A Reforma Tributária e o Desenvolvimento Econômico
Sumário: 1. Introdução; 2. Principais pontos da reforma tributária em discussão e suas conseqüências; 3. Custo tributário; 4. Desenvolvimento econômico; 5. Conclusão.
1. Introdução
O Estado como ente organizado nasce da concepção do "contrato social", onde, de um lado temos o cidadão se submetendo a regras de convivência social, e de outro, a criação de um ente ficto que manterá uma estrutura para proporcionar o bem comum a todos os cidadãos.
No estado nacional o papel desse ente ficto está estabelecido no artigo 3º da Constituição Federal, transcrito in verbis:
"Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."
Dessa forma, para que o estado cumpra o seu papel, duas atividades serão inerentes à sua existência: administrativa e financeira.
A atividade administrativa consiste justamente na execução e no pleno exercício de atividades que propiciem o bem comum previsto no artigo 3º da Constituição Federal anteriormente citado.
Porém, para o cumprimento da atividade administrativa é sabido que será necessário à realização de despesas públicas que trata do empenho da receita pública para o pleno funcionamento Estado.
De outro lado, teremos a atividade financeira do Estado consistente na arrecadação de recursos financeiros necessários para implementar as atividades administrativas e atingir o bem comum. Basicamente, o Estado para o cumprimento de sua atividade administrativa buscará recursos através de fontes de receitas originárias e derivadas. As originárias compreendem a arrecadação proveniente da própria exploração dos bens públicos através da cobrança do preço público. Já a derivada pressupõe a arrecadação através da atividade tributária (impostos, taxas e contribuições) e da aplicação de penalidades pelo Estado.
Nesse ponto é que encontramos a ligação entre a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional e o desenvolvimento econômico.
É que é sabido que sendo a fonte derivada a principal fonte de receita pública, é dela que o Estado extrai os recursos necessários ao cumprimento de sua função constitucional.
Ocorre, que por várias razões, há muito tempo o caixa governamental não consegue estabelecer uma relação de equilíbrio entre despesas e receitas, até que se chegou a brilhante idéia de uma reforma tributária.
Ora, será a reforma tributária a solução para o déficit do caixa governamental ?
Poderia até ser, no entanto, como se vê ao longo da história, sempre que o caixa for insuficiente para o pagamento das despesas, a solução primária é a de reavaliar os custos, o que me parece não ter sido feito a bom termo no Brasil.
Por outro lado, é de se considerar também que a atividade tributária serve como instrumento regulamentador, permitindo a intervenção econômica no mercado por parte do governo, de forma a restabelecer o equilíbrio social, o que parece que também não vem sendo realizado muito bem no Brasil, o que justificaria em parte uma reforma tributária.
Em princípio temos duas resposta, - a reforma tributária não é a solução única para o déficit do caixa governamental; - a reforma tributária pode permitir um ajuste no equilíbrio social através de uma intervenção coerente.
2. Principais pontos da reforma tributária em discussão e suas conseqüências
Longe de um consenso sobre a redação final do projeto de reforma, muitas discussões pairam nos corredores do Congresso Nacional.
Ocorre, que a população brasileira acompanha estarrecidamente pelos noticiários o desembaraçar da tal reforma tributária e se assusta com a negociata que norteia o tema, haja vista que o seu epicentro é justamente o aumento da carga tributária, como se vê dos principais pontos de alteração:
TRIBUTO
SITUAÇÃO HOJE
PROPOSTA
OBJETIVO
EFEITOS
ICMS
Possui hoje 27 legislações de âmbito estadual com 44 alíquotas distintas
Teria uma legislação única federal com 5 alíquotas, cabendo aos Estados a classificação dos produtos por alíquotas
Eliminar a guerra fiscal existente entre os Estados
A tendência é que para compensar o caixa, os Estados apliquem a alíquota máxima em quase todos os produtos
COFINS
É disciplinada por legislação federal com alíquota em regra de 3% sobre o faturamento das empresas e é cumulativa em cada etapa de produção
Deixará de ser cumulativa, porém, incidirá sobre o valor adicionado, ou seja, sobre o ganho que ocorrer em cada etapa de produção
Baratear o custo dos produtos que passam por várias etapas de produção
A alíquota deverá subir para compensar uma eventual perda de receita
CPMF
É provisória e incide no percentual de 0,38% sobre as operações em conta corrente bancária
Torna-se definitiva e terá alíquotas variáveis, sendo o máximo de 0,38%
Fonte adicional de arrecadação
Por se tornar imposto, poderá ocorrer aumento na alíquota, inclusive superior ao da proposta
CIDE
Incide sobre a venda de combustíveis de forma a regular o mercado
Os Estados passariam a receber 25% da arrecadação do tributo
Reestruturar o caixa dos Estados
O Governo federal pode ser pressionado pelo aumento na alíquota
IPI
Incide sobre os produtos industrializados e possui alíquotas que variam de 0 a 300%
Excluir a incidência sobre bens de produção
Estimular investimentos em produção
Pode provocar uma substancial queda na arrecadação o que geraria necessidade de compensação em outros tributos
PIS
Incide sobre o faturamento nas etapas de produção com alíquota de 1,65%
Passará a incidir também sobre as importações
Equilibrar o mercado interno com o mercado externo
Elevação da receita
ITBI
Possui alíquota de 2% e incide sobre a movimentação de bens imóveis
Progressividade da alíquota
Redistribuição de renda
Aumento desenfreado das alíquotas que são fixadas pelos municípios
IMPOSTO SOBRE HERANÇA
Atual ITCMD tem alíquota uniforme de 4%
Progressividade da alíquota
Redistribuição de renda
Aumento desenfreado das alíquotas que são fixadas pelos Estados, podendo chegar a 15%
IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO
Recai sobre produtos importados com alíquota variável
Incidiria também sobre serviços
Equilibrar o mercado interno com o mercado externo
Elevação de receita
IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO
Recai sobre produtos exportados com alíquota variável
Incidiria também sobre serviços
Uniformizar a atividade econômica
Perda de competitividade externa
IPVA
Incide sobre veículos automotores com alíquotas fixas por tipo de veículo
Sobre veículos aéreos e aquáticos as alíquotas seriam diferenciadas
Justiça tributária
Aumento das alíquotas que são fixadas pelos estados
TAXA DO LIXO
São cobradas por alguns municípios sobre a produção individual de lixo
Previsão constitucional
Evitar questionamentos judiciais
Abuso por partes dos municípios na fixação das alíquotas
Fonte: Folha de São Paulo24/08/2003 A8; Folha de São Paulo 07/09/2003 A13
Como se vê, a maior preocupação dos especialistas é que a mobilidade na fixação das alíquotas permitirá uma maior liberdade por parte dos entes tributantes na movimentação dessas alíquotas, e que ninguém duvide - para cima.
Dois pontos neste sentido nos preocupam, de um lado é a forma como a questão está sendo dirigida, e de outro, é a manutenção da incidência da carga tributária sobre produção, consumo e investimento.
No tocante a condução do processo de reforma tributária o que se assiste é desolador, chega a ser pior que as noticias de violência urbana noticiadas diariamente, posto que violam o que há de mais importante para o ser humano - a esperança.
Estamos vendo o futuro do Brasil sendo traçado por negociatas, ferindo as bases do Estado Democrático de Direito, pois a população que pagará o custo advindo da reforma ainda não foi ouvida no processo, apenas assiste.
A condução nos apresenta uma situação unilateral (só o estado está participando), impositiva e injusta, ferindo essencialmente o que insculpiu o próprio legislador no inciso I do artigo 3º sobre os objetivos nacionais : I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Por outro lado, a manutenção voraz da incidência da carga tributária sobre produção, consumo e investimento levará a instituição de um freio no processo de desenvolvimento econômico nacional, e frise-se, - é a atividade produtiva a única saída para nos tornarmos um país desenvolvido e com mínimas desigualdades sociais.
3. Custo tributário
Talvez algumas pessoas ainda estejam indiferentes a essa discussão da reforma tributária e o possível aumento no custo tributário, mas essa indiferença não se justifica em razão dos números alarmantes que estamos produzindo em matéria tributária.
Senão vejamos:
DÉCADA/ANO
CUSTO TRIBUTÁRIO MÉDIO ANUAL FAMILIAR (4 PESSOAS)
Nº DE DIAS DE TRABALHO PARA PAGAR A CARGA TRIBUTÁRIA FAMILIAR
70
07,00%
25 dias
80
12,00%
44 dias
90
14,00%
51 dias
2000
24,00%
88 dias
2002
27,00%
98 dias
Fonte: IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário
E o que mais impressiona é que essa escala crescente não para, tanto que os especialistas estimam que em 2003 o custo médio familiar será de 36% da renda o que implicaria em uma média de 132 dias trabalhados no ano para pagar tributos.
Caso então, a reforma tributária seja aprovada nos moldes em que se encontra o projeto, o custo estimado para 2005, sendo a reforma aprovada até dezembro de 2004, será em torno de 41% o que implica em dizer que precisaremos trabalhar 150 dias no ano só para pagar tributos.
Para impressionar um pouco mais, podemos fazer essa mesma estimativa sobre o prato do brasileiro:
PRODUTO
INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA MÉDIA
Arroz, feijão, farinha, óleo, sal, margarina, leite, carne, pão, ovo, pescado, queijo
14,71%
Macarrão
25,71%
Açúcar
18,83%
Frutas, legumes e hortaliças
07,71%
Fonte: Fórum Brasil Cidadão
Ou seja, existem produtos da mesa do brasileiro que poderiam chegar ¼ mais baratos, o que nos faz concluir, data máxima vênia, "a fome é zero" mais o tributo é alto ! ".
4. Desenvolvimento Econômico
Claro está que existe um erro de avaliação, vez que se está depositando na reforma tributária todas as esperanças para que o país retome o crescimento a partir do equilíbrio do caixa governamental, no entanto, não é o governo a mola mestra para o desenvolvimento econômico e sim a atividade empresarial.
Por outro lado, temos que levar em consideração que nosso país vive em um regime econômico capitalista, onde o desenvolvimento econômico está assentado em um eixo composto por quatro elementos: produção, trabalho, renda e consumo.
A produção como já dissemos nasce a partir da atividade empresarial, o que significa dizer que precisamos de uma atividade empresarial forte para poder gerar postos de trabalho; gerando postos de trabalho, certamente vamos gerar renda; gerando renda, certamente teremos consumo; tendo consumo, certamente vamos gerar mais necessidade de produção, ou seja, assim funciona o desenvolvimento econômico, girando a roda.
Só que a atividade empresarial não vai poder se desenvolver porque a produção no país é mais cara que a especulação; sem produção não temos emprego; sem emprego não temos consumo; sem consumo não temos empresas; sem empresas não temos desenvolvimento econômico, ou seja, é a política do não desenvolvimento econômico.
Ou seja, estamos entrando no círculo vicioso do antidesenvolvimento que vai levar o país para um precipício sem precedentes, e assim fica a pergunta: - quem vai cumprir o inciso II do artigo 3º da Constituição Federal ?
5. Conclusão
Certamente estamos todos buscando uma resposta que solucione esse impasse, o que é muito difícil, pois se fizermos uma análise fria, o desenvolvimento econômico parte da premissa de que temos que investir na atividade empresarial brasileira, o que não tem merecido nenhuma atenção por parte de nossos governantes.
Além disso, temos que levar em consideração que além de tudo, estamos vivendo em uma economia globalizada, e que nossas empresas estão competindo com empresas estrangeiras, mais do que isso, muitas dessas empresas são de países desenvolvidos onde a produção é subsidiada pelo governo local, o que significa dizer: produtos e serviços mais baratos, gerando uma perda de competitividade da empresa nacional.
Ademais, a empresa brasileira para financiar a produção, conta exclusivamente com recursos do mercado financeiro, já que inexiste política de financiamento público, e como todos bem sabem, financiamento obtido no mercado financeiro é extremamente caro em razão dos altos juros praticados pelas taxas fixadas pelo próprio governo federal.
Ora, estamos de fato diante de um impasse, no entanto, uma conclusão é certa, independentemente da solução que se vá buscar para retomar o desenvolvimento econômico do país, aumentar tributos como prevê o projeto de reforma tributária não é a solução, haja vista que o aumento de tributos vai implicar no corte de custos por parte das empresas, o que significa dizer entre outras coisas, redução de postos de trabalho, o que implica em redução de renda e que fatalmente vai levar a redução do consumo proporcionando uma estagnação ou retração na atividade empresarial brasileira e por via de conseqüência no desenvolvimento econômico.
Concluindo, se não bastassem todos esses fatos, temos ainda um dado curioso que afeta por demais a estima do brasileiro, o de saber que enquanto o brasileiro vive com um salário médio mensal de R$ 459,00 (quatrocentos e cinqüenta e nove reais) para custear os bens de consumo desejáveis, além daqueles que deveriam ser proporcionados pelo Estado mas que não o são, na Europa a vaca, sim o animal, recebe investimento médio da ordem de US$ 800 (oitocentos dólares), ou seja, somos menos que vacas !
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Sérgio Gabriel
Graduado em Direito e Administração de Empresas; Pós-graduado em Administração de Empresas pela FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado; Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES - Universidade Metropolitana de Santos, Advogado e Consultor Legal; Professor Universitário nas disciplinas de Direito Empresarial e Direito Tributário da USF - Universidade São Francisco; Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL - Universidade Cruzeiro do Sul.