Democracia, participação e controle social: o Estuto do idoso e os conselhos gestores de políticas

Sumário: Introdução; 1 Conselhos gestores de políticas públicas: natureza e composição; 2 Atribuições dos conselhos; 3 Conselhos de direitos do idoso: as especificidades de um segmento; 4 Fundos da política do idoso; 5 Direitos do idoso; Considerações finais; Referências.

Resumo: O presente artigo apresenta à academia a discussão, posta junto à comunidade uberabense, acerca dos conselhos gestores de políticas públicas, com ênfase no segmento do idoso. Tem, pois, como objetivo difundir a temática dos conselhos e dos direitos do idoso, principalmente entre os acadêmicos e profissionais do direito, já que eles têm um papel fundamental na construção / defesa do Estado Democrático de Direito e de suas instituições e na ampliação e consolidação de uma cultura jurídica crítica.

Palavras-chave: Conselhos, Estatuto do Idoso, Política Nacional do Idoso, Controle Social, Democracia Direta.

Introdução

Na década de 1990, em resposta aos movimentos sociais de 1970 e 1980, o Brasil assistiu a luta e a legalização da democracia instituída na constituição de 1988, que em seu art.1º, § único, expõe que “Todo poder emana do povo, que o exerce indiretamente, por representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta constituição”.

A constituição de 1988 prevê a criação de canais de participação: conselhos, conferências, fóruns, orçamento participativo, plebiscito, iniciativa popular de lei e referendo. Com a promulgação da referida constituição, a edição de legislações sociais e a política de descentralização administrativa do Estado, houve uma generalização das gestões participativas e do controle social, principalmente por oferta estatal, como, por exemplo, os conselhos vinculados ao repasse de verbas federais aos municípios (Nesse sentido, ver: CARVALHO, Maria do Carmo A. A Participação no Brasil hoje).

Os conselhos, então, são resultado dessas lutas dos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980 contra o autoritarismo, a corrupção, o corporativismo dos tradicionais mecanismos de luta popular (partidos, sindicatos, associações...) e por melhores condições de vida, reivindicando espaços de controle social das políticas públicas sociais, até então dominadas pelos agentes estatais.

Os conselhos são uma tentativa de instituir mecanismos publicizadores na aplicação do dinheiro público, uma vez que cabe a eles a administração dos fundos de apoio às políticas sociais. Sendo assim, os conselhos surgem como estratégia dos cidadãos redirecionarem a gestão das políticas públicas em busca do acesso aos direitos e à cidadania.

Os conselhos são, ainda, uma forma de os cidadãos reconquistarem a soberania popular na gestão do bem público, o que dependerá da democratização da cultura política da sociedade, assim como da publicização de todas as ações do Estado e da sociedade civil (Cf. RAICHELIS, Raquel. Esfera pública e conselhos de assistência social: caminhos da construção democrática, 2000 e __________, WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Desafios de uma gestão pública democrática na integração regional. Revista Serviço Social e Sociedade, 2004).

A Lei n. 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso – PNI, e que tem por objetivo assegurar os direitos sociais desse segmento (art. 1º), impôs, em caráter de obrigatoriedade, a criação de conselhos gestores nos três níveis da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Tendo a referida lei reservado, em seu Capítulo III, as normas relativas a organização e gestão da PNI, conferiu aos conselhos a prerrogativa de participação na coordenação geral de tal política por meio da supervisão, acompanhamento, fiscalização e avaliação (arts. 5º e 7º da Lei n. 8.842/94).

Atribuiu, ainda, aos conselhos o caráter permanente, paritário e deliberativo, garantindo, pois, sua composição por igual número de representantes dos órgãos e entidades governamentais e de organizações representativas da sociedade civil ligadas à área (art. 6º da Lei 8.842/94).

Posteriormente, o Estatuto do Idoso (Lei n.10.741/03) ampliou a competência dos conselhos quando lhes propugnou a tarefa de zelar pelo cumprimento de todos os direitos estabelecidos pelo estatuto (art. 7º da Lei n. 10.741/03).

E, no que se refere às entidades de atendimento ao idoso, o estatuto lhes conferiu a responsabilidade por sua própria manutenção. Apesar disso, deve-se destacar a obrigatoriedade do respeito às normas emanadas do poder público sob orientação dos conselhos, bem como a necessidade de inscrição dos programas de atenção ao idoso no conselho municipal, ou em sua falta, no conselho estadual ou nacional (art. 48 da Lei n. 10.741/03).

Essa disposição obriga as entidades de atendimento ao idoso a inscrever seus programas junto ao conselho para que possam concorrer às verbas destinadas pelo governo federal para esse segmento. Dessa forma, não havendo conselho municipal do idoso, aquelas entidades terão de concorrer aos recursos no âmbito estadual, o que pode se tornar um obstáculo à eficácia da PNI.

2 Conselhos gestores de políticas públicas: natureza e composição

Os conselhos gestores de políticas públicas são espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e Sociedade Civil, de natureza deliberativa e consultiva, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Os conselhos são, atualmente, o principal canal constitucional de participação popular encontrada nas três instâncias de governo (federal, estadual e municipal).

Os conselhos são espaços públicos porque constituem uma arena de debate e discussão na construção de acordos e na elaboração de políticas públicas. É, pois, o local de explicitação dos interesses, reconhecimento da existência das diferenças e da legitimidade do conflito e da troca de idéias como procedimento de tomada de decisões sobre a elaboração, acompanhamento, fiscalização e avaliação das políticas públicas (Cf. TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil, 2002.).

A composição dos conselhos é plural porque permite a participação de pessoas de qualquer gênero, crença religiosa, etnia, filiação partidária, convicção filosófica, ou seja, existe a possibilidade de que os conselhos sejam compostos por toda a pluralidade de pessoas que constituem a sociedade brasileira. Isso implica a adoção das diferenças como fator essencial na elaboração, supervisão, acompanhamento, fiscalização e avaliação das políticas públicas.

Com relação à paridade, significa que os conselhos devem ser compostos por um número par de conselheiros, sendo que para cada conselheiro representante do Estado, haverá um representante da sociedade civil (Por exemplo: se um conselho tiver 14 conselheiros, 7 serão representantes do Estado e 7 representarão a sociedade civil.).

A natureza deliberativa dos conselhos é sua capacidade própria de decidir sobre a formulação, controle, fiscalização, supervisão e avaliação das políticas públicas, inclusive nos assuntos referentes à definição e aplicação do orçamento, como instituição máxima de decisão. Por isso representa uma instância superior ao Estado. (Por exemplo: se o prefeito quiser desenvolver um projeto social e o conselho quiser a implantação de outro no lugar daquele, deve prevalecer a vontade do conselho, dado seu caráter deliberativo).

A natureza consultiva dos conselhos, por sua vez, significa que o Estado, para decidir sobre o direcionamento das políticas públicas, deve consultar o conselho correspondente ao setor/segmento em questão. O objetivo é atender às reais necessidades do setor/segmento a que se destinam as políticas públicas (Por exemplo: se o prefeito, juntamente com o secretário de saúde, resolve implantar um programa de saúde, antes deve consultar o conselho municipal de saúde que, por ser composto por profissionais, representantes de instituições que atuam no setor, usuários do serviço, entre outros, tem maior condição de conhecer os “problemas” de saúde do município.).

3 Atribuições dos conselhos

E qual é, então, o papel dos conselhos gestores de políticas no Estado Democrático de Direito? Promover o reordenamento das políticas públicas brasileiras rumo à governança democrática, podendo realizar diagnósticos, construir proposições, fazer denúncias de questões que corrompem o sentido e o significado do caráter público das políticas, entre outros. Significam, assim, o rompimento com a distância entre a participação popular e a esfera em que há as tomadas de decisões.

Sendo assim, conforme Tatagiba (2002), os conselhos podem ser criados para a formulação, acompanhamento e fiscalização de políticas públicas (assistência social, idoso, saúde, educação...), programas (programa bolsa-família, programa primeiro emprego, alimentação escolar...) ou por temas de trabalho (Mulher, Cultura, Esporte, Transporte...).

Os conselhos gestores da política do idoso não apenas podem, mas devem ser criados, pois a Política Nacional do Idoso – PNI (Lei n. 8.842/94) e o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03) obrigam a criação de conselhos de direitos do idoso nos governos federal, estaduais e municipais.

4 Conselhos de direitos do idoso: as especificidades de um segmento

Os conselhos de direitos do idoso são compostos por representantes de entidades governamentais e não-governamentais de atendimento ao idoso, pastorais da pessoa idosa, grupos de convivência de idosos, associações de aposentados, idosos usuários de serviços públicos, profissionais que atuam no atendimento ao idoso, entre outros que possuam vinculação ao segmento.

Os conselheiros representantes de entidades governamentais são indicados pelo chefe do Poder Executivo respectivo (União, Estados e Municípios) e os representantes de entidades não-governamentais são eleitos em fórum próprio ou na conferência bienal. A atividade de conselheiro não é remunerada, nem gera vínculo empregatício, sendo considerada atividade de relevância pública.

São atribuições dos conselheiros de direitos do idoso supervisionar, acompanhar, fiscalizar e avaliar a Política Nacional do Idoso – PNI nos Municípios, nos Estados e na União (art. 7º da PNI), além de zelar por todos os direitos do idoso definidos no estatuto (art. 7º do Estatuto do Idoso). Isso implica a competência de fiscalização das instituições governamentais e não-governamentais que atendem o idoso, as quais devem ser cadastradas junto ao conselho.

Para tanto, eles devem requisitar relatórios das entidades governamentais e não-governamentais de atendimento ao idoso; realizar visitas a estas instituições; promover fóruns de debates abertos à população; notificar a Vigilância Sanitária, o Ministério Público e o Poder Legislativo para informar infrações a direitos do idoso; garantir o efetivo controle social da política de atenção ao idoso, do orçamento e da gestão de fundos do idoso (nacional, estadual e municipal).

No que tange ao Estatuto do Idoso, os conselheiros deverão zelar pelos direitos do idoso supervisionando, acompanhando, fiscalizando e avaliando as Políticas Nacional, Estadual e Municipal do Idoso, além de receber e encaminhar denúncias, requisitar vistorias e elaborar relatórios para o Ministério Público e/ou para a Vigilância Sanitária, realizar e estimular campanhas de divulgação dos direitos do idoso, promover cursos de capacitação de cuidadores e de profissionais que atuam no atendimento ao idoso, bem como para conselheiros e demais interessados, exigir a publicidade das prestações de contas dos recursos públicos e privados recebidos pelas entidades de atendimento, entre outros.

Dessa forma, o grande desafio que se coloca aos conselheiros é: superar a fragilidade da Sociedade civil no que tange à sua formação, uma vez que não se pode negar o passado autoritário da história brasileira; superar a pouca capacitação técnica e política para a negociação e proposição de políticas públicas; buscar a transparência das gestões governamentais; estabelecer parcerias com a sociedade; lutar pela democratização da cultura política do Estado e sociedade, buscando a co-gestão de políticas públicas. Além de conhecer profundamente a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso.

5 Fundos da política do idoso

Os fundos de atenção à política do idoso são órgãos da administração pública, ou seja, compõem a administração direta do governo (federal, estadual ou municipal), porém são controlados pelo conselho de direitos do idoso correspondente (federal, estadual ou municipal). Têm como finalidade operacionalizar as políticas nacional, estadual e municipal do idoso, mediante o financiamento e fomento de projetos e programas de atenção ao idoso, bem como o apoio a entidades de atendimento ao idoso.

6 Direitos do idoso

São direitos do idoso que devem ser zelados pelo conselho, dentre outros:

-      Ser considerado idoso, se tiver idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos;

-      Proteção integral;

-      Oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade;

-      Absoluta prioridade na efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária;

-      Não ser objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão;

-      Exercer atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas;

-      Ao Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS, se tiver idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos e renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente;

-      Não ter o BPC já concedido a qualquer membro da família computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS;

-      Ter firmado contrato de prestação de serviços nas instituições de longa permanência ou casa-lar;

-      Não ter que suportar como participação no custeio de instituições de longa permanência ou casa-lar em que esteja abrigado com valor superior a 70% (setenta por cento) de qualquer benefício previdenciário ou de assistência social percebido por ele;

-      Ter reconhecida sua dependência econômica pelo acolhimento em face de situação de risco social, por adulto ou núcleo familiar;

-      Moradia digna (no seio familiar natural ou substituto, ou desacompanhado quando desejar, ou em instituição pública ou privada);

-      Gratuidade no transporte coletivo público urbano e semi-urbano, aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos (pode lei municipal e/ou estadual reduzir o limite de idade para 60 (sessenta) anos);

-      Reserva de 10% (dez por cento) dos assentos no transporte coletivo público urbano e semi-urbano;

-      Identificação da reserva de assentos no transporte coletivo público urbano e semi-urbano mediante afixação de placa de reservado preferencialmente para idosos;

-      Reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos no transporte coletivo interestadual (Este direito está suspenso por medida liminar deferida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, a pedido das companhias de transporte interestadual.);

-      Desconto de 50% (cinq-enta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos no transporte coletivo interestadual;

-      Reserva de 5% (cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados, posicionadas de forma a garantir a melhor comodidade do idoso;

-      Prioridade no embarque no sistema de transporte coletivo;

-      Prioridade na tramitação dos processos e procedimentos na execução de atos e diligências judiciais e administrativas em que figure como parte ou interveniente, em qualquer instância.

Considerações finais

Os conselhos de direitos do idoso são, na verdade, conselhos gestores de políticas e conselhos tutelares dos direitos do idoso, já que além de acompanhar, fiscalizar e supervisionar a política do idoso, cabe a esses conselhos zelar pelos direitos definidos pelo estatuto.

Possibilitam o controle social da administração pública, uma vez que deliberam sobre os fundos, representam instância supra-estatal no (re)direcionamento das políticas e possuem natureza consultiva no que tange à definição e aplicação do orçamento.

São, pois, o principal canal participativo do Estado Democrático de Direito brasileiro, potencializando o exercício direto da democracia e viabilizando a construção da cidadania plena.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2004.

______. Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741/03. Brasília: Senado Federal, 2003.

______. Política Nacional do Idoso, Lei n. 8.842/94. Brasília: Senado Federal, 2003.

CARVALHO, Maria do Carmo A. A. Participação social no Brasil hoje. São Paulo: POLIS, 1998.

RAICHELIS, Raquel. Esfera pública e conselhos de assistência social: caminhos da construção democrática. –2.ed.- São Paulo: Cortez, 2000.

__________, WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Desafios de uma gestão pública democrática na integração regional. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, n.78, p. 5-32, jul.2004.

TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, Evelina (Org.) Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. (p. 47-103).

 

 

 

Éder Ferreira e Mariana Furtado Arantes

Éder Ferreira: Advogado popular, militante junto a movimentos sociais e membro e co-fundador da Comissão de Implantação do Conselho Municipal de Direitos do Idoso de Uberaba e autor do anteprojeto de lei que instituiu a Política Municipal do Idoso e criou o Conselho Municipal de Direitos do Idoso de Uberaba.
Mariana Furtado Arantes: Assistente Social junto a movimentos sociais, membro e co-fundadora da Comissão de Implantação do Conselho Municipal de Direitos do Idoso de Uberaba.