Um desagravo aos parentes de magistrados

Asdrubal Júnior

Nobre é a motivação de se combater o nepotismo. Mas, a primeira grande indagação que não foi, efetiva e qualitativamente discutida e respondida, é: o que é, verdadeiramente, NEPOTISMO? Nepotismo é a relação parental consangüínea ou de afinidade? Nepotismo é o favorecimento pessoal em detrimento da qualidade do serviço público?

 

A nosso ver, o que deve ser censurável não é a relação de parentesco, mas, sim, o favorecimento pessoal em detrimento da qualidade, a falta de aptidão de quem ingressa relevada pelo mero interesse de beneficiar determinada pessoa com os recursos que perceberá no cargo público, nada se importando com a qualidade do serviço público que será prestado por essa pessoa.

Se for certo que nepotismo é o favorecimento pessoal em detrimento da qualidade, então, SOMOS CONTRA O NEPOTISMO! Mas, se Nepotismo refere-se à relação de parentesco consangüíneo ou por afinidade, então compreendemos que, ao conceituá-lo assim, apenas estaremos criando uma nova forma de discriminação, o que verdadeiramente LAMENTAMOS!

Não podemos nos esquecer no calor desse debate, que estamos tratando de cargos de confiança, de livre nomeação e exoneração. Ora... sejamos francos, se os parentes não podem ser nomeados, serão nomeados os amigos.

Portanto, se politicamente compreender-se indesejável a nomeação de pessoas da confiança de quem nomeia (o que, de certo modo, poderia ser compreendido como violação ao princípio da impessoalidade), então, a solução não estará em, objetivamente, proibir a relação parental, mas tão-somente de transformar os cargos de livre exoneração, permitindo o acesso, unicamente, por CONCURSO PÚBLICO.

O que nos preocupou e nos remeteu a assumir essa posição, inclusive sabidamente contrária à de muitos veículos da imprensa, é que notamos que em nome da moralização está se praticando uma grande IMORALIDADE.

Não bastasse o aspecto constitucional do debate, no qual acreditamos correto o posicionamento do Ministro Marco Aurélio de que a Emenda Constitucional nº 45 não deu tamanha autonomia ao Conselho Nacional de Justiça, para editar regras que restrinjam aquilo que não está restrito na lei, suplantando a máxima, também constitucional, de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, agora também, com a prevalência desse entendimento: senão em virtude de lei ou Resolução do CNJ.

Outras reflexões se mostram pertinentes e necessárias de aprofundamento. Afinal, a decisão do STF não é definitiva.

É censurável qualquer tipo de discriminação. Mas o que estamos a fazer, ao estabelecer que a relação consangüínea ou por afinidade seja motivo de objeção de acesso ao cargo público, senão constituir uma HORRENDA DISCRIMINAÇÃO. Será que todos os parentes de magistrados lá estão por mero favorecimento pessoal? Será que, por serem parentes, eles são incompetentes, ímprobos, desidiosos e incapazes de cumprir com seu dever de eficiência?! Sinceramente, acreditamos que não, mas agora eles estão sendo, por força da Resolução do CNJ, escorraçados do seio do Poder Judiciário, desligados abruptamente, à força, sem que tenham praticado nenhuma conduta infracional, mesmo estando há alguns anos laborando com eficiência, probidade e retidão.

A mesma Constituição que se disse violada no princípio da impessoalidade e moralidade, mesmo sem a indicação de nenhum fato concreto, mas pela mera adoção de uma presunção de que – quem é parente foi favorecido indevidamente –, agora está sendo frontalmente ignorada quando garante que não deverá haver discriminação de qualquer espécie. Ora, se não há fato concreto contra cada um desses servidores, o que se está fazendo senão simplesmente DISCRIMINÁ-LOS de forma odiosa e inconstitucional.

E o pior de tudo, é que se esses servidores tivessem sido acusados por qualquer falta disciplinar, teriam o direito constitucional do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da individualização da penalidade aplicável, e assim não seriam desligados sumariamente, como de fato estão sendo, aliás, de nada lhes serve o direito constitucional de ação, face à característica vinculante da decisão do STF, em processo onde nem puderam se manifestar.

Ao contrário de outro princípio constitucional – o da presunção de inocência, entendeu-se por adotar o princípio da presunção da culpa, da imoralidade, do favorecimento pessoal.

Muitos desses servidores laboram há vários anos, e, carregam em sua bagagem profissional o reconhecimento de seus colegas, superiores e uma folha corrida de excelentes serviços prestados, mas estão saindo para a sociedade de forma aviltante, carregando a pecha de ímprobos, imorais e beneficiários da mazela do poder, simplesmente porque em suas veias corre o mesmo sangue de outros integrantes do Poder. Definitivamente, esse não é nem deve ser o tratamento de dignidade humana a que se comprometeu a República Federativa do Brasil, no mais basilar princípio constitucional.

Incrível ainda é quando pensamos que a Constituição protege de nova legislação o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, e estabelece que não haverá crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal, porém, a regra nova que compreendeu como ato irregular, o que antes não era assim compreendido, e estabeleceu como conseqüência (pena) a exoneração sumária, alcançou os servidores nomeados anteriormente à nova regra.

Naturalmente, o tema é polêmico demais, e respeitamos todas as opiniões divergentes, notadamente a do CNJ e do STF.

A história já registrou outros grandes erros e injustiças praticados pelos ocupantes dos poderes constituídos. Infelizmente, acreditamos que estamos a testemunhar mais um desses graves erros, embora ainda seja possível corrigi-lo.

E por isso, senhores parentes de magistrados, faço questão de registrar esse DESAGRAVO PÚBLICO, para que em seu íntimo carreguem o meu sentimento de pesar e indignação com tão vil injustiça e inconstitucionalidade, solidarizando com seus sofrimentos.

 

 

Sobre o autor:

ASDRUBAL JÚNIOR é advogado, sócio da Asdrubal Júnior Advocacia e Consultoria S/C, pós-graduado em Direito Público pelo Icat/UniDF, Mestre em Direito Privado pela UFPE, Professor Universitário, Coordenador do IINAJUR, organizador do Novo Código Civil da Editora Debates, Diretor da Faculdade de Ciências Jurídicas do UniDF, Editor da revista Justilex, integrante da Bralaw – Aliança Brasil de Advogados, Consultor das Nações Unidas - PNUD.

 

 

 

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