O casamento e o excêntrico mundo das leis...
Gentilmente cedido pelo Dr. Aldo Pereira
O trabalho abaixo, enviado por Aldo Pereira, tem por objetivo incentivar a comparação mais ampla de preceitos legais do Corão e do nosso Código Civil
Esposa há onze anos de Aftab Ansari, de quem já teve três filhos, Sohela contou a amigas de sua aldeia, no distrito de Jalpaiguri (estado de Bengala Ocidental, Índia), que o casal tivera uma rusga no último dia 20 de dezembro. E que, naquela noite, durante o sono, o marido lhe pronunciara por três vezes a palavra TALAQ. Em vista disso, segundo a própria Sohela, o divórcio do casal estava consumado nos termos do que prescreve o Corão.
Como quase todas as famílias do lugar, também a dos Ansari é muçulmana, não hindu. Na Índia, como parte da política oficial de coexistência pacífica entre hindus e muçulmanos, o clero islâmico tem certos poderes judiciais em assuntos matrimoniais, familiares e de herança da minoria islâmica. O mexerico chegou ao conhecimento do MOLV (autoridade religiosa local), que então declarou irrevogavelmente dissolvido o NIKAH (vínculo matrimonial). E mais: que se Aftab quisesse desposar outra vez Sohela, quatro condições teriam de ser cumpridas: pelo menos cem dias de separação; que ela casasse com outro homem; que ela dormisse pelo menos uma noite com o segundo marido; e que o segundo casamento também fosse legalmente dissolvido.
Como o casal se recusa a cumprir essa FATAH("sentença") do molvi, o caso foi levado à delegacia de polícia de Falakata, de onde ganhou repercussão. Enquanto isso, a comunidade pune com ostracismo a recalcitrância do jovem casal (Aftab tem 30 anos).
A história, divulgada inicialmente pela agência de notícias PTI (Press Trust of India, cooperativa indiana de jornalistas) repercutiu em muitos países com omissões, distorções, e vieses antiislâmicos. TALAQ(literalmente, "soltar-se de grilhões", "libertar-se") é de fato termo repetido ritualmente três vezes pelo marido que repudia a mulher.
Mas autoridades religiosas superiores ao MOLVI de Jalpaiguri contestaram a decisão dele. No processo, ainda a ser julgado em instância superior, parece prevalecer o entendimento de que a sentença de divórcio "carece de santidade".
Primeiro, porque, ao declarar sua decisão, o indivíduo não pode estar estremunhado nem ter, no momento, a consciência diminuída ou perturbada de algum outro modo.
Segundo, porque a condição de a mulher casar com outro, e deste se divorciar para habilitar-se a refazer o primeiro matrimônio, só é imposta no caso de o primeiro marido a repudiar pela segunda vez (isto é, no caso de ter havido divórcio, reconciliação e novo divórcio do primeiro marido).
Portanto, ainda que validado o TALAQ de Sohela e Aftab, eles poderiam recasar-se uma vez decorridas três menstruações dela; nesse prazo, ela deveria morar com os pais.
(Texto originalmente publicado do periódico "Mundo excêntrico", nº 12)
Redação