União estável e namoro qualificado: diferenciações

RESUMO

O namoro qualificado vinha a ser comentado pela doutrina, na jurisprudência no ano de 2015 o termo ganha repercussão em decisão emanada do Superior Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e tem sido objeto de estudo , debate jurídico e processual e também nas vivências da sociedade, em decorrência da confusão gerada pela grande semelhança com a união estável, visto que ambos os institutos apresentam caráter contínuo, duradouro e público. Assim, é de extrema importância que seja estabelecida a distinção entre a união estável e o namoro qualificado, em decorrência dos efeitos patrimoniais gerados pela união estável, e não pelo namoro qualificado. Isto porque, se confundida a união estável com namoro qualificado, as partes sairão do litígio prejudicadas materialmente, uma vez que o namoro qualificado não gera efeitos patrimoniais como acontece na união estável. Diante disso, o artigo buscou através de uma análise direcionada aos aspectos e elementos caracterizadores da união estável e do namoro qualificado para que se possamos compreender e saber separar os dois institutos. No final concluiu-se, que os estudantes e os profissionais operadores direito devem identificar as características de cada relação amorosa e visualizar as situações fáticas com olhar de que a sociedade mudou e que compete ao interprete ter uma nova perspectiva da família contemporânea.

Palavras-chave: Namoro Qualificado. União Estável. Diferenças.

ABSTRACT

Qualified courtship was already commented on by the doctrine, in the jurisprudence in the year 2015 the term gains repercussion in a decision emanating from the Superior Court of Justice of Minas Gerais, and has been object of study and legal and procedural debate and in the experiences of the society, as a result of the confusion generated by the great similarity with the stable union, since both institutes present a continuous, lasting and public character. Thus, it is of utmost importance that the distinction be established between stable union and qualified courtship, as a result of the patrimonial effects generated by the stable union, and not by qualified courtship. This is because, if the stable union is confused with qualified dating, the parties will leave the litigation materially impaired, since the qualified dating does not generate patrimonial effects as happens in the stable union. Thus, the article sought through an analysis directed to the aspects and elements that characterize the stable union and qualified dating so that if we can understand and know the two institutes. In the end, it was concluded that students and professional professionals should identify the characteristics of each love relationship and visualize the factual situations with the view that society has changed and that it is up to the interpreter to have a new perspective on the contemporary family.

Keywords

:Qualified Dating. Stableunion. Differences.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 União Estável; 2.1 Conceito e Requisitos da União Estável; 3 Namoro Qualificado; 3.1 Definição; 3.2 Aspectos Caracterizadores do Namoro Qualificado; 4 Efeitos Patrimoniais no Namoro Qualificado e União Estável; 5 Jurisprudências; 5 Considerações Finais; 6 Referências.

 

1 INTRODUÇÃO

Em consonância com os costumes, mudanças e valores na sociedade atual, e observando o modo dos casais se relacionarem, uma nova modalidade de relacionamento afetivo passa à surgir, o inovador namoro qualificado, abordado juridicamente em primeiro momento no ano de 2015 em decisão proferida pelo STJ (STJ – 3ª Turma, REsp.nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015).

O namoro qualificado não é considerado entidade familiar, pelo fato de não existir “affectio maritalis” (afeição conjugal), da qual não traz reflexos judiciais, apenas algumas diferenciações entre a união estável, e inúmeros respaldos jurídicos. Pode-se dizer inicialmente que o namoro qualificado é somente a expectativa de constituir família, um projeto para o futuro.

O tema irá abordar as características e aspectos entre o namoro qualificado e a união estável, de forma que se possa compreender melhor a vivência rotineira da sociedade, no caso concreto as diferenciações entre ambos, trazendo suas peculiaridades, e os efeitos no ordenamento jurídico brasileiro.

 

2 UNIÃO ESTÁVEL

2.1 CONCEITO E REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL

O Código Civil de 2002 em seu art. 1.723, caput, reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, quando especifica que: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

A Constituição da República Federativa do Brasil, disciplina em seu art. 226, § 3º, quando preceitua que: “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Atualmente é reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar, podendo ser formalizada. O SFT a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 reconheceu expressamente essa forma de união, e de acordo com a Resolução nº175 de 14 de Maio de 2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assegurou o direito dos casais homoafetivos a converterem a união estável em casamento civil.

O Código Civil de 2002, nos artigos 1.723/1.727 e 1.790[3], estabelecem os requisitos fundamentais para a constituição da união estável entre homem e mulher, assim como seus efeitos patrimoniais por motivo de dissolução por convenção entre os conviventes ou pela morte de um deles, porém o Código Civil foi omisso com relação às uniões homoafetivas, cabendo à jurisprudência a extensão da aplicação da lei a essas relações. O artigo1.723 do Código Civil Brasileiro, elenca alguns elementos necessários para que se configure a união estável, quais sejam: publicidade, continuidade e durabilidade.Tais elementos são essenciais para a configuração da união estável, porém não é um rol taxativo, vários doutrinadores elenca outros advindos dos citados.Vale ressaltar que, a conceituação da união estável não é tarefa fácil, é um conceito bastante amplo e variável na doutrina pátria, bem como na jurisprudência.

Paulo Luiz Netto Lôbo (2008. p. 148) conceitua a união estável como sendo"a entidade familiar constituída por um homem e uma mulher que convivem em posse do estado de casado, que se converteu em relação jurídica em virtude da Constituição, que lhe atribuiu dignidade de entidade familiar própria, com seus direitos e deveres".

Além dos requisitos trazidos pela Lei, a doutrina reconhece elemento ssubjetivos como necessários à sua configuração, sendo a convivência “more uxório”quede acordo com Adahyl Lourenço Dias (1975, p. 40), manter uma convivência more uxório implica “aparecer ao público com os sinais exteriores de pessoas regularmente casadas”.

Para Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p.199), qual trecho discorre sobre a caracterização da união estável:

Não há um conceito preciso e fechado para união estável. A sua configuração está atrelada a elementos subjetivos (vontade de constituir família e relacionamento recíproco) e objetivos (convivência que perdura no tempo e em caráter contínuo). Contudo, a partir da ideia central de que é a relação amorosa, conjugal, podemos apontar como elementos que integram ou que caracterizam a união estável, a durabilidade da relação, a existência de filhos, a construção patrimonial em comum, affectiosocietatis, coabitação, fidelidade, notoriedade, comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que faça o relacionamento parecer um casamento, ou melhor, que esteja aí caracterizado um núcleo familiar.

Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 540) acrescenta que “envolve a mútua assistência material, moral e espiritual, a troca e soma de interesses da vida em conjunto, atenção e gestos de carinho, enfim, a somatória de componentes materiais e espirituais que alicerçam as relações afetivas inerentes à entidade familiar”.

È requisito essencial, muito exigido pela doutrina e pela jurisprudência, ainda que não leve necessariamente a coabitação.Ainda que seja exceção, é possível que pessoas mantenham uma união estável, cada qual em sua casa, desde que interna e publicamente se comportem como companheiras, dividindo interesses e contratempo comuns e manter comunidade de vida e Affectiomaritalis: que consiste no ânimo de constituir família, isto é, que além do afeto (elemento componente de toda relação familiar), o propósito comum de formação de uma entidade familiar, e que é imprescindível que os companheiros possuem o animus de constituir família, não sendo necessário para tanto a existência de filhos, a união estável não sobrevive sem a ‘affectiomaritalis’, requisito que deve estar sempre presente ao longo de todo o relacionamento.

Impõe-se para a constituição da união estável, tal como disposto no art.1.723, § 1º, do Código Civil, a observância dos impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil e dos deveres recíprocos entre os companheiros elencados no art.1.724 do Código Civil Brasileiro.Portanto, consiste a união estável na ligação entre o homem e a mulher,marcada pela ausência da celebração do casamento, mas que apresente o animus de se manter uma comunhão de vida estável, durável e pública, com aparência de casamento, na qual se atribui aos companheiros o dever de lealdade similarmente ao dever de fidelidade dos cônjuges, não sendo necessária a coabitação para configurá-la.

Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva(2001p. 35-38), transcreve: “Diferentemente do casamento, que se realiza em um único ato, a união estável é oriunda de vários fatos que se concretizam com o passar do tempo e apresenta, como aquele, natureza monogâmica”.

De acordo com Álvaro Villaça de Azevedo, a união estável é: A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato. (AZEVEDO, 2000)

 

3 NAMORO QUALIFICADO

3.1 DEFINIÇÃO

Diferentemente da união estável que tem previsão e amparo jurisdicional, o namoro não é conceituado e amparado pela lei. Deste modo, não há requisitos expressos a serem observados para sua formação, a não ser os requisitos morais, impostos pela própria sociedade e pelos costumes.

Conforme mencionado acima, o namoro qualificado por não ser considerado como uma entidade familiar não possui previsão normativa, e em decorrência disso, não há requisitos legais para a caracterização deste.

Ressalte-se que as mudanças e costumes nas formas de relacionamentos da atual sociedade, o namoro qualificado passa a ser cada vez mais evidente e presente nas vidas dos casais, onde pode ser facilmente confundido com a união estável pelo fato da sutil diferenciação entre ambos.

No entanto no ano de 2015, o Superior Tribunal de Justiça, lançou mão do termo ‘namoro qualificado’, o qual pode ser definido como um namoro sério, em que o casal faz planos para o futuro, mas ainda não está vivendo como família. É dizer que, não há uma família imediata constituída, assim, o namoro qualificado não é considerado uma entidade familiar, pois não existe a affectio maritalis.

Alguns doutrinadores explicam, que o namoro qualificado é apenas uma projeção para constituição de família no futuro, e ainda não existe comunhão de vida entre o casal.

Para Carlos Alberto Dabus Maluf; Adriana Dabus Maluf, (2013, p. 371-374), nos fornece esclarecedora lição quando especificam:

"No namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita".

Também nos ensina Rolf Madaleno (2013, p. 1138):

"Com efeito, a união estável exige pressupostos mais sólidos de configuração, não bastando o mero namoro, por mais estável ou qualificado que se apresente, porquanto apenas a convivência como casal estável, de comunhão plena e vontade de constituir família concretiza a relação estável, da qual o namoro é apenas um projeto que ainda não se desenvolveu e talvez sequer evolua como entidade familiar".

Na decisão inovadora de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma do STJ, empreendeu séria análise do instituto do namoro qualificado em face da união estável (STJ – 3ª Turma, REsp. Nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015), conforme ementa:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA . NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. 1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectiomaritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Documento: 1385925 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 10/03/2015 Página 1 de 20 Superior Tribunal de Justiça 3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente –, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento. 4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.

Dharana Vieira da Cunha (2015) traz detalhadamente toda a situação submetida ao julgamento, a saber:

Em recente decisão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma do STJ empreendeu séria análise do instituto do namoro qualificado em face da união estável (STJ – 3ª Turma, REsp. Nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015). O caso apresentado perante a Corte Superior versava sobre um casal que conviveu durante dois anos em um apartamento no exterior antes de se casarem. Na época, ele viajou para aceitar uma proposta de trabalho enquanto ela o seguiu com a intenção de fazer um curso de Inglês e acabou permanecendo mais tempo devido ao seu ingresso num Mestrado. Noivaram ainda no exterior e o rapaz adquiriu com seus recursos pessoais um apartamento próprio que seria a residência familiar após o casamento. Casaram-se em setembro de 2006 adotando como regime a comunhão parcial de bens, regime no qual somente há partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Em 2008, entretanto, adveio o divórcio. Assim, a ex-mulher ingressou em juízo pleiteando o reconhecimento e a dissolução de união estável que, segundo ela, existiu durante o período de dois anos anterior ao casamento. Sob esse argumento, o apartamento adquirido por ele à época deveria ser partilhado entre ambos. Em primeira e segunda instâncias, a ex-mulher saiu vitoriosa. Entretanto, ao apreciar o recurso interposto pelo ex-marido, o Ministro Bellizze teve entendimento diverso. Segundo ele, não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar”. O ministro ainda aduziu que nem mesmo o fato de ter existido a coabitação do casal era suficiente para evidenciar uma união estável, já que a convivência no mesmo imóvel se deu apenas devido à conveniência de ambos em razão de seus interesses particulares à época. Assim, a situação examinada seria tão somente um namoro qualificado, pois não estava presente a affectiomaritalis, ou seja, o escopo de constituir família naquele momento.

Note-se, portanto que, apesar de o casal compartilhar a relação de forma pública, continua e duradoura, e ainda que dividirem o mesmo lar, se não estiver presente o elemento subjetivo que é a constituição de família, não se configura em união estável, mas sim o namoro qualificado.

 

3.2 ASPECTOS CARACTERIZADORES DO NAMORO QUALIFICADO

Acerca da caracterização do tema Priscila Satil (2011, p.2) traz a seguinte concepção:

O namoro qualificado é uma relação que para que seja caracterizada é necessário que estejam presentes a publicidade, continuidade e a durabilidade, não importando a quantidade de anos, como foi salientado acima, e não traz nenhuma vinculação patrimonial, pois o par não tem o objetivo de constituir uma família.

Para que se configure o namoro qualificado deverão ser observados os seguintes aspectos: maioridade, capacidade das partes, fidelidade recíproca, publicidade, solidez, convivência contínua e duradoura e a ausência da affectiomaritalis.

Conforme a visão de Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p. 202) “namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar uma entidade familiar. Pode ser a preparação para constituição de uma família futura, enquanto na união estável a família já existe. Assim o que distingue esses dois institutos é o animus familiar, reconhecido pelas partes e pela sociedade (trato e fama).Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. O mesmo se diga com relação á presença de filhos, que pode se dar tanto no namoro quanto na união estável”.

Em razão da iminente proximidade entre os requisitos do namoro qualificado e da união estável já mencionados, é fundamental e indispensável, a análise detalhada ao julgar o caso concreto, visto que muitas vezes,mesmo contra a vontade das partes, o relacionamento sai da esfera de namoro qualificado e converte-se em união estável e desta decorrem inúmeros efeitos jurídicos.

 

4 EFEITOS PATRIMONIAIS NO NAMORO QUALIFICADO E UNIÃO ESTÁVEL

Os efeitos patrimoniais na união estável são bem amplos, pelo fato de ser um instituto reconhecido juridicamente. Do ponto de vista legal, são três conseqüências patrimoniais da união estável: meação patrimonial, direito aos alimentos e sucessão hereditária.

O regime aplicado na união estável, bem como no casamento, quando as partes não estabelecerem regras e regime próprio, irá versar o regime da comunhão parcial de bens, conforme artigo 1.725[4] do Código Civil Brasileiro.

Se os companheiros determinarem que o regime de bens será o da comunhão parcial que é o mais utilizado, irão mear somente os bens adquiridos onerosamente durante a relação, de acordo com Código Civil, no artigo 1.660[5].

Na dissolução da união estável, seja por morte, ou ainda em vida, esta resulta efeitos patrimoniais na vida dos companheiros conforme o regime de bens escolhido.No qual irá se fazer a meação do patrimônio. Este efeito não se faz presente na dissolução do namoro, vez que não é reconhecido como entidade familiar.

Sobre o direito de alimentos explica o autor Paulo Lôbo (2011, pág. 179) a respeito do dever de mútua assistência:

A assistência moral (direito pessoal) e material (direito patrimonial, notadamente alimentos). O direito à assistência material, exigível de um companheiro a outro, está consagrado expressamente no art. 1.694 do Código Civil, projetando-se além da extinção da união estável, na forma de alimentos, independentemente de ter o companheiro necessitado ter dado ou não causa à dissolução.

O Direito de alimentos entre os companheiros está previsto no artigo 1.694, § 1º e §2º do Código Civil de 2002[6], direito aplicado á união estável, já no namoro ainda não se tem decisão á respeito e norma jurídica. Ficando comprovado que, um dos companheiros não possui condições de sustento por meios próprios, fica a cargo do outro companheiro á prestar-lhe alimentos, sempre nos parâmetros do biônimo necessidade e possibilidade, podendo ser essa prestação por tempo determinado, conforme as necessidades do companheiro, o que será analisado no caso concreto,conforme entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do rio de Janeiro:

APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS EM UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRA. NECESSIDADE DEMONSTRADA. Demonstrada a necessidade da ex-companheira em ser pensionada, em razão de que era sustentada pelo varão na maior parte dos 23 anos que perdurou a união estável, e atualmente está doente, não auferindo nenhuma renda, cabível a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo réu. Aplicação do art. 1.724 e 1.694, § 1.º, do CC. Fixação dos alimentos no quantum requerido na petição inicial, pedido modesto capaz de se enquadrar nas possibilidades do alimentante. APELAÇÃO PROVIDA.(TJ-RS - AC: 70043238179 RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Data de Julgamento: 09/11/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/11/2011).

O artigo 1.790 e seus incisos do CCB dispões sobre o direito sucessório:

“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.

Desde que se comprove a união mantida a união estável até a morte de um dos companheiros, é garantido o direito sucessório, após analisados os requisitos já expostos.

