de averiguação de transparência dos órgãos públicos, bem como por cobranças de informações e maior amplitude na divulgação dessas informações. Speck (2002), por sua vez, dita que a apresentação clara e transparente dos objetivos, dos recursos aplicados e de outras informações necessárias para a compreensão dos processos decisórios é imprescindível para que a sociedade possa fiscalizar resultados e criticar omissões dos gestores públicos e representantes políticos.

Assim sendo, o controle envolve a identificação de irregularidades nas publicações, divergências e possibilidade de extração e manipulação de dados. Com frequência, os problemas identificados estão atrelados à ausência de publicações de dados; falta de disponibilização das informações no portal de transparência ou, ainda, a divulgação de informações em forma de imagem ou outros formatos que inviabilizam extração e análises. A atuação dos observatórios fortalece o exercício da accountabilitty societal junto aos órgãos públicos, na proporção em que monitora e exige efetividade dos gastos públicos por meio do acompanhamento do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei de Transparência, Lei de Acesso a Informações, Lei de Licitações, entre outras. A prática da accountabillity societal implica no fortalecimento do papel de fiscalização, mas também possibilita o acompanhamento e monitoramento com o propósito de identificar possíveis distorções e apoiar a regularização, propondo soluções para ampliar e melhorar controles direcionados à redução, dentre outras, de práticas ilícitas.

 

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 2 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

_________. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso à informação previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do §3º do art. 37 e no §2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

_________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

_________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

BUCCI, Eduardo Sadalla. O acesso à informação pública como direito fundamental à cidadania. In: RevistaÂmbito Jurídico, Rio Grande, a. 12, n. 67, ago 2009. Disponível em: . Acesso em abr 2018.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. totalmente ref. e aum., 2. reimp. Coimbra: Almedina, 1992, p. 421.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. Ediçoes Loyola, 2005.

FIGUEIREDO, Vanuza da Silva; SANTOS, Waldir Jorge Ladeira dos. Transparência e controle social na Administração Pública. In: Temas de Administração Pública, v. 8, n. 1, 2013, p. 1-20. Disponível em: . Acesso em 03 jan. 2017.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

GOHN, M.D.G. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997.

LOPES, Cristiano Aguiar. Acesso a informação pública para a melhoria da qualidade dos gastos públicos: literatura, evidências empíricas e o caso brasileiro. In: Cadernos Finanças Públicas, Brasília, n. 8, p. 5-40, dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2018.

MAIA, L. Síntese. In: Revista TCE-RJ, Rio de Janeiro, v.5, n.1-2, p.50-67, jan.-dez. 2010. Disponível em: < https://www.tce.ce.gov.br/edicoes/revista-controle-volume-xiv-n-1-junho-2016/send/242-revista-controle-volume-xiv-n-1-junho-2016/3456-edicao-completa>. Acesso em 15 jul. 2018.

MEDEIROS, Simone Assis; MAGALHÃES, Roberto; PEREIRA, Roberto. Lei de Acesso à Informação: em busca da transparência e do combate à corrupção. In: Inf. Inf., Londrina, v. 19, n. 1, jan.-abr. 2014, p. 55-75. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MELLO, Celso Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 2010.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de participação política: legislativa, administrativa, judicial: fundamentos e técnicas constitucionais de legitimidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. As Audiências Públicas e o processo administrativo brasileiro. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 34, n. 135, jul-set. 1997, p. 271-282. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

PIRES, A. K. Gestão pública e desenvolvimento: Desafio e perspectivas. Brasília: Ipea, 2011.

QUEIROZ, Lécia Dias de. Observatório Social do Brasil: instrumento de controle social da gestão pública. 97f. Dissertação (Mestrado em Gestão Organizacional) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2017. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.

SANTOS, J. L. L. dos. Transparência regulatória e controle social: experiências exitosas em regulação na América Latina e Caribe. Brasília: Ed. Alia Opera, 2012.

SERESUELA, Nívea Carolina de Holanda. Princípios constitucionais da Administração Pública. In: Revista Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença Cível: fundamentos e técnica. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.

SPECK, B. W. Caminhos da transparência: análise dos componentes de um sistema nacional de integridade. Campinas: Editora da Unicamp, 2002. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

WLASSAK, Thomas. O princípio da publicidade. Considerações sobre forma e conteúdo. In: Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2018.

Data da conclusão/última revisão: 15/7/2018

 

 

 

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutor (2015-2018) e Mestre (2013-2015) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015). Professor Universitário nos Cursos de Direito e Medicina da Faculdade Metropolitana São Carlos, unidade de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, e no Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (Multivix), unidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES.