Um processo e suas audiências no Brasil
Arnaldo Jr
E hoje tive mais uma audiência; Criminal.
Réu acusado, de num semáforo da Avenida Rio Branco (uma das mais movimentadas do centro da Capital Paulista) ter ameaçado, como se armado estivesse, certo casal que supostamente estaria dentro de um veículo, aguardando liberação do semáforo para seguir em frente.
Reconhecimento positivo do acusado por ambas as pretensas vítimas.
E como não se conseguiu roubar nada, __ atenuante de pena;
E por já ter sido processado antes, __ aumento de pena, etc.
Pois bem, final da história; meu suposto “cliente”, eis que não fizemos contrato, apenas presto assistência “ad hoc” sob promessa de pagamento futuro, se assim ele o desejar, aguarda a sentença preso.
Em essência é um bom menino, pouca instrução, mas muita educação; e que demonstra no próprio semblante, o sofrimento de longos 23 anos arrastados na marra, entre a fome e a vontade de comer, e na maioria das vezes sem conseguir saciar a sua necessidade alimentar.
Um típico caso de um rapaz de boa aparência que não teve qualquer oportunidade na vida, tanto que comete-se crimes; o faz até sem estar armado. É uma interpretação selvagem da divisão do excesso de alguns com aqueles que nada têm.
Meio à moda louca, mas a moda dos menos favorecidos cultural e intelectualmente.
Bem, e disto se decorre que, preso em 31 de maio de 2005, exatamente no dia de aniversário de 08 meses de sua prisão, hoje em 31 de janeiro de 2006; teve o beneficio de relaxamento do flagrante e/ou concessão de liberdade provisória negados. Claro, não antes de uma manifestação do Ilustre Representante do Ministério Público, que alegou, dentre outros motivos, a necessidade da custódia para contenção da violência, que se diga de passagem, já há muito aumentada, e tendendo a aumentar mais; ainda mais num país onde assessores de parlamentares (de criadores de Leis) são pegos com dinheiro escondido até dentro da cueca...
Que me perdoem os que forem contrários, mas entre um rapaz famigerado tentar roubar num semáforo, à base do grito desesperado de: “passa o dinheiro ou morre” (dito de mentirinha só para ameaçar) e certos manda-chuvas e/ou seus assessores carregarem malotes cheios de dinheiro e até as próprias cuecas recheadas de dólares, há uma diferença muito grande. E engraçado que nem presos eles ficam...
E ter uma liberdade processualmente garantida negada no dia de aniversário de 08 meses de prisão, por uma tentativa de roubo frustrada, quando a contagem de prazos que estatui o Código de Processo Penal totaliza 81 dias para encerramento da instrução. Não é brincadeira; conviver com uma Lei desigual e protecionista de uns em detrimento de outros. É o fim da picada; o fim da linha. Ainda mais quando se pode constatar que o julgamento arrepia a Lei Magna / Constituição Federal, artigo 5º e incisos [i].
E claro que alguns pontos merecem ser chamados à atenção, como o exemplo de que o casal (um homem e um mulher) que diz ter sido vítima da tentativa de roubo mente, pois no momento em que o verdadeiro meliante tentou o assalto, dentro do veículo existiam três homens, e nenhuma mulher, e a mulher diz de forma categórica que foi ameaçada e que até teve que sair correndo do carro.
De onde apareceu essa mulher? __ Soube-se que ela foi envolvida num acidente de trânsito e foi depor como testemunha do que não viu, por acordos de trânsito.
Quer dizer, foi-se o princípio da razoabilidade. O retorno do “indivíduo” ao convívio social, segundo o Promotor Público, representa um perigo, e uma pergunta urge por ser feita:
Mas por quê? Porque ele representa um perigo à Sociedade e certos políticos, por esta mesma sociedade, escolhidos, não honram suas missões e se envolvem em toda sorte de criminalidade? De corrupção a outros crimes?
Como sobreviver com o que aufere honestamente, se empregos não se arruma, e quando se arruma, é para ganhar uma miséria de salário, enquanto aqueles que muito ganham, mais ainda roubam?
Não é à-toa o que certo cantor disse com maestria: “se malandro soubesse como é bom ser honesto, ele seria honesto só de malandragem”. E não é? Infelizmente sim, numa moda meio avessa à realidade, mas é uma triste realidade.
Estamos no país dos ‘espertos’, do ‘jeito no jeitinho’, do ‘quem pode mais chora menos’, etc.
E voltando uma vez mais ao processo propriamente dito, e dando agora um pouco mais de atenção ao posicionamento da ilustre, sábia e dedicada magistrada da 24ª Vara Criminal Central, que enquanto conduzia a audiência da qual comento aqui; realizava simultaneamente vários acompanhamentos de vítimas às salas de reconhecimento de criminosos, para efetivação desta formalidade processual e, ainda, conduzia também as audiências de seu colega da sala ao lado, que ao certo, em compromissos, não pode comparecer.
E ela, uma magistrada de talento visível, de elegância e beleza destacáveis, dentro do limite de sua atuação, e tendo em sua frente um Promotor ávido por condenar, nega mesmo os pedidos dos advogados, como se não fossem escorados em Lei, Doutrina e Jurisprudência, e como se a figura do advogado, como já até apelidaram, fosse “UMA SAMAMBAIA JURÍDICA”, apenas uma decoração necessária da sala de audiências, sem voz e sem querer.
E disto o que nos resta? Muito pouco.
Pleitear guarida na OAB, sabidamente, não tem o efeito desejado, e ao teor do que me disse certo juiz numa das vezes, em que com um deles digladiei: ¨a sentença final é sempre do Magistrado, que se ofendido ou magoado, pode decidir desta ou daquela forma, sabedor que é de que qualquer decisão modificadora de seu julgado se for modificadora, só será conhecida muito tempo após, e nos casos criminais, na maioria das vezes, quando vem a absolvição pelo Tribunal, o sentenciado já está até em progressão de regime, como faculta a Lei¨.
E reclamar para quem? Para o Papa? João Paulo II estava até bem afeto e conhecedor dos casos existentes, por conta de seu longo tempo de papado; mas agora, Bento XVI, ainda novato, deve estar fazendo curso de especialização, em milagres, e só mais tarde poderemos clamar por ele.
A saída por hora é recorrer a Deus mesmo. Só um milagre nestes casos.
(Elaborado em São Paulo, 31 de janeiro de 2006)
Notas:
[i] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
Sobre o autor:
Arnaldo Jr: advogado, poeta, escritor, etc.
Website: http://www.geocities.com/arnaldoxavier
Redação