A certificação digital e a nova prestação jurisdicional

O Estado brasileiro, ao exercer a prestação jurisdicional e, conseqüentemente, proferir suas sentenças decisórias, além dos procedimentos adotados ao longo do curso dos processos, precisa valer-se da impressão de grande quantidade de papel e do trâmite burocrático dos autos, fato este que vem a demandar vultosos gastos econômicos às partes, além da imensa morosidade da Justiça brasileira na entrega da tutela jurisdicional.

No entanto, ao longo dos últimos anos a informatização vem conduzindo o Poder Judiciário a uma verdadeira revolução em sua maneira de prestar a jurisdição. Outrossim, com o incremento do uso da informática, aliado aos esforços governamentais na normatização desse setor, por meio da criação da Infra-estrutura de Chaves Públicas – ICP-Brasil, o sistema de certificação digital passou a ser utilizado pelo Judiciário brasileiro. A ICP-Brasil foi criada pela Medida Provisória n° 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, cujo artigo 1° reza que:

Art. 1o Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.”[1]

A ICP-Brasil constitui-se de um conjunto de regras e normas, baseadas em padrões públicos internacionais, que são definidas no país por um comitê gestor composto por representantes do governo e da sociedade civil. Esse mecanismo veio, dessa forma, a garantir autenticidade aos documentos eletrônicos, como forma de comprovar que a assinatura digital e os dados constantes de determinado documento oficial são realmente autênticos e fidedignos. Nesse ínterim, vem o Judiciário brasileiro permitindo que fases do processo sejam realizadas eletronicamente, com os despachos feitos por meio da Internet, seguidos da certificação digital do responsável pelo mesmo.

Prova dessa nova tendência deu-se com a publicação da Lei 11.280, de 17 de fevereiro de 2006, que incluiu o parágrafo único do artigo 154 do Código de Processo Civil, in verbis:

Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil." (NR) [2]

A adoção da certificação digital como ferramenta de trabalho pelo Judiciário procura, desta feita, dotar os órgãos daquele Poder de maior celeridade na prestação jurisdicional, permitindo com que o magistrado atenda aos princípios da instrumentalidade do Direito Processual, qual seja, “melhorar o exercício da prestação jurisdicional, tornando tal prestação mais segura e, na medida do possível, mais célere, tentando aproximar a tutela jurisdicional, o mais possível, do que possa ser chamado de justiça.” [3]

Vale ressaltar que, em seminário realizado pelo Supremo Tribunal Federal, elaborou-se documento que concluiu que taxa de congestionamento médio na Justiça Federal de 1° Grau, de 2° Grau e Juizados Especiais alcançou, em 2003, respectivamente, 81,37%, 76,23% e 77,17%. [4] Ademais, somente no ano de 2003, o Judiciário teve um total de 17.494.902 novos casos litigiosos, para um quantitativo de 13.474 magistrados. [5]

Destarte, esse novo modus operandi da Justiça promove uma mudança de paradigma para o profissional do Direito, em especial para os advogados. O Direito Processual brasileiro evolui, pois, de uma fase tradicional para um período em que a tecnologia permitirá uma prestação jurisdicional mais eficaz e célere. Passar-se-á, futuramente, não mais a se deparar o cidadão com um sem numero de processos empilhados nos diversos órgãos do Judiciário, mas tão-somente a arquivos com todas as decisões prolatadas no mesmo. De acordo com Castro, “a tecnologia da informação vem modificando as conservadoras relações jurídicas, pressionando os profissionais da área, em sua maioria sequer movidos pela espontaneidade, a um imediato “alfabetismo digital” [6]. Com esse processo de informatização do Judiciário, a antiga relação advogado-cliente tem passado por mudanças, quais sejam, a possibilidade do próprio cliente acompanhar a tramitação de processo de seu interesse, bem como para ajuizar algumas ações nos tribunais. Pelo lado dos advogados, tem-se como perspectiva o ajuizamento de ação por meio eletrônico, no qual a mesma será assinada eletronicamente por meio da assinatura digital do advogado; a consulta à tramitação por meio da Internet; a comunicação com seu cliente e a intimação do mesmo; bem como a sentença final e os prazos para recorrer.

Diversos tribunais brasileiros, sejam eles da Justiça Federal, Especial ou Estadual, já vêm adotando processos eletrônicos para peticionamento inicial e vistas a andamento de processos. O Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal já permitem o peticionamento eletrônico em sua página Internet.

A certificação digital vem, assim, a dotar os órgãos do Poder Judiciário de maior agilidade no andamento processual, auxiliando-os face à grande quantidade de processos que têm início diuturnamente nos diversos tribunais brasileiros. Dessa forma, poderá o Judiciário atender aos princípios da transparência, tempestividade da tutela jurisdicional e da instrumentalidade do processo.

Além desse desafogamento do Judiciário, vem também a certificação digital inaugurar uma nova fase para os profissionais do direito, a qual não cooptará com aqueles que não estejam a par dos temas referentes à certificação digital, sob o risco de se manterem alijados da evolução da própria sociedade jurídica brasileira.

Notas:

[1] Site ICP-Brasil: www.icpbrasil.gov.br.

[2] Site Palácio do Planalto: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 ago. 2006.

[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. 14 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. págs. 9 e 10.

[4] SEMINÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2003. Justiça em números: indicadores estatísticos da Justiça Federal, 2003, págs. 19, 20 e 21. Disponível em: . Acesso em: 2 ago. 2006.

[5] SEMINÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2003. Justiça em números: indicadores estatísticos da Justiça Federal, 2003, págs. 3 e 6. Disponível em: . Acesso em: 2 ago. 2006.

[6] CASTRO, Rodrigo Badaró de. O analfabetismo digital e o mundo jurídico. Disponível em:. Acesso em: 18 jul. 2006.

(Elaborado em agosto de 2006)

 

 

 

Leonardo Vieira Arruda

Analista de Comércio Exterior. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília, Especialista em Integração da União Européia pelo Instituto Tecnológico Autônomo do México e Acadêmico de Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB.