Mistificações sobre os especialistas e os critérios de escolha de um profissional

A sociedade possui uma presunção tão exarcebada sobre os conhecimentos, a competência, a qualidade, a eficiência, a aptidão, o desempenho, a habilidade, a eficácia, ... dos profissionais especializados, ou seja, daqueles que possuem cursos (títulos, diplomas, certificados, canudos, etc) de especialização (pós-graduação, mestrado, doutorado, livre docência), que se trata de um verdadeiro dogma (suposta verdade incontestável, inquestionável, indubitável, incriticável e irrefutável) e de um ato de idolatria.

Chega-se ao absurdo de mesmo sendo noticiado na mídia que determinado profissional desenvolveu e comprovou a eficácia de uma nova tese sobre determinado direito, ou uma nova técnica cirúrgica, ou um novo medicamento, ou um novo motor super-econômico, ou um novo tipo de semente híbrida, ou uma nova variação de raça de animal, ou um novo tipo de ração, etc, as pessoas interessadas nessas novidades, ao invés de procurarem o autor (inventor, projetista, elaborador, desenvolvedor, criador) da novidade, vão atrás de um especialista pois crêem que este sabe mais que o próprio criador da novidade que não possui especialização (título).

Bem que é dito que alguém cria e outros copiam! Em outras palavras, alguém desenvolve um trabalho excepcional e como consegue eficácia, logo aparecem “os picaretas” dizendo que sabem fazer a mesma coisa. Isso me lembra Moisés perante o faraó do Egito, onde todos os sinais divinos que Moisés fazia pelo Espírito de Deus, os magos do Egito personificavam.

O fato de um profissional possuir o título de especialista somente supõe-se (teoria, ficção, achismo, cogitação) que saiba mais daquele assunto do que um profissional que não tenha referido título, como, do mesmo modo, supõe-se que uma pessoa mais velha ou com mais tempo de trabalho/exercício tenha mais experiência de vida do que uma mais nova ou com menos tempo de trabalho/exercício.

Em outras palavras, não passa de uma mera presunção e, assim, como todas as presunções não são verdades absolutas, necessitam serem provadas (testadas, apuradas, confirmadas, examinadas) na prática (fatos, evidências, histórico, experiência, resultados) para se ter a certeza (realidade, verdade) sobre a idéia pré-concebida a respeito.

Assim, portanto, se determinado profissional que, apesar de não possuir o título (pedaço de papel) de especialista, mas provou na prática que domina o assunto, é muito mais entendido do que aquele que só tem o diploma, pois o fato da pessoa ter um diploma não significa que realmente saiba as coisas. Assim não é porque um profissional simplesmente saiu na mídia que signifique que ele seja competente. Há de se ver por qual razão ele saiu na mídia. Se foi sendo entrevistado por assunto alheio à sua profissão, se foi como figurante ao fundo, se foi em uma atividade normal de qualquer pessoa, se tratou-se de pura e evidente propaganda paga, se foi falando o “arroz com feijão” (o básico do básico) de sua profissão que qualquer um deve saber, se foi fazendo um comentário teórico sobre sua atividade profissional, se foi por ter parentes ou amigos na mídia, etc ou se foi sendo entrevistado em razão de ter demonstrado ser um profissional competente, ou seja, falando de um caso prático seu e não de outro profissional, pois “é fácil fazer sombra com o chapéu dos outros”, “depois de morto o leão, todos querem bater fotos com o pé me cima de sua cabeça” e “depois de aberta a picada/trilha na mata, todos querem passar por ela”.

Outro detalhe ainda que as pessoas costumam se esquecer é que não existe uma pessoa que seja especialista em todas as áreas/ramos e que um verdadeiro especialista é aquele que somente atua naquela especialidade. Em outras palavras, um especialista fora da sua especialidade sabe menos do que um clínico geral, pois o clínico geral trata de todos os assuntos no seu dia a dia (prática) e o especialista não, o que lhe leva ao esquecimento por falta de prática e estudo a respeito. Isso me faz lembra de uma piadinha:

Dois amigos bebendo num barzinho:

- Pô Carlos você parece abatido. Algo o atormenta?

- Nem te conto Xavier. Estou com uma dor insuportável no testículo esquerdo.

- Não te preocupes com isso. Tive um problema semelhante e meu médico curou num piscar de olhos.

- Então me dá o endereço desse médico.

Continuaram bebendo e ao se despedirem no final da noitada o Xavier lembrou:

- E o endereço do médico?

Carlos sacou um cartão de visitas do bolso e passando ao amigo acrescentou:

- "Você tem que se tratar com que entende! Pode procurar este Doutor que ele é especialista!"

Mas efeito da bebedeira por engano passou o cartão do advogado dele.

No dia seguinte Xavier procurou o endereço do cartão. Encontra a sala, a atendente pede para aguardar e, ao adentrar na sala do Doutor, encontrando um senhor bem vestido atrás de uma mesa, começa a descrever seu problema:

- Dr. estou com uma dor incrível no testículo esquerdo.

- Sinto muito meu amigo, mas sou especialista em DIREITO.

- Pô vá ser especialista assim na .....

Pior é crerem que um advogado pelo fato de falar outro idioma ou ter feito pós-graduação no exterior sabe mais que os outros. Verdadeiro absurdo, pois a única valia nesse caso é para a militância no Direito Internacional, vez que em cada país há as suas legislações e costumes próprios. Ou seja, sobre as leis brasileiras não será aprender no exterior, assim de nada adianta num tribunal pátrio o advogado saber na ponta da língua a legislação chinesa ou saber falar russo fluentemente.

Outro raciocínio equivocado é julgar o profissional competente em razão de possuir bens. Em outras palavras, é pensar que pelo fato do profissional ter um carro bonito ou caro, ou um escritório ou consultório bonito ou luxuoso, ou comer em restaurantes chiques, ou se vestir com roupas de grife ou estar sempre na moda, ou freqüentar clubes caros, ou morar num condomínio fechado, ou sair nas colunas sociais e/ou de fofocas dos jornais fazendo as coisas mais banais, normais e fúteis que qualquer um faz, etc seria sinal de que é um excelente profissional.

O fato do profissional ter dinheiro não significa que seja competente, pois são inúmeros os fatores para a formação de seu patrimônio (herança, mesada, financiamento, calotes, dinheiro do cônjuge, fonte diversa como uma empresa ou outra atividade, loteria, desonestidade, politicagem, lavagem de dinheiro, etc).

Igualmente, não há nenhuma co-relação entre um profissional ser competente pelo fato de ser bom numa outra atividade diversa da sua profissional, como, por exemplo, um médico não é competente porque entende de argamassa; um cirurgião dentista não é competente porque é um bom mecânico; um advogado não é competente porque é um bom lutador de judô; um engenheiro civil não é competente porque tem jeito com os animais; um contador não é competente por ser um bom motorista ...

Não é porque determinado profissional é vizinho, colega de copo/bar, de jogo de bola, de sinuca, de sauna, do clube, irmão de igreja ou de irmandade (Lions, Rotary, Maçonaria, Rosa Cruz, etc) que signifique ser um excelente profissional. Isso se trata somente de caridade ou simpatia para com a pessoa, mas não tem nenhuma relação com a competência do profissional. Se fosse tomada esta mesma atitude para o preenchimento de um cargo público todos ficariam pasmados, indignados e revoltados.

Muito menos ainda o fato do profissional ser bonito ou feio, jovem ou velho, homem ou mulher, careca ou cabeludo, ... tem qualquer co-relação com sua competência.

Outro erro muito comum é supor que pelo fato da pessoa dar aula numa universidade seria mais competente que os outros que não dão. Ledo engano. Um profissional competente e bem sucedido normalmente não vai perder o seu tempo dando aulas, aturando alunos, elaborando e corrigindo provas, etc em troca de um salário medíocre. Entretanto, já aqueles que não conseguem se firmar no mercado de trabalho, ficam desesperados em conseguir uma fonte de renda e, assim, trocam o escritório/consultório pela sala de aula. Daí vem o ditado entre os profissionais: “Quem sabe atua, quem não sabe ensina”.

Inclusive há aqueles profissionais que se consolidam no mercado que não possuem nenhum interesse num concurso público em razão do Estado não pagarem o suficiente para seduzir-lhes.

Do mesmo modo, não é porque um profissional possui livros editados que o torne competente, pois, primeiramente, não é pelo fato de que algo está escrito num livro que signifique que esteja certo, pois o papel aceita tudo, até mesmo excremento e, em segundo, não se sabe por qual razão ele conseguiu ter seu livro publicado (pela qualidade, bancou os custos, foi apadrinhado, a editora não fez questão do conteúdo, etc).

Concluindo, para se contratar um profissional tem-se que levar em conta a sua competência exatamente naquilo que precisamos dele e ignorar tudo aquilo que não tenha nenhuma co-relação com o assunto.

Desse modo, se precisamos de um neurocirurgião de nada adianta contratarmos um médico que foi funcionário público por décadas em cargo de chefia, pois precisamos de um profissional que tenha prática (que faça esse tipo de coisa periodicamente) e não um que faz tempo que não atua.

Igualmente, de nada adianta contratarmos para uma ação judicial de inventário e partilha alguém que tenha sido juiz do trabalho por décadas e depois de aposentado virou advogado, pois atuou por décadas como juiz e ainda em outra área do Direito. O advogado tem que saber pesquisar o assunto, juntar documentos, produzir provas, elaborar as teses e as petições, etc e já um juiz já recebe tudo mastigado e apenas analisa as petições e documentos das partes e decide qual delas lhe convenceu de estar com a razão.

(Texto elaborado em fevereiro/2006)

 

 

 

Márcio Adriano Caravina

Advogado em Presidente Prudente – SP;
Coordenador do Projeto a OAB vai à escola na 29ª Subsecção da OABSP.