Título executivo extrajudicial e a opção pelo processo de conhecimento: afinal, há alguma vantagem?

O CPC de 2015 inovou ao assegurar ao credor de título executivo extrajudicial a faculdade de ingressar com demanda de conhecimento visando obter título judicial (art. 785). Não obstante, parece contraditória tal previsão e suscetível de críticas doutrinárias, levantando dúvidas sobre sua real utilidade, sendo este o objetivo do presente trabalho

Diz o art. 785 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que “a existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial”. 

O dispositivo parece contraditório e, não obstante, põe fim a um antigo debate da doutrina, consistente em saber se o titular de título executivo teria, ou não, interesse de agir para buscar seu crédito por meio de processo de conhecimento. É que não haveria utilidade no provimento jurisdicional postulado, que é um dos requisitos inerentes ao interesse de agir.

Cássio Scarpinella Bueno, embora não vislumbre qualquer inconstitucionalidade no art. 785, não deixa de tecer ácidas críticas ao preceptivo legal:

Penso que a previsão não tem razão de ser. Se há título executivo, não há justificativa para pleitear, do Estado-juiz, tutela jurisdicional outra que não a executiva. Não há por que reconhecer “duas vezes” o direito aplicável ao caso, criando a partir de um título executivo (extrajudicial) um outro título executivo (judicial). Eventual dúvida do credor sobre ter, ou não, título executivo extrajudicial é questão diversa que não poderia ser resolvida da forma como propõe o dispositivo. Menos ainda quando o CPC de 2015 preservou, em seus arts. 700 a 702, a “ação monitória”, e o fez sem prejuízo da tutela provisória, que também pode ter como fundamento a evidência (art. 311, II a IV).[1].

Então, qual seria a mens legis do mencionado comando legal e qual sua utilidade prática? Tão intrigantes questões inspiraram a confecção deste breve ensaio, que não tem a pretensão de esgotar o tema, apenas perquirir acerca das vantagens e/ou desvantagens da inovação legal. 

É evidente que o escopo da nova regra é assegurar a máxima efetividade ao direito da parte, garantindo-lhe a melhor forma de tutela do seu crédito. Outro ponto positivo é a ampliação da cognição e a facilitação do exercício do direito de defesa pelo devedor, que não precisará se defender através de embargos.

Leonardo Carneiro da Cunha, em comentários ao art. 785, lembra que o “processo de conhecimento pode acarretar uma sentença de procedência, apta à formação de coisa julgada material, tornando a questão principal indiscutível”, além do que vislumbra outra vantagem nesta faculdade, a saber: a possibilidade de incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do crédito em caso de não haver o pagamento voluntário, além de limitar a defesa do executado na fase executiva[2].

Sob outro prisma, é provável que o credor, ao propor demanda pelo procedimento comum, instruirá sua petição inicial com o título executivo e o réu, citado, não apresentará contraprova capaz de incutir dúvida razoável no magistrado, de modo que seria facilmente concedida tutela de evidência com fundamento no art. 311, inciso IV, do CPC. E mais. Será possível o cumprimento provisório deste decisum, intimando-se o réu para pagar o débito no prazo de quinze dias sob pena do acréscimo de multa de 10% (dez por cento) e honorários advocatícios em igual percentual (inteligência do art. 520, §§ 2º e 3º).

Além disso, optando pelo processo de conhecimento, ficará o devedor privado do direito à moratória legal, ou seja, não poderá reconhecer o débito e requerer o seu parcelamento, porque tal prerrogativa foi expressamente afastada do cumprimento de sentença pelo art. 916, § 7º, do CPC.  

Em suma, vê-se que a opção traz algumas vantagens ao exequente, mas pode atrasar a satisfação da obrigação, propiciando ao devedor a utilização de manobras protelatórias. 


Notas:

[1] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único: inteiramente estruturado à luz do novo CPC. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 538. 

[2] STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (org.); FREIRE, Alexandre (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1.035. 

Data da conclusão/última revisão: 06.05.2020

 

 

 

Renato Pessoa Manucci

Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS no período de abril de 2015 a janeiro de 2018. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2011). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista. Advogado e Professor.