Neste sentido aduz a jurisprudência do STJ –( REsp: 418365 SP 2002/0025728-2), de relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:

Ementa:União estável. Direito da companheira à herança. Lei nº 8.971/94. Lei nº 9.278/96. 1. O advento da Lei nº 9.278/96 não revogou o art. 2º da Lei nº 8.971/94, que regulou o direito da companheira à herança de seu falecido companheiro, reconhecida a união estável. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 418365 SP 2002/0025728-2, Relator: Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Data de Julgamento: 21/11/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28.04.2003 p. 198).

Os efeitos patrimoniais no namoro qualificado ainda não ganharam instrução normativa. Por esta razão que é extremamente necessário que se tome muito cuidado ao analisar o caso, para que nenhuma das partes tenha vantagens ou desvantagens se vier a confundir os institutos,pois da união estável como já explicado anteriormente trás diversos efeitos patrimoniais.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desenvolvimento da sociedade, e as mudanças que o direito acompanha em decorrência dos fatores sociais, percebe-se que a linha divisória entre o namoro e união estável tornou-se uma tarefa difícil. Com conseqüência disto, leva ao judiciário e ao meio jurídico a dificuldade em distinguir o namoro qualificado da união estável.

É muito tênue a linha que diferencia a união estável e o namoro qualificado, distinção esta que somente poderá ser definida mediante a análise do caso concreto. Felizmente, a exata distinção entre a união estável e o namoro qualificado já está sendo tratada pelos Tribunais Estaduais, e ainda pelo STJ.

Aponta-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já citada no presente artigo, possui uma análise restritiva da união estável, pois não é qualquer relacionamento que pode ser declarado como união estável, mas sim àquele de tenha uma convivência pública, contínua, duradoura e com animus de constituir família.

É de suma importância a distinção entre o namoro qualificado e a união, uma vez a dissolução da relação gera efeitos patrimoniais, caso seja reconhecida a união estável, caracterizada pela legislação pátria, sobretudo pela Constituição como entidade familiar. Enquanto que o namoro qualificado não gera nenhum efeito material e patrimonial ás partes, de modo que quando cessada a relação não há que se falar em divisão de bens, direito a alimentos, direitos sucessórios, dentre outros reconhecidos e inerentes à união estável.

Confundidos os institutos, obviamente, as partes sairão prejudicadas, uma vez que os efeitos gerados pelos dois são distintos, por isso a importância da distinção apresenta no decorrer deste artigo. Tem que se buscar evitar confusão entre os institutos, e o conseqüente prejuízo patrimonial entre as pessoas que vivem em uma relação de namoro qualificado, ou em uma relação de união estável para que possamos chegar a delimitar o patrimônio adquirido na constância de tais.

Conclui-se, portanto deste estudo, que os estudantes e os profissionais operadores direito devem identificar as características de cada relação amorosa e visualizar as situações fáticas com o olhar de que a sociedade mudou e que compete ao interprete ter uma nova perspectiva da família contemporânea.

 

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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 6ª ed., São Paulo:Revistas dos Tribunais, 2010.

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LIMA, Cíntia. União Estável e Entidade Familiar: Breves Considerações. 2010. Disponível em. Acesso em: 17 abr. 2018.

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RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011.

 

NOTAS:

[3]Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:   (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721)(Vide Recurso Extraordinário nº 878.694).I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

[4]Art. 1.724. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

[5]Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

[6]Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Data da conclusão/última revisão: 22/5/2018

 

 

 

Laryssa Kellen Marinho Rabelo

Laryssa Kellen Marinho Rabelo: acadêmica do Curso de Direito da Universidade Católica do Tocantins. Servidora da Defensoria Pública do Estado do Tocantins.

Maria do Carmo Cota (Orientadora): Defensora Pública de Classe Especial. Professora titular de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Tocantins - UFT e da Faculdade Católica de Tocantins – FACTO. Pós-Doutorado em Direito da saúde pela UNIVERSITÁ de MESSINA – Itália. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Del Museo Social Argentino – UMSA – Argentina. Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela UFT e Escola Superior da Magistratura – ESMAT. Pós – graduada lato sensu, em Direito Constitucional. Direito Administrativo Universidade do Tocantins – UNITINS. Especialização em Gestão Pública e qualidade em serviço na Universidade Federal da Bahia. Especialização em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro de ensino Superior de Jataí. Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Tiradentes – UNIT. Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba – UNIUBE.