A gravação clandestina no Brasil
Uma das características dos direitos fundamentais é a limitabilidade, razão pela qual não há direito fundamental absoluto no sentido de prevalecer em toda e qualquer hipótese.
Logo, seu exercício deverá se coadunar com a ordem jurídica posta, com ênfase no respeito aos demais direitos, principalmente, aqueles da mesma espécie.
Nesse horizonte, interessa refletir em que medida a consideração, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), com relação à licitude da prova colhida mediante a gravação clandestina, que abrange a ambiental e a telefônica, ofende o direito fundamental individual à privacidade (art. 5º, X, da Constituição Federal), ao sigilo telefônico (art. 5º, XII, da Constituição brasileira) e à cláusula acerca da inadmissibilidade processual das provas colhidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da Carta Magna)1.
Em outras palavras, a maioria contemporânea do STF entende que a gravação clandestina, aquela feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro interlocutor, que pode ocorrer por meio de telefone ou de forma ambiental, é amparada pelo ordenamento jurídico brasileiro em dadas hipóteses2.
A propósito, no Recurso Extraordinário nº 402.717 – Paraná, o Pretório Excelso se posiconou no sentido de não haver ilicitude alguma no uso de gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro com a intenção de produzir prova, sobretudo para a defesa própria em procedimento criminal, se não pese, contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou ministeriais, de particular tutela da intimidade. Assim, nesse contexto, a gravação é clandestina, mas não ilícita, nem ilícito é seu uso3.
Contudo, parte da doutrina constitucional brasileira repele a hipótese, argumentando que, no país, grava-se a conversa alheia para “fazer prova”, deixando-se à míngua o sentimento de respeito ao próximo; que quantas vezes suposições e dúvidas são levantadas a respeito de pessoas físicas e jurídicas somente porque “alguém gravou a conversa”, deturpando as palavras, vergam-lhes o conteúdo, para adequá-las ao patrocínio de teses maledicentes4.
Sem dúvidas, tais argumentos merecem aprofundamentos, o que será feito por nós em textos futuros. Todavia, para além do debate proposto, já que não há legislação específica sobre o tema, além das previsões constitucionais ora apresentadas, a prova será válida quando a gravação é feita com o conhecimento dos interlocutores, em depoimentos, palestras, narrativas e aulas onde sua feitura foi consentida, bem como será lícita a gravação feita por uma das pessoas que estiver conversando com outro interlocutor para obter a prova de um crime, desde que haja ordem judicial determinando a medida5.
Enfim, cada caso deverá ser analisado a partir das premissas basilares ora apontadas pela jurisprudência do STF e pela doutrina.
Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: abr. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 402.717 – Paraná. Rel. Min. Cezar Peluso. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/re-402717-stf.pdf. Acesso em: abr. 2018.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.
Notas
1 Acerca dessas previsões constitucionais, consultar: BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
2 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 495.
3 Consultar: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 402.717 – Paraná. Rel. Min. Cezar Peluso. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/re-402717-stf.pdf.
4 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 607.
5 Ver: BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 608.
Data da conclusão/última revisão: 23/4/2018
Hugo Garcez Duarte
Mestre em Direito e Professor da FADILESTE.