A constitucionalização dos novos danos e a valorização da dignidade da pessoa humana

Resumo: O presente trabalho se dedica a apresentar os critérios utilizados para quantificação dos danos extrapatrimoniais, com base na doutrina e entendimentos jurisprudenciais, sendo eles a gravidade da culpa, a condição socioeconômica das partes e a proporcionalidade e razoabilidade do dano. Analisa ainda os posicionamentos favoráveis e contrários à mercantilização do dano extrapatrimonial, observando seu caráter pedagógico e punitivo.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil; Danos Extrapatrimoniais; Critérios de Fixação; Jurisprudência; Direitos de Personalidade; Razoabilidade e Proporcionalidade

Abstract: This work is dedicated to present the criteria used to quantify the extrapatrimonial damages, being them the seriousness of the fault, socioeconomic condition of parts and the proportionality and reasonableness of the damage. Analyzes yet, the pro and con positions to commodification of extrapatrimonial damages, watching her teaching and punitive character.

Keywords: Civil Responsability; New Damages; Criteria for Fixation; Proportionality and Reasonableness

 

INTRODUÇÃO

Pelo que se percebe pela evolução histórica e tendências doutrinárias, o foco atual da responsabilidade civil, reside cada vez mais no imperativo de indenizar ou compensar o dano injustamente sofrido, abordando o caráter punitivo ou pedagógico da sanção a ser aplicada ao ofensor.

Diante da verificação do dano ressarcível, a responsabilidade civil concentra-se sobre a reparação dos danos causados em sociedade, fazendo com que a lesão ao interesse da vítima, independentemente da conduta do ofensor, seja objeto de preocupação judicial. A partir do momento em que há identificação do dano como uma lesão concreta, como violação de uma regra há o dever de indenização pelo ofensor.

Logo, diante de novos interesses que buscam a tutela do Poder Judiciário novas adjetivações de dano passam a ser estudadas. Fala-se hoje em dano à imagem, a honra, dano psíquico, dano pela perda do tempo útil.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar que independente das adjetivações que os danos possuírem, a proteção e reparação dos interesses individuais e coletivos merecem proteção judicial, de modo que haja a valorização da dignidade da pessoa humana.

 

DESENVOLVIMENTO

Com a flexibilização dos filtros da responsabilidade civil, como no caso dos novos danos apresentados ao longo dos anos, em decorrência da vida em sociedade, novos interesses merecedores de tutela buscaram o poder judiciário. Consequentemente, ao tratarmos de novos danos, novos interesses extrapatrimoniais, muitas vezes frívolos, voltados à obtenção de indenização pelos acontecimentos mais banais da vida cotidiana, estes buscam na maioria das vezes apenas a reparação pecuniária, remetendo-se a função historicamente patrimonialista da responsabilidade civil.

Entretanto, há interesses de grande valia e de necessária reparação, onde a necessidade de compensação do ofendido é muito mais que necessária.

Primeiramente, cumpre explicar o que é dignidade da pessoa humana, não apenas como aquele princípio constitucional exposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Assim, ao discorrer sobre dignidade humana, é necessário ter em mente que esta não pode ser conceituada de maneira fixa, eis que esta definição é harmonizada pelo pluralismo e a diversidade de valores que manifestam em cada sociedade democrática contemporânea (SARLET, 2011, pg. 51-52).

Igualmente, por dignidade entende-se como aquela característica inerente a todo ser humano, levando em consideração as peculiaridades, crenças, valores e vivências de cada indivíduo para poder aferir o que é ou não digno, de modo que sua noção jurídica, deve-se aproximar de “um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as possibilidades e expectativas, patrimoniais afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca pela felicidade” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2009, pg. 29).

Portanto, a dignidade só pode ter seu conteúdo preenchido levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo, sendo difícil conceituar estritamente o que é dignidade.

Entretanto, ainda que a dignidade da pessoa humana não possa ser definida a priori, uma coisa se pode afirmar, o presente princípio apresenta uma cláusula geral de tutela e proteção da pessoa, fazendo com que haja uma promoção por todo sistema jurídico, de forma que, qualquer ofensa à dignidade merece amparo pela responsabilidade civil (PAMPLONA FILHO e JUNIOR, 2015, pg. 5).

Passado a noção de dignidade da pessoa humana, faz-se necessário apontar ainda que a constitucionalização do direito civil foi de grande importância para o conceito jurídico da mesma, eis que a partir disto, a dignidade passou a integrar o sistema jurídico privado (PAMPLONA FILHO e JUNIOR, 2015, pg. 6).

Assim, entende-se pela constitucionalização da dignidade humana como o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais que passam a cercar os cidadãos, por meio da aplicação dos tribunais e legislação infraconstitucional (LÔBO, 2010). Deste modo, o sistema do direito privado, deixa de basear-se apenas ao redor do código civil e seus ideais liberais, passando a ater-se aos ideias sociais da Constituição Federal (PEREIRA, 2008, p. 120).

Igualmente, a partir do momento que a pessoa passa ser o centro do sistema os atos que ofendam seus direitos da personalidade passam a ser merecedores de proteção da responsabilidade civil, seja quanto aos bens patrimoniais e extrapatrimoniais.

Desta forma, a dignidade da pessoa humana causou uma ampliação dos bens jurídicos merecedores de tutela, e diante disto, novos interesses de natureza existencial e coletiva, passam a ser considerados pelos tribunais como merecedores de tutela, ocasionando em novos danos ressarcíveis (SCHEREIBER, 2013, pg. 89).

Consequentemente, a presente pesquisa, visa compreender o dano como cláusula geral de seleção dos interesses merecedores de tutela, através da responsabilidade civil.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Da mesma forma que não há um conceito fixo para dignidade da pessoa humana, não podemos nos limitar em expor um rol taxativo de danos. A cada nova conduta danosa em face da dignidade, surge uma nova espécie de dano com a consequente necessidade de proteção.

Fala-se hoje em dano à vida sexual, dano por nascimento indesejado, dano à identidade pessoal, e esta quantidade de novas espécies de dano, se por um lado, mostra uma maior sensibilidade dos tribunais à tutela de aspectos existenciais da personalidade, de outro, faz com que essas novas figuras de dano venham a ter como limites a fantasia do intérprete e a flexibilização da jurisprudência (SCHREIBER, 2006).

Na medida que novos interesses vão surgindo novos conflitos vão merecendo ser resolvidos, verifica-se que há extrema necessidade da tutela pelos tribunais. Danos atinentes à pessoa humana, de ordem material, psíquica ou moral, com interesses individuais, difusos ou coletivos, que passam ser considerados dignos de proteção e merecem reparação.

Porém, percebe-se que a Constituição Federal, através do artigo 5º, inciso V, elegeu três espécies de dano, o dano material, o dano moral e o dano à imagem. Desta forma, nosso ordenamento jurídico reconhece a autônima destas três espécies de danos.

Entende-se que o dano patrimonial é aquele que ofende bens ou interesses que podem ser quantificados monetariamente, ou que podem retornar ao seu status quo ante, se dividindo em dano emergente e lucros cessantes (CAVALIERI FILHO 2014, pg.91).

Por sua vez, o dano extrapatrimonial pode ser definido como aquele que ofende bens ou valores desprovidos de caráter pecuniário, é o caso da ofensa à honra, à vida, à privacidade, entre outros. (PAMPLONA FILHO e JUNIOR, 2015, pg. 12).

Assim, através do amparo constitucional dado a dignidade da pessoa humana o dano extrapatrimonial passou a ganhar destaque, ensejando diversas vezes novas acepções ao dano, de forma que uma imensa gama de atributos e direitos foram atreladas a proteção da dignidade.

Cada ofensa a um aspecto da dignidade humana surge com uma nova qualificação, tais como o dano estético, dano psicológico, dano existencial, dano biológico, entre outros.

Logo, faz-se necessário manter a base do sentido do artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal, onde a maioria desses novos danos visam proteger a dignidade da pessoa humana, por si só já caracterizará um dano merecedor de reparação, não havendo a necessidade de criar novas adjetivações (PAMPLONA FILHO e JUNIOR, 2015, pg. 23).

Portanto, toda vez que se tenta enumerar as novas espécies de danos, sempre haverá uma nova hipótese sendo criada, não se atentando que a dignidade não é passível de fragmentação, onde cada ofensa a um de seus pontos não significa criar um novo dano (MORAES, 2003, p. 166).

 

CONCLUSÃO

Ainda que, em alguns destes novos danos, realmente haja uma situação lesiva, merecedora de amparo jurisdicional, o que se vê são proliferações de interesses fundados em meros aborrecimentos ou simples frustrações que fazem os indivíduos, postular, sem risco de haver prejuízo financeiro, ações infundadas que acabam incentivando o surgimento de demandas em excesso.

Classificar os danos com base em qual âmbito da dignidade humana foi afetado, significa fracionar essa dignidade, como se houvesse vários interesses distintos, quando na verdade se a ofensa dirigiu-se à honra, à integridade física, imagem ou qualquer outro interesse extrapatrimonial, faz-se necessária sua reparação, eis que todos estes compõe a dignidade da pessoa humana.

Há quem ainda afirme que criar novos danos merecedores de tutela, não implicam uma maior proteção, mas apenas oportunizam a irressarcibilidade.

Porém, conclui-se que, a ofensa dirigida à proteção da dignidade humana deve ser reparada com extrema importância, não se admitindo o fracionamento do referido princípio, mas que o mesmo funcione de maneira mais aberta, adequando-se às mais diversas situações de risco.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em Junho de 2016;

CAVALIERI FILHO, Sergio, Programa de Responsabilidade Civil. 11ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2014;

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Disponível em . Acesso em junho de 2016;.

GLAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. Vol IV. Tomo I. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29;

MORAES, Maria Celina Bodin de Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2003;

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; JÚNIOR, Luiz Carlos Vilas Boas Andrade. A Torre de Babel das Novas Adjetivações do Dano. Disponível em < http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/3477/2491>. Acesso em junho de 2016;

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de Direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008;

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9 ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011;

SCHREIBER, Anderson. Novas Tendências da Responsabilidade Civil. In Responsabilità Civile e Previdenza, anno LXXI, n. 3, marzo 2006, Milano: Dott. A. Giuffrè, pp. 586-600. Disponível em: . Acesso em maio de 2016;

SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 5ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2013;

Data da conclusão/última revisão: 2/2/2018

 

 

 

Eduardo da Silva Calixto

Aluno especial do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Campus Londrina. Advogado.