Um sexto inconstitucional
Uma vez declarada a inconstitucional a vedação da progressão de regime nos delitos classificados como hediondos e seus equiparados, prevista no § 1º do art. 2º da lei 8.072/90, haverá no sistema de execução das penas dos condenados por tais delitos uma mudança de norte à sul.
É que, antes da declaração da inconstitucionalidade do referido dispositivo, os condenados nos termos da lei 8.072/90, só alcançavam a liberdade, através do instituto do Livramento Condicional após o cumprimento de 2/3 da reprimenda.
Hoje com decisão proferida pelo plenário da Corte Suprema, os condenados por crimes tidos como hediondos e equiparados poderão ter direito à progressão de regime, prevista no art. 112 da Lei. 7.210/84, sempre que cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos.
Convém, contudo, ressaltar que a decisão que declarou inconstitucional a vedação da progressão de regime nos delitos em comento, foi proferida através do controle difuso de constitucionalidade, assim, para ter eficácia erga omnis, a decisão deve ser encaminhada ao Senado Federal, para que este, caso entenda, suspenda a execução da norma.
Voltando ao assunto, o requisito objetivo para a obtenção da progressão de regime é o cumprimento do lapso temporal exigido pela lei, que no caso dos crimes comuns é 1/6 da pena imposta (art. 112 da Lei 7.210/84).
Ocorre que, na Lei 8.072/90 não há previsão do quantum da pena deve ser cumprida para a obtenção da progressão de regime, pela razão óbvia de que tal benefício era vedado por aquela norma.
Assim, se a vedação da progressão de regimes é inconstitucional por ferir o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º inciso XLVI) e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º inciso III), temos que também será inconstitucional a concessão da progressão no cumprimento do quantum de 1/6 da pena.
Ad argumentandum, se a própria Carta Magna dispensou tratamento diferenciado aos crimes hediondos e seus equiparados (art. 5º, inciso XLIII), com mais razão ainda, será inconstitucional conceder a progressão de regime através do cumprimento de 1/6 da reprimenda.
Isto porque, se na execução da pena for dado igual tratamento aos crimes comuns e à aqueles que, pela própria natureza hedionda foram elencados em lei especial, estará, data maxima venia, sem sombra da menor dúvida ferido o princípio constitucional da isonomia, que na feliz maxima de Ruy Barbosa, consiste em tratar o iguais de maneira igual, e os desiguais de maneira desigual.
Neste sentido convergiu o posicionamento do excelentíssimo senhor ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, no HC 82.959 – 7, in verbis:
“Acontece que essa utilização do parâmetro uniforme de pelo menos 1/6 da pena judicialmente aplicada redunda em tratamento jurídico igual para situações ontologicamente desiguais. Pois não se pode obscurecer o fato de que, pelo inciso VLIII do art. 5º da Magna Carta Federal, é sonegado às pessoas condenadas por crimes hediondos o acesso a determinados benefícios que ela, Constituição, deixou de interditar aos acusados por delitos comuns.”
Portanto, proibir a vedação da progressão de regime por ser inconstitucional e aplicar a concessão do beneficio no cumprimento do requisito objetivo através do quantum de um 1/6 da pena imposta, seria o mesmo que “trocar seis, por meia dúzia”, já que, ha nosso humilde ver, ambas contém vícios de constitucionalidade.
Finalmente, à luz da questão, restaria como premiada forma resolução do problema, a edição, pelo competente Poder Legislativo, de norma legal específica, a qual determinaria o quantum da pena deverá ser cumprida, para que o condenado por crimes hediondos e equiparados possa fazer jus à progressão de regime.
Cássio Arantes do Nascimento
Bacharelando em Direito pela Universidade de Rio Verde e Secretário Auxiliar do Ministério Público do Estado de Goiás.