Do Bem de Família

Introdução

A família é a formadora do espírito e dos preceitos morais e religiosos do homem em vivência social. O ambiente familiar é que faz a moldagem psíquica do homem, embora ele já venha ao mundo com algumas tendências pré-moldadas, é no seu lar que começa a sentir as primeiras manifestações sociais. Na medida que se afasta do abrigo da família o homem passa a desempenhar grande parte dos atos de sua vida. 

Assim, mister se faz que entendamos a participação de vida humana do homem, dentro fora de casa, onde batalha na sociedade e, dentro de casa, onde busca o agasalho da família. Posto isso, verificamos que o sistema legislativo, ao regulamentar o bem de família, visa preservar o organismo familial, sobre o qual repousam as bases do Estado.

Daí advém a necessidade de reestruturação completa do instituto do bem de família, com a criação de uma nova espécie, que garantisse impedir a completa desarticulação familiar em caso de reveses de execução patrimonial.

Espécies de bem de família hoje existentes

As espécies de bem de família hoje existentes estão classificadas em duas grandes categorias: voluntário ou decorrente da vontade dos interessados, com instituição nesse regime, de bem móvel ou imóvel; e involuntário ou legal, que, por não depender da manifestação da vontade do instituidor, resulta de estipulação legal, por norma de ordem pública, objetivando bem móvel ou imóvel (lei n. 8.009/90).

2.1            Do bem de família voluntário

É instituto originário do direito americano. Nasceu na República do Texas, em 1839, na figura do homestead (isenção de penhora, em favor de pequena propriedade), antes da incorporação desse território aos Estados Unidos da América do Norte, que só ocorreu em 1.845.

O novo Código Civil sistematizou as regras atinentes ao bem de família no título referente ao direito patrimonial da família, dos artigos 1.711 a 1.722.

O art. 1.711 do novel diploma permite aos cônjuges ou à entidade familiar a constituição do bem de família, mediante escritura pública ou testamento, não podendo seu valor exceder um terço do patrimônio líquido do instituidor existente ao tempo da instituição. Ao mesmo tempo, declara mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Assim, só haverá necessidade de sua instituição pelos meios supramencionados na hipótese do parágrafo único do art. 5º da Lei n. 8.009/90, ou seja, quando o casal ou entidade familiar possuir vários imóveis, utilizados como residência, e não desejar que a impenhorabilidade recaia sobre o de menor valor. Neste caso, deverá ser instituído o bem de família mediante escritura pública ou testamento, registrada no Registro de Imóveis, na forma do art. 1.714 do Código Civil, escolhendo-se um imóvel de maior valor para tornar-se impenhorável.

O art. 1.712 do novo Código Civil admite que o bem de família se constitua em imóvel urbano ou rural, “com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família”.  O aludido dispositivo vincula, pois, o bem de família móvel ao imóvel, não podendo aquele existir isoladamente, nem exceder o valor do prédio convertido em bem de família, à época de sua instituição (art. 1.713). Constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis, quando instituído pelos cônjuges ou companheiros ou por terceiro (art. 1.714), dependendo, a sua eficácia, no último caso, de aceitação expressa (art. 1.711, parágrafo único), ficando isento desde então, de execução por dívidas posteriores à sua instituição, “salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio” (art. 1.715).

Tal isenção durará enquanto viver um dos cônjuges, ou no caso de companheiros, um dos companheiros, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade, como estipula o art. 1.716 do Código Civil. Apura-se o patrimônio líquido do instituidor, para os fins do citado art. 1.711, deduzindo-se o total de suas dívidas.

Os imóveis, e também os móveis, que integram o bem de família devem sempre ligar-se à destinação residencial (art. 1717) e não podem ser alienados sem o consentimento dos  interessados ou de seus representantes legais, ouvidos o  interessado e o Ministério Público. Quando tornar-se impossível a sua manutenção, poderá o juiz, a pedido dos interessados, extingui-lo ou autorizar sua sub-rogação em outros, devendo ser ouvidos o instituidor e o Ministério Público (art. 1.719).

  A administração do bem de família compete a ambos os cônjuges ou companheiros, salvo disposição em contrário estipulada no ato de instituição, resolvendo o juiz em caso de divergência. Com o falecimento destes, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor (art. 1.720 e parágrafo único).

A extinção do bem de família ocorre “com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela” (art. 1.722). A dissolução da sociedade conjugal não o extingue, mas, se esta decorrer da morte de um dos cônjuges ou companheiros, o sobrevivente poderá pedir a sua extinção, se for o único bem do casal (art. 1.721 e parágrafo único).

2.2 Do bem de família involuntário ou legal

O bem de família, como estruturado na Lei n. 8.009/90, é o imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar e /ou móveis da residência, impenhoráveis por determinação legal.

A Lei n. 8.009/90 veio ampliar o conceito de bem de família, que não depende mais de instituição voluntária, mediante as formalidades previstas no Código Civil.

O instituidor nesse caso é o próprio Estado, pois, resulta  diretamente da lei, de ordem pública, que tornou impenhorável o imóvel residencial, próprio do casal, ou da entidade familiar, que não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses expressamente previstas no art. 3º, I a VII (fiança em contrato de locação, pensão alimentícia, impostos e taxas que recaem sobre o imóvel , etc.). Tem a jurisprudência admitido a penhora do bem de família por não-pagamento de despesas condominiais.

A impenhorabilidade não alcança, porém, o imóvel do devedor solteiro, que reside solitário. Reitere-se que o art. 1.711 do novo Código declara mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial, estabelecidas em lei especial.

Conclusão

Pelo exposto, notamos que o  bem de família, criado pela Lei n. 8.009, de 1190, é completamente diverso do modelo do Código Civil de 1916 e do atual, em decorrência das inovações por deste.

No antigo Código Civil e no atual, o bem de família é imóvel, como o cogitado no Art. 1.... da Lei n. 8.009/90, somente que, naqueles a instituição depende de iniciativa de seu proprietário e do cumprimento de uma série de formalidades, com os inconvenientes mostrados; neste, a constituição do bem de família é imediata e ex lege, desde que ocorram as hipóteses previstas no dispositivo de emergência, incluídos ainda, bens móveis.

Referências Bibliográficas:

DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo Código Civil. 4. ed. ver. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. Atualizado de acordo com o Novo Código Civil (lei n. 10.406, de 10.1.2002). 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

NERY JÚNIOR, Nelson.; NERY, Rosa Maria Andrade da. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 10.03.1999. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

_______ . Código  Civil Comentado e legislação extravagante: atualizado até 02.05.2003. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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Tatiane Sander

Graduada em Direito pela UNISINOS/RS
Foi Tabeliã-Substituta do Tabelionato de Notas de Estância Velha-RS de 1993 até 2004.
Autora da obra Comentários à Lei de Protesto de Títulos e outros Documentos de Dívida – Lei nº 9.492/97, com 296 páginas e, da obra Atividade Notarial como Função de Justiça Preventiva, com 200 páginas.
Atualmente atua como advogada na área de Direito Registral Imobiliário no Estado do Rio Grande do Sul.