Propaganda eleitoral: exigências, limites e possibilidades

1. Introdução

 

Diante da normatização vigente, a propaganda eleitoral enquanto elemento indispensável e estratégico para a captação lícita de sufrágio obedece limites de forma, tempo (1 ) e conteúdo (2), sendo seu controle pela Justiça Eleitoral de essencial importância ao impedimento de excessos e preservação da igualdade entre candidatos.

Polêmico em alguns aspectos, o tema é amplo e em caso de desrespeito às normas, há previsão de multas elevadas e declaração de inelegibilidade aos infratores, além de punições na esfera criminal.

Este despretensioso artigo não analisa a totalidade das hipóteses previstas, restringindo-se, singelamente, algumas situações previstas pela Lei Eleitoral (9.504/97) e à Resolução Nº 21.610 (3) do Tribunal Superior Eleitoral no período da propaganda lícita.

2. Conceitos

Propaganda, do latim propagare, significa propagação ou divulgação de determinada informação, idéia, nome, etc. Em seu clássico, abordando esta seara, Fávila Ribeiro (4) aduz com precisão:

"Despreza a propaganda a argumentação racional, prescindindo do esforço persuasivo para demonstração lógica da procedência de um tema. Procura, isto sim, desencadear, ostensiva ou veladamente, estados emocionais que possam exercer influência sobre pessoas. Por isso mesmo, com a propaganda não se coaduna a análise crítica de diferentes posições, desde que procura induzir por recursos que atuam diretamente no sub-consciente individual".

Joel Cândido define propaganda eleitoral como "uma forma de captação de votos usada pelos Partidos Políticos, Coligações e Candidatos, em época delimitada por lei, através da divulgação de suas propostas, visando a eleição a cargos eletivos". (5)

Instado a se manifestar, o Tribunal Superior Eleitoral sedimentou:

"Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, embora de forma dissimulada, a candidatura, mesmo apenas postulada, e a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública. Sem tais características, poderá haver mera promoção pessoal - apta, em determinadas circunstâncias, a configurar abuso de poder econômico - mas não propaganda eleitoral. (6).

3. Candidato a Vice

Na propaganda do candidato a Prefeito, deverá constar obrigatoriamente o nome do candidato a Vice, de modo claro e legível. A exigência foi introduzida pela Resolução Nº 21.610 e visa assegurar à população que conheça por inteiro a chapa majoritária que concorre ao pleito.

A redação merece aplausos pois se o Código Eleitoral dispõe que o voto dado ao titular estende-se ao respectivo vice (art. 178), sendo este, portanto, também eleito - respeitados os que entendem de forma diversa - não há nenhum sentido mantê-lo alijado da publicidade eleitoral.

O argumento se fortalece na medida que em inúmeros casos, após a eleição ou posse e por motivos diversos (renúncia, cassação, afastamento, etc), o Vice assume o Executivo. Com esta determinação resolutiva, não haverá risco de ocorrer uma legitimidade fictícia.

4. Bens públicos de uso comum e particulares

Conforme o artigo 98 do Código Civil, "São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem".

Para Hely Lopes Meirelles, "Bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis, e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e paraestatais" (7).

Nos bens públicos de uso comum é vedada a pichação, inscrição a tinta, colagem ou fixação de cartazes, ressalvada a fixação de faixas, estandartes e assemelhados em pontes, passarelas, viadutos e postes de iluminação pública, segundo diz a Lei 9.504/97, em seu art. 37, caput.

A polêmica, registrada por bem fundamentados votos divergentes do TSE, está na definição de que bens de uso comum, para fins eleitorais, são os definidos pelo Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, igrejas, templos religiosos, ginásios, estádios de futebol, ainda que de propriedade privada, conforme estabeleceu expressamente o §1º do artigo 14 da antes mencionada Resolução.

Assim, por exemplo, se um hospital é privado mas recebe verbas de cofres públicos, está proibido de veicular propaganda eleitoral em suas dependências, conforme decidiu o TSE no RESPE 19.711/CE. (8)

Sobredita vedação também atinge os táxis. Embora o veículo seja particular, o serviço de transporte coletivo prestado depende de permissão ou licença do poder público, o que atrai a incidência do dispositivo da Lei Eleitoral ora enfocado, segundo decidiu o AG 2.890/01, relatado pelo Ministro Fernando Neves da Silva, DJ 31.08.2001.

Neste aspecto, a legislação foi explícita e rigorosa mas não escoteira, vez que em pleitos anteriores o TSE já vinha impondo limites à propaganda eleitoral em propriedades particulares, mesmo que os diplomas então vigentes, casuísticos e temporários não disciplinassem especificamente. (10) Conforme esclareceu o AG 2.124/RJ, "ao vedar a veiculação de propaganda eleitoral em tais locais, esta Corte instituiu uma restrição sobre a propriedade privada usando o poder de polícia que tem a Administração Pública para disciplinar e restringir, em favor do interesse público, direitos e liberdades individuais". (10)

4. Meios de comunicação

Relativamente aos meios de comunicação, instrumentos vitais de propaganda, dentre outras condutas, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiários, usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, bem como veicular programa com esse efeito e, ainda, dar-lhes tratamento privilegiado.

A restrição é interpretada tão severamente que parlamentares que utilizam programas nestes meios devem deles se afastar previamente ao período da propaganda lícita, conforme o seguinte entendimento do TSE:

Consulta. Parlamentar. Eleitores. Informações sobre exercício de mandato eletivo. Possibilidade. Precedentes. Limitações. Lei Eleitoral. Excessos. Caracterização. Abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. Art. 22 da Lei Complementar nº 64/90. Propaganda eleitoral antecipada. Art. 36 da Lei nº 9.504/97.

1. O parlamentar que utilize horário pago em rede de rádio ou de televisão para prestar informações sobre seu mandato deverá, a partir de sua escolha em convenção partidária, interromper essa atividade para disputar cargo eletivo, após o que lhe será permitido tão-somente acesso à propaganda eleitoral gratuita, assegurado a todos os concorrentes no pleito. 2. Caso o parlamentar não concorra a nenhum cargo eletivo, não sofrerá as limitações impostas pela legislação eleitoral, podendo manter sua participação nas emissoras de comunicação social para dar conta de suas atividades à população. 3. Desvirtuamentos na prestação de informações aos eleitores podem vir a caracterizar abuso do poder econômico, uso indevido dos meios de comunicação social ou propaganda eleitoral antecipada, mesmo que em benefício de terceiro. (11)

 

Quanto aos impressos, conforme o §3º do artigo 22 da multicitada Resolução Nº 21.610/04, não caracteriza propaganda eleitoral a divulgação de opinião favorável a candidato, partido ou coligação, mas abusos e excessos, assim como as demais formas de uso indevido dos meios de comunicação poderão ser apurados e punidos na forma do artigo 22 da Lei Complementar Nº 64, de 18 de maio de 1990.

A distinção de tratamento entre os aludidos veículos decorre do fato de que a mídia eletrônica necessita de concessão ou autorização pública, enquanto que os demais não, segundo expressa disposição constitucional. (12)

Oportuno destacar que o Tribunal Superior Eleitoral já vinha reconhecendo estas diferenças em decisões que concluíram não haver "qualquer óbice legal a que veículos de comunicação, além de informar, assumam posição em relação aos pleitos eleitorais e seus participantes, sem que tal ato, por si só, configure propaganda eleitoral ilícita", conforme o AG 2.602/SP, relatado pelo Ministro Fernando Neves da Silva e publicado no DJ de 05.06.2001, dentre inúmeros outros julgados.

Recentemente, o Ministro Luiz Carlos Madeira destacou o papel da mídia impressa e ressaltou que "os jornais não podem fazer um equilíbrio matemático da divulgação das candidaturas". (13)

5. Direito do autor

O artigo 71 da Resolução Nº 21.610 determina que a propaganda eleitoral deve respeitar o direito do autor protegido pela Constituição Federal (art. 5º, XXVII) a sob a disciplina da Lei 9.610/98. (14)

O tema foi analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral quando expediu a Resolução Nº 21.078 (15) que, por sua vez, acolheu exposição formulada pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) sobre o assunto.

Fixou-se determinação no sentido de que a utilização de qualquer fruto da criação intelectual (som, voz, imagem, etc) depende da autorização de seu autor ou titular, cabendo à Justiça Eleitoral adotar as providências necessárias para coibir toda e qualquer irregularidade que venha a ocorrer, inclusive fazendo cessar imediatamente qualquer abuso ou ilegalidade, ainda que a representação seja oferecida pelo prejudicado que não se inclua entre os legitimados pela legislação eleitoral. À Justiça Comum caberá examinar e julgar os pedidos de indenização por violação ao direito autoral ou por prejuízos materiais e morais causados, inclusive a terceiros.

Pelo fato de consubstanciar patrimônio e determinar custo na sua manutenção e proteção, produtos, nomes, marcas comerciais, expressões publicitárias, slogans, títulos, cenários, bordões, formatos de programas de televisão e uma infinidade de possibilidades, para ingressar na esfera da propaganda eleitoral e nela serem reproduzidos, deverão ter submissão prévia a quem destas dispuser, sob pena do proveito indevido.

6. Candidatura indeferida

O artigo 17 da Resolução Nº 21.610 assegura que "O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à sua campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito para sua propaganda, no rádio e na televisão".

Ou seja: mesmo com registro indeferido, é lícito ao candidato que pratique atos típicos de campanha eleitoral, tais como confecção e distribuição de propaganda, montagem e inauguração de comitê, participação em comícios, sorteio e contratação de outdoors, etc. Porém, tudo "por sua conta e risco", conforme advertência expressamente consignada pelo artigo 60 da Resolução Nº 21.608 do TSE. (16)

7. Símbolos de Governo

Em dispositivo que visa impedir que a propaganda eleitoral seja afeiçoada e identificada à Administração Pública, o legislador tipificou penalmente a conduta, conforme a redação da Lei Eleitoral:

Art. 40. O uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR. (17)

A norma supra, que exige a efetiva ocorrência de propaganda, preserva os símbolos públicos evitando que os mesmos venham integrar material publicitário eleitoral com escopo indutivo ou condicionante. Além disso, a mesma adquire extraordinário vigor diante da possibilidade de reeleição dos titulares do Poder Executivo (EC Nº 16/97) sem a exigência de afastamento do cargo (ADIN 1.805-DF).

Já decidiu o TSE:

Recurso especial - Ação penal - Símbolos, frases ou imagens associadas à administração direta - Uso em propaganda eleitoral - Art. 40 da Lei nº 9.504/97 - Programa de prestação de contas à comunidade - Uso do brasão da prefeitura.

1. Para configurar o tipo penal do art. 40 da Lei nº 9.504/97, é imprescindível que o ato praticado seja tipicamente de propaganda eleitoral.

2. A utilização de atos de governo, nos quais seria lícito o uso de símbolos da Prefeitura, com finalidade eleitoral, pode, em tese, configurar abuso do poder político, a ser apurado em processo específico.

3. Recurso conhecido e provido. (17)

O voto do relator, ao referir a amplitude do dispositivo, consigna a seguinte passagem:

"O que a norma visa evitar e punir é que candidatos, por meio de qualquer símbolo utilizado pelo Executivo local, tentem associar sua campanha à administração".

8. Véspera e dia da eleição (18)

A possibilidade de propaganda é restrita na véspera e durante todo o dia do pleito. A tanto, especificamente sobre este último, a Lei 9.504/97 dispõe de forma severa e objetiva:

Art. 39.

(...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: (20)

I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;

II - a distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendentes a influir na vontade do eleitor.

Além do Código e da Lei Eleitoral, algumas Resoluções e decisões do Tribunal Superior Eleitoral regulamentando situações específicas fixaram limites de comportamento.

Vinculada à conduta acima, a vetusta mas não menos didática Resolução Nº 14.708 (21) diz que é lícita a manifestação individual e silenciosa, no dia da eleição, da preferência do cidadão por partido político, coligação ou candidato, incluída a que figure no próprio vestuário ou no porte de bandeira ou de flâmula ou pela utilização de adesivos em veículos ou objetos de que tenha posse.

No mesmo tema, a Resolução Nº 21.235/DF (22) assentou que não caracteriza a hipótese descrita no caput do artigo 35 da Lei Eleitoral, a entrega ou a distribuição de material de propaganda eleitoral no interior das sedes dos partidos e comitês eleitorais, a quem o solicite.

Também é permitida, segundo decidiu o Mandado de Segurança 3.107/MG (23), na véspera do dia da eleição, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos, desde que os microfones não sejam usados para transformar o ato em comício.

9. Finalidades

Relativamente às exigências e restrições acima exemplificativamente destacadas, as mesmas tem por objetivo garantir maior igualdade entre os candidatos ao pleito e evitar a ocorrência do sempre desprezível abuso de poder em qualquer de suas modalidades, conforme remansosa jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral segundo a qual, "Os meios de propaganda para cada candidato devem ser, dentro do possível, equivalentes, com acesso mais ou menos uniforme a todos os participantes do pleito" (AG 2.124/RJ).

10. Notas:

1. A propaganda eleitoral somente será permitida a partir de 6 de julho de 2004 (Lei Nº 9.504/97, art. 36, caput).

2. V. Código Eleitoral, art. 243, incisos I a X.

3. Instrução Nº 75 - Rel. Min. Fernando Neves da Silva - DJ 05.02.2004.

4. Direito Eleitoral, Forense, 2ª ed., p. 289.

5. Direito Eleitoral Brasileiro, 9ª ed., Bauru, Edipro, 2001, p. 153.

6. Cfr.: RESPE 16.426/MT - Rel. Min. Fernando Neves da Silva - DJ 09.03.2001; RESPE 16.183/MG - Rel. Min. Eduardo Alckmin - DJ  31.03.2000; RESPE 15.732/MA - Rel. Min. Eduardo Alckmin - DJ 07.05.1999.

7. Direito Administrativo Brasileiro, 20ª edição, Malheiros, São Paulo, SP, p. 430.

8. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins - DJ 21.11.2003 - p. 162.

9. Vide, a propósito, as seguintes Resoluções do TSE: 12.924 (pleito de 1986), 14.466 (1988), 14.999 (1989), 16.402 (1990), 17.891 (1992) e 14.234 (1994).

10. Red. Designado Min. Eduardo Alckmin - DJ 16.06.2000 - p. 104 - maioria.

11. CTA 987/DF - DJ 16.03.2004 - p. 79.

12. CF/88, Art. 220, §6º: "A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade".

13. Correio do Povo/RS, 28.08.2004, p. 2.

14. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

15. Rel. Min. Fernando Neves da Silva - DJ 24.05.2002 - p.143.

16. Instrução Nº 73 - Rel. Min. Fernando Neves da Silva - DJ 05.02.2004.

17. R$10.641,00 (dez mil seiscentos e quarenta e um reais) a R$21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais) respectivamente - Res. 21.510/TSE (art. 49).

18. RJTSE 14/3/226.

19. Sobre a data da eleição: Lei 9.504/97, arts, 1º, caput e 2º, § 1º.

20. R$ 5.320,50 (Cinco mil trezentos e vinte reais e cinqüenta centavos) e R$ 15.961,50 (Quinze mil novecentos e sessenta e um reais e cinqüenta centavos) respectivamente - Res. 21.610/TSE (art. 48).

21. Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ 26.09.1994 - p. 25.568.

22. Rel. Min. Fernando Neves da Silva - DJ 09.10.2002 - p. 287.

23. Rel. Min. Fernando Neves da Silva - DJ 13.12.2002 - p. 211.

(Elaborado em setembro/2004)

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Antônio Augusto Mayer dos Santos

Advogado eleitoralista, Consultor, Professor de Direito Eleitoral (ESAPP).
Email: aaugusto.voy@terra.com.